Análise: EUA aguardam resposta de Netanyahu após ultimato de Biden
O presidente Joe Biden colocou sua própria credibilidade e a dos EUA em risco ao tentar mudar a forma como Israel age no conflito em Gaza
O presidente Joe Biden colocou sua própria credibilidade e a dos EUA em risco ao tentar mudar a forma como Israel age no conflito em Gaza.
Agora, ele espera para ver até que ponto o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, cederá à mudança estratégica mais significativa de sua administração desde o início da guerra.
Se Netanyahu se recusar a tomar as medidas “específicas, concretas e mensuráveis” em Gaza para aliviar o sofrimento dos civis e proteger os trabalhadores humanitários – que Biden solicitou na quinta-feira (4), o presidente dos EUA enfrentará uma escolha crítica.
Biden está disposto a prolongar o mau estar e o risco político em um ano de eleição – onde os eleitores jovens, progressistas e árabes estão indignados com a guerra?
Ou será que Biden tomará o importante passo de condicionar os termos do apoio dos EUA a Israel em uma guerra desencadeada pelos ataques terroristas do Hamas que mataram mais de 1.200 pessoas?
Em um primeiro sinal de abalo na aliança, o gabinete de segurança israelense aprovou na quinta-feira (4) a reabertura da passagem de Erez, entre Israel e o norte da Faixa de Gaza – pela primeira vez desde os ataques do Hamas em 7 de outubro, segundo a declaração de uma autoridade israelense à CNN.
A medida pode permitir que a ajuda humanitária flua mais facilmente para Gaza, à medida que a fome se aproxima.
Mas um pivô israelense será necessário nos próximos dias – um que sobreviva a potenciais escaladas na guerra contra o Hamas – para aliviar as críticas a Netanyahu e mitigar a própria exposição política interna de Biden.
A conversa entre Biden e Netanyahu na quinta-feira (4) vem após as mortes de sete trabalhadores humanitários da World Central Kitchen durante um ataque israelense em Gaza. A tragédia pareceu causar mais indignação do que a morte de mais de 30 mil civis palestinos.
Foi um momento importante porque, pela primeira vez, os EUA estão colocando em cheque o apoio incondicional a Israel. Biden alertou que sua política sobre a guerra em Gaza poderia mudar caso não haja uma ação rápida de Netanyahu. Biden também pediu um “cessar-fogo imediato”, disseram autoridades.
“Se não virmos mudanças que precisamos ver, haverá mudanças em nossa política”, disse o secretário de Estado americano, Antony Blinken.
A administração não explicou como a postura dos EUA poderia mudar, embora alguns democratas estejam agora falando abertamente sobre impor limites sobre como as Forças de Defesa de Israel podem usar armas fabricadas pelos Estados Unidos.
Entre eles está o senador de Delaware, Chris Coons, que é próximo ao presidente. O sinal do senador na quinta-feira de que ele estava aberto a condicionar as vendas de armas foi a mais recente declaração pública de um democrata sênior que soou como um aviso a Biden de que sua posição política está se tornando insustentável.
Em Bruxelas, na sexta-feira (5), Blinken pediu uma “investigação independente” sobre o ataque ao comboio de ajuda, dizendo que os EUA queriam “ver o responsável” no caso.
Israel alegou que o exército acreditava que os voluntários eram militantes do Hamas e anunciou na sexta-feira (5) que dois comandantes militares foram demitidos.
Apesar de expressar repetidamente sua frustração com as táticas israelenses, a Casa Branca tem sido relutante ou incapaz de impor qualquer limite ao primeiro-ministro israelense, até o momento.
Uma tentativa de aliviar a tensão política
É clara a necessidade de Biden de demonstrar aos aliados que está impondo pressão sobre os israelenses. Nesta semana, o líder americano se reuniu com um médico palestino para falar da guerra e foi evidente como a comunicação do governo apresentou rapidamente ao público os resultados desse encontro.
Blinken, que estava em Bruxelas, realizou uma coletiva de imprensa, falando aos americanos, bem como aos aliados dos EUA que estavam prontos para repreender Israel pela condução da guerra.
Então, na Casa Branca, o Conselheiro de Comunicações de Segurança Nacional, John Kirby, assumiu o comando da pauta, salientando que os EUA queriam ver mudanças de Israel – incluindo a abertura de mais corredores de ajuda em Gaza e medidas para proteger civis.
Não é de bom tom o governo americano fazer uma chamada com um líder estrangeiro de forma tão pública.
Normalmente, a Casa Branca emite uma declaração oferecendo apenas alguns detalhes da conversa. Desta vez, no entanto, a administração de Biden estava determinada a controlar a narrativa e definiu o que aconteceu antes mesmo de Israel oferecer sua própria versão dos eventos.
https://twitter.com/POTUS/status/1775962929872982130
Biden não apareceu na televisão, mas postou uma foto no X (antigo Twitter) com uma foto do momento da chamada. “Israel deve implementar medidas para lidar com os danos aos civis e a segurança dos trabalhadores humanitários – e trabalhar para um cessar-fogo e trazer reféns para casa”, escreveu o presidente.
Esta diplomacia pública coordenada sublinhou a gravidade de uma mudança dos EUA. Mas também aumentou o custo para Washington se Netanyahu não colaborar.
Leon Panetta, ex-chefe de gabinete da Casa Branca, diretor da CIA e secretário de defesa, disse a Jake Tapper, da CNN, que acredita que o desenho da administração de uma linha com Israel pode ser eficaz e que era importante Biden pedir um cessar-fogo.
“Esta guerra já dura há quase seis meses, e acho que até certo ponto, o presidente Biden e Netanyahu têm falado um com o outro quando se trata de suas preocupações. Acho que isso mudou. Espero que tenha mudado”, disse ele.
O senador Bernie Sanders, que tem falado contra a estratégia de Israel em Gaza, disse que os dólares dos americanos não devem ser “cúmplices” dos crimes de Israel.
“Em resumo, estamos olhando para um dos piores desastres humanitários que vimos em muito, muito tempo”, disse o senador de Vermont a Tapper.
“Na minha opinião, Israel não deveria receber mais um dólar em ajuda militar até que essas políticas sejam fundamentalmente alteradas”, disse Sanders.
“O Hamas começou esta guerra, eles são uma organização terrorista, mas os Estados Unidos não estão financiando o Hamas, estamos financiando Israel. O que tem que ficar claro para Israel é que você pode ir à guerra contra o Hamas, mas você não pode continuar com essas ações horríveis.”
A escolha de Netanyahu
Netanyahu, que está no poder há muito tempo e é um extraordinário sobrevivente político, tem um longo histórico de desafiar a pressão dos EUA – uma das razões pelas quais lidar com ele tem sido tão traiçoeiro para os presidentes americanos.
Não houve resposta imediata do primeiro-ministro israelense, que realizou uma reunião de gabinete após a chamada que ele usou para avisar que Israel vai se defender contra o Irã.
O Irã emitiu avisos de retaliação depois que dois oficiais da Guarda Revolucionária iraniana foram mortos em um ataque em Damasco. O governo iranianiano acusou Israel de estar por trás da ação.
O governo israelense colocou suas forças em estado de alerta máximo. “Nós saberemos como nos defender e agiremos de acordo com o simples princípio de quem nos prejudica ou planeja nos prejudicar, nós os prejudicaremos”, disse Netanyahu.
Enquanto o telefonema com Biden revelou diferenças entre os israelenses e os americanos, o governo americano também fez questão de enfatizar que o apoio dos EUA à segurança de Israel era inviolável.
“Eles falaram sobre uma ameaça real muito pública e muito viável do Irã à segurança de Israel”, disse Kirby. Blinken, enquanto isso, ressaltou que “o presidente Biden reafirmou o forte apoio dos Estados Unidos a Israel em meio a essas ameaças e nosso compromisso com a segurança de Israel.”
As tensões não aumenteram por causa de uma desconexão pessoal entre o primeiro-ministro israelense e Biden. Os dois são políticos veteranos que se conhecem há anos.
Em vez disso, os interesses políticos do presidente – e possivelmente os interesses de segurança nacional dos EUA – estão divergindo com os de Netanyahu.
Biden tem um forte incentivo para o fim da guerra, dada a repercussão política que está enfrentando de dentro de sua frágil coalizão em estados-chave que decidirão as eleições de 2024.
Muitos observadores de Washington acreditam que Netanyahu tem um incentivo para prolongar o conflito, dado que uma eleição é provável quando a intensidade do conflito esfria.
Nesse ponto, o foco também se voltará para a responsabilidade pelo pior ataque terrorista da história israelense moderna e um período que provavelmente será danoso para Netanyahu, que se apresentou aos israelenses como o líder das medidas de segurança.
Uma das características mais notáveis da estratégia de Netanyahu nos últimos meses tem sido sua relutância em pagar até mesmo serviços simbólicos às necessidades dos EUA, dado o preço político que Biden está pagando em troca de seu apoio firme a Israel.
Por um lado, isso não é surpreendente. Para muitos israelenses, o horror dos ataques terroristas de outubro e a depravação de um inimigo que quer eliminá-lo do mapa ofuscaram outras considerações.
Netanyahu, que é um político de direita, também comanda o governo mais conservador da história israelense e é dependente de vários partidos ortodoxos para permanecer no poder.
O primeiro-ministro israelense é um jogador consumado de Washington e tem se envolvido com os inimigos republicanos de Biden no Capitólio, em uma aliança que pode aumentar as complicações políticas para o presidente se ele criar fraturas mais profundas com o primeiro-ministro israelense.
Reforçando a sinergia entre Netanyahu e o Partido Republicano, o presidente da Câmara, Mike Johnson, alertou em um post no X: “Os ultimatos do presidente devem ir para o Hamas, não para Israel.”
Ainda assim, Israel está se tornando cada vez mais isolado internacionalmente, e o apoio dos EUA raramente tem sido tão crítico.
Netanyahu estaria correndo um grande risco se desafiasse abertamente os pedidos públicos de um presidente dos EUA. Uma ofensiva israelense em Rafah, que os EUA advertiram, não deve avançar até que os civis recebam ajuda. Essa operação agora surge como um potencial ponto de ruptura entre os dois líderes.
Se Biden eventualmente avaliar que seus avisos estão caindo em ouvidos surdos, sua credibilidade dependerá de ele impor publicamente um custo ao primeiro-ministro israelense. Fará de coração pesado, dado o seu profundo vínculo emocional com Israel.
Mas os imperativos políticos de Biden e o aumento do preço humanitário da guerra em Gaza significam que ele está se aproximando de uma encruzilhada fatídica. E agora Netanyahu decidirá qual caminho deve tomar.