Análise: EUA preparam esforço frenético para evitar guerra mais ampla no Oriente Médio
Presidente dos EUA, Joe Biden, afirmou que seria um “grande erro” uma potencial ocupação na Faixa de Gaza
Os líderes dos Estados Unidos estão montando um esforço urgente para prevenir que a guerra de Israel contra o grupo radical islâmico Hamas se transforme em um conflito regional cada vez mais amplo.
O conflito, que já resultado na catástrofe civil na Faixa de Gaza, poderá se transformar em uma bola de neve e uma crise geopolítica ainda maior, após os horríveis ataques terroristas deste mês.
Com o segundo grupo de porta-aviões dos EUA chegando à região, o presidente Joe Biden disse ao “60 Minutes” que está apoiando Israel enquanto o país vinga o dia mais sombrio em 50 anos – e enquanto se concentra na situação dos norte-americanos entre os mais de 150 pessoas feitas reféns durante a incursão do Hamas. Mas Biden também disse, novamente, que seria “um grande erro” Israel ocupar Gaza e pediu o retorno das negociações para um Estado palestino.
Os comentários foram feitos após um fim de semana frustrante para os cidadãos norte-americanos presos na saída entre a Faixa de Gaza e o Egito, enquanto o governo Biden também procura aliviar as terríveis condições humanitárias para os civis palestinos sem passaportes estrangeiros, que estão presos sem assistência clara dos implacáveis ataques aéreos israelenses.
A missão do secretário de Estado, Antony Blinken, para o Oriente Médio mostra que os Estados Unidos, mesmo com os esforços de se desprenderem da região, ainda estão em uma posição única para influenciar Israel, assim como os principais mediadores do poder árabe em um momento de profundo perigo – e ainda dispostos a assumir a tarefa de projetar liderança no Oriente Médio, apesar da turbulência interna em Washington.
Funcionários da administração, que falaram no domingo (15), deixaram claro que também estão olhando para o futuro, tentando desesperadamente preservar a esperança de um Oriente Médio remodelado que levaria Israel e Arábia Saudita a uma normalização diplomática, que os ataques terroristas do Hamas podem ameaçar.
A tarefa dos EUA de equilibrar uma crise que se alastra rapidamente é extremamente complexa e alguns dos seus objetivos podem ser inconciliáveis com outros: Por exemplo, o desejo de Israel de eliminar o Hamas de uma vez por todas pode resultar em uma enorme destruição,e perda de vidas tão grandes que afastaria aliados árabes dos norte-americanos.
“Estamos conversando com os israelenses sobre todo o conjunto de questões, olhando para o futuro para garantir que Israel esteja segura e protegida, e também que palestinos inocentes, que vivem na Faixa de Gaza, possam ter uma vida de dignidade, segurança e paz também no futuro”, disse o conselheiro de segurança nacional de Biden, Jake Sullivan, no programa “State of the Union”, da CNN.
Sullivan também alertou que a guerra entre Israel e o Hamas poderia ser apenas o começo. “Existe o risco de uma escalada deste conflito, da abertura de uma segunda frente no norte e, claro, do envolvimento do Irã”, disse à CBS.
Os comentários foram feitos no momento em que a escala de uma tragédia humanitária em curso na empobrecida e densamente povoada Gaza começa a emergir, enquanto funcionários das Nações Unidas (ONU) alertam para as condições infernais após mais de oito dias de bombardeio israelenses, que mataram mais de 2,6 mil palestinos em resposta à violência brutal do Hamas, tomada de reféns e assassinato de 1,4 mil pessoas em Israel.
Philippe Lazzarini, comissário-geral da Agência de Assistência e Obras das Nações Unidas, alertou para a grave escassez de água, eletricidade, alimentos e medicamentos, além dos milhares de habitantes da Faixa de Gaza fogem da região norte após uma declaração israelense de evacuação, mas com a fronteira sul do território com o Egito permanece fechada.
“Gaza está sendo estrangulada e parece que o mundo, neste momento, perdeu sua humanidade. Se olharmos para a questão da água – todos sabemos que água é vida – Gaza está ficando sem água e está ficando sem vida”, disse Lazzarini.
Israel afirmou que tenta mitigar o sofrimento dos civis e culpa o Hamas, um grupo radical islâmico apoiado pelo Irã, que incorporou os lança foguetes deles em áreas urbanas lotadas e campos de refugiados para se esconder atrás de civis. O Hamas falou aos civis para ignorarem os avisos israelenses para evacuarem a região norte de Gaza.
VÍDEO – Guerra em Israel: embaixador alerta para risco de o conflito se espalhar
Blinken deixa clara estratégia dos EUA
Blinken está em uma trajetória frenética, que inclui paradas em Israel, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Jordânia, Egito e Bahrein. Ele disse no Cairo, no domingo, que havia uma determinação em toda a região para evitar que os ataques terroristas do Hamas se transformassem em uma guerra regional maior. O Departamento de Estado disse que retornaria a Israel para novas conversas nesta segunda.
Israel também convidou Biden ao país para conversas com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, e ambos os lados estavam considerando a visita, disse uma fonte familiarizada com o assunto à CNN. Nesta segunda, o presidente dos EUA cancelou, inesperadamente, uma viagem planejada ao Colorado, onde falaria sobre energia eólica, embora a Casa Branca não tenha fechado a mudança nos planos para uma possível viagem a Israel.
Mas a possibilidade de o presidente visitar uma zona de guerra e colocar seu prestígio pessoal em risco, nesse momento, seria repleta de complicações.
Washington está caminhando na corda bamba ao sublinhar o apoio inabalável ao direito de Israel de tentar eliminar o Hamas, mas também tenta mitigar o pior revés civil da ofensiva que se aproxima, enquanto segue com os próprios interesses em evitar uma situação que poderia forçá-lo a mergulhar de volta ao Oriente Médio.
Blinken expôs a estratégia multifacetada dos EUA.
Veja imagens do conflito entre Israel e Hamas
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“Não acredito que podemos ser mais claros do que temos sido de que, quando se trata da segurança de Israel, nós o apoiamos”, disse em Cairo. Mas também alertou: “A maneira como Israel faz é importante. Precisa fazê-lo de uma forma que afirme os valores compartilhados que temos para a vida e a dignidade humana, tomando todas as precauções possíveis para evitar ferir civis.”
O principal diplomata dos EUA também passou uma mensagem mais ampla de dissuasão, acrescentando: “Ninguém deve fazer nada que possa colocar lenha na fogueira em qualquer outro lugar. Acho que está muito claro.”
Houve sinais de sucesso modesto nos pedidos dos EUA a Israel em nome dos civis palestinos no domingo, quando Blinken prometeu que a passagem de fronteira de Rafah, entre Faixa de Gaza e o Egito, seria aberta. A fronteira foi fechada, com o Cairo alegando a falta de controles de imigração no lado de Gaza e o receio pela segurança dos comboios de ajuda que entram no território bombardeado.
Os suprimentos humanitários têm-se acumulado em postos de controle do lado errado da fronteira, onde são urgentemente necessários. E Sullivan disse a Jake Tapper, da CNN, que, embora as autoridades israelenses e egípcias estivessem dispostas a permitir a evacuação de cidadãos norte-americanos em Gaza pela fronteira de Rafah, o Hamas a impedia.
Sullivan também disse à CNN que Israel concordou em reativar o abastecimento de água para Gaza, uma concessão confirmada pelas autoridades israelenses, mas as autoridades da Faixa de Gaza disseram que não puderam verificar o motivo da necessidade de eletricidade para bombear a água para uso não ter sido restaurada.
Blinken também anunciou a nomeação de David Satterfield, ex-embaixador dos EUA na Turquia, para ajudar a coordenar os esforços de ajuda. O novo enviado dos EUA estará em Israel nesta segunda.
Como a guerra de Israel poderia explodir em novo desastre no Oriente Médio
O receio de uma escalada está ligado a uma esperada ofensiva terrestre israelense dentro da Faixa de Gaza, que poderá resultar em intensos combates com o Hamas e em terríveis baixas civis. Os especialistas temem que cenas de civis atingidos no fogo cruzado possam desencadear violência entre palestinos na Cisjordânia.
Poderiam também levar o Hezbollah, um partido islâmico e grupo militante com sede no Líbano que – assim como o Hamas – classificado como organização terrorista pelos EUA, a enviar milhares de mísseis contra cidades israelenses, abrindo uma segunda frente na guerra.
O Hezbollah é muito mais poderoso que o Hamas, e Israel avisou que lançaria um contra-ataque destrutivo ao Líbano se o grupo intensificasse os conflitos fronteiriços que já eclodiram entre os dois lados. Um duplo ataque a Israel por parte dos representantes iranianos do Hezbollah e do Hamas também poderia levar a uma retaliação israelense contra a República Islâmica, aumentando os riscos do envolvimento dos EUA para proteger o aliado Israel.
VÍDEO – Arábia Saudita quer botar panos quentes em conflito, avalia especialista à CNN
A missão do Irã nas Nações Unidas alertou, no sábado, nas redes sociais que se os ataques de Israel em Gaza não pararem, “a situação poderá sair do controle e ter consequências de longo alcance”.
Para os Estados Unidos, existe o risco de que um conflito mais amplo possa levar a represálias por grupos terroristas de milícias, apoiadas pelo Irã, contra as tropas restantes no Iraque e na Síria, onde estão envolvidos em missões para combater o Estado Islâmico.
Uma espantosa ofensiva terrestre israelense na Faixa de Gaza também reduziria o espaço diplomático que os principais estados árabes, como a Arábia Saudita e o Egito, têm para acalmar a situação. O príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, por exemplo, pediu a “suspensão imediata do cerco a Gaza” quando se encontrou com Blinken, no domingo, e rejeitou “os ataques a civis, a destruição de infraestruturas críticas e a interrupção de serviços essenciais”.
Com o forte apoio a Israel e repetidos contatos pessoais com Netanyahu após os ataques do Hamas, Biden preparou o terreno para Israel se defender. Mas também criou espaço político para os EUA procurarem restringir os piores impactos do que se espera ser uma operação israelense implacável na Faixa de Gaza e tentarem manter vivos os esforços de paz regional a longo prazo.
Dada a complexidade da situação e o trauma que o ataque terrorista do Hamas criou em Israel, não é certo que as ações de equilíbrio do presidente sejam sustentáveis. Mas ele precisa tentar, já que uma grande guerra no Oriente Médio iria pressionar ainda mais os recursos dos EUA, uma vez que Washington mantém uma ajuda multibilionária para a Ucrânia, e poderia fomentar uma impressão de caos global que poderia prejudicar a candidatura de Biden à reeleição no próximo ano.
O presidente disse na sua entrevista ao programa “60 Minutes” da CBS, no domingo, que os EUA poderiam apoiar tanto Israel quanto Ucrânia, e que não tinham outra escolha senão intervir porque “somos a nação essencial”.
“Somos os Estados Unidos da América, pelo amor de Deus, a nação mais poderosa da história – não do mundo, da história do mundo”, disse Biden. “Podemos cuidar de ambos e ainda manter a nossa defesa internacional geral”, acrescentou: “E se não o fizermos, quem o fará?”
O esforço de Biden para apressar mais ajuda a ambas as nações está complicado pelo caos na Câmara dos Representantes, que está paralisada pelo fracasso do dividido Partido Republicano em eleger um novo presidente.
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O líder da maioria no Senado, Chuck Schumer, postou nas redes sociais no domingo que os EUA tinham que enviar a Israel o apoio necessário para se defender. O democrata de Nova York disse que uma delegação que liderava em Tel Aviv – que também inclui o senador republicano Mitt Romney, de Utah – foi levada às pressas para um abrigo após um alerta de ataque aéreo.
A postagem dele sublinhou o sentimento de mau presságio em Israel que se desenvolve à medida que os palestinos do outro lado da fronteira em Gaza se preparam para ataques ainda mais implacáveis, com centenas de milhares de reservistas israelenses preparados para receber uma ordem de entrar no território.
De volta a Washington, espera-se que o governo ofereça aos senadores um resumo completo e confidencial sobre a situação na quarta-feira.
Com a semana começando, há uma sensação assustadora de que, por pior que seja a situação, está prestes a piorar. O negociador de paz dos EUA no Oriente Médio veterano, Aaron David Miller, disse que a ofensiva israelense ocorreria dentro de alguns dias e seria angustiante, mas expressou a esperança de que o progresso diplomático possa eventualmente emergir.
“Seja 24 horas, 48 horas, seja na próxima semana, o fato é que está chegando”, disse ele. Acrescentou que espera que “tal como muitas crises nesta região que envolvem uma quantidade extraordinária de dor, em grande medida para os civis (…) haja alguma perspectiva de transformar essa quantidade extra de dor em ganho”.