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    Com Rússia acuada, próximos passos na guerra da Ucrânia são incógnita

    Má gestão do exército russo diminui a ameaça sentida no continente, mas pode gerar "erros de cálculo"

    Nick Paton Walshda CNN

    A guerra da Rússia na Ucrânia provou que quase todas as suposições sobre o conflito estavam erradas. Agora, a Europa se pergunta o que ainda pode acontecer.

    A invasão, que teve início em fevereiro de 2022, conseguiu assustar em todos os sentidos.

    Assustou quem achava que o governo russo não era louco o suficiente para tentar um empreendimento tão massivo e insensato; e assustou quem sentia que os militares russos andariam tranquilos sobre uma terra de 40 milhões de habitantes e mudariam para “operações de limpeza” dentro de dez dias.

    Também espantou quem achava que eles tinham a habilidade técnica e de inteligência para fazer mais do que apenas bombardear aleatoriamente áreas civis com artilharia envelhecida; que os militares do Kremlin tinham evoluído depois de Grozny, na Chechênia, nos anos 1990.

    E, finalmente, deixou atônitos aqueles que sentiam que o golpe de sabre nuclear seria um paradoxo em pleno 2022 – ou seja, que não seria possível ameaçar os outros com armas nucleares, pois a destruição seria completa para todos no planeta. Não foi o que aconteceu.

    Ainda assim, à medida que 2022 ficou para trás, a Europa tem de lidar com um conjunto de incógnitas hoje conhecidas, mas inimagináveis há apenas um ano.

    Recapitulando: uma força militar outrora considerada a terceira mais poderosa do mundo invadiu o país vizinho (e muito menor), que há um ano se destacava principalmente em tecnologia da informação e agricultura.

    A Rússia gastou bilhões de dólares aparentemente modernizando seu aparato bélico, mas soube-se depois que, em grande parte, era tudo uma farsa.

    Descobriu-se que suas cadeias de suprimentos não funcionam a algumas dezenas de quilômetros de suas próprias fronteiras e que a sua avaliação da Ucrânia como desesperada para ser libertada do seu próprio “nazismo” é uma ideia distorcida dos asseclas que alimentaram um presidente (Vladimir Putin), com o que ele queria ouvir no isolamento da pandemia.

    A Rússia também encontrou um Ocidente que, longe de ser dividido e reticente, ficou feliz em enviar algumas de suas munições para a fronteira oriental.

    As autoridades ocidentais também podem ter se surpreendido com o fato de as linhas da Rússia parecerem mudar constantemente, à medida que Moscou percebe o tamanho de sua limitação das opções não nucleares. Nada disso deveria estar acontecendo.

    Sendo assim, o que a Europa tem feito e como tem se preparado com esse cenário?

    A chave é o nível inesperado de união que o Ocidente tem demonstrado.

    Apesar de terem se dividido sobre o Iraque, ficado indecisos sobre a Síria e apenas parcialmente dispostos a gastar os 2% do PIB em segurança que os Estados Unidos exigiram há muito dos membros da Otan, a Europa e os EUA têm cantado em uníssono sobre a Ucrânia. Em algumas ocasiões, o governo dos EUA foi duro.

    Também alguns países autocráticos, como a Hungria, destoaram dos demais, mas a mudança é pela unidade, não a disparidade. É uma surpresa.

    Mas declarações de que a Rússia já perdeu a guerra continuam prematuras.

    Existem variáveis que ainda podem levar a um impasse a seu favor, ou mesmo a uma mudança de rumo.

    A Otan pode perder paciência ou coragem sobre as transferências de armas e procurar conveniência econômica a longo prazo, empurrando para uma paz desfavorável à Ucrânia. Mas isso, neste momento, parece improvável.

    A Rússia está mais forte no lado leste do rio Dnipro, no sul da Ucrânia, e tem a vantagem de que as linhas de frente de Donetsk e Luhansk, no leste, estão mais próximas da sua fronteira.

    No entanto, os seus desafios são imensos: pessoas mal treinadas e recrutadas à força compõem 77 mil de seus homens de linha de frente – e isso é de acordo com a avaliação positiva feita por Putin.

    O país vem lutando por munições e sofrendo com constantes críticas internas e abertas a respeito de sua cadeia de suprimentos de inverno.

    Militares ucranianos preparam ataque na região de Donetsk, na Ucrânia / 31/12/2022 REUTERS/Clodagh Kilcoyne

    A Ucrânia está em território nacional, com moral ainda alta, e as armas ocidentais seguem chegando.

    Desde o colapso das forças de Moscou em torno da cidade de Kharkiv, no nordeste, em setembro (onde suas linhas de suprimentos foram cortadas por uma força ucraniana mais inteligente), a dinâmica vem sendo contra Moscou.

    A perspectiva de uma derrota russa está no quadro mais amplo: o país que não venceu rapidamente contra um adversário inferior.

    Os comentaristas da TV estatal russa falaram sobre a necessidade de “tirar as luvas”, ou seja, meter a mão na massa, depois de Kharkiv — como se eles já não estivessem fazendo isso.

    Depois de ser revelado como um tigre de papel, a força militar russa lutará por décadas para recuperar a aparência de status em pé de igualdade com a Otan.

    Talvez esse seja o maior dano para o Kremlin: os anos de esforço gastos para reconstruir a reputação da Rússia como um inimigo inteligente e assimétrico, com forças convencionais de apoio, evaporaram-se em cerca de seis meses de má gestão.

    A questão da força nuclear ainda permanece, sobretudo porque Putin gosta regularmente de invocá-la. Mas até mesmo essa ameaça russa foi diminuída.

    Em primeiro lugar, a Otan tem enviado sinais inequívocos da devastação convencional que as forças russas iriam sofrer se qualquer forma de dispositivo nuclear for utilizado.

    Em segundo lugar, os aliados da Rússia para os tempos de paz, a Índia e a China, avaliaram rapidamente a sua série de perdas e exortaram publicamente a retórica nuclear de Moscou – e suas mensagens privadas provavelmente foram mais ferozes.

    Finalmente, o governo fica com uma pergunta da qual ninguém quer saber a resposta: se suas cadeias de suprimento de diesel para tanques a 40 quilômetros da fronteira não funcionam, como eles podem ter certeza de que o botão da bomba nuclear funcionará, se Putin for louco o suficiente para apertá-lo?

    Não há maior perigo para o poder nuclear do que revelar que seus mísseis estratégicos e a sua capacidade de retaliação não funcionam.

    Apesar do palpável declínio russo, a Europa pode não continuar sendo acolhedora numa era de maior segurança.

    Os pedidos para uma despesa maior com a defesa são mais frequentes e também mais atendidos, mesmo que venham numa altura em que a Rússia (durante décadas a “questão definidora” da segurança europeia) se mostra menos ameaçadora.

    A Europa está percebendo que não pode depender dos Estados Unidos – e das suas oscilações malucas entre os polos políticos – apenas para a sua segurança.

    Enquanto isso, milhares de ucranianos inocentes morrem na tentativa egoísta e equivocada de Putin para reviver um império czarista. De uma forma mais ampla, o autoritarismo tem sido exposto como um sistema desastroso para travar guerras de escolha.

    No entanto, algo de bom veio do desastre.

    A Europa sabe que deve abandonar imediatamente sua dependência do gás russo, e dos hidrocarbonetos em geral a longo prazo, uma vez que a dependência econômica dos combustíveis fósseis dos ditadores não pode trazer estabilidade a longo prazo.

    Então, como o Ocidente lida com uma Rússia que sofreu essa humilhação colossal na Ucrânia e está lentamente se reduzindo economicamente por causa das sanções?

    Será que uma Rússia fraca é algo a se temer, ou ela é apenas fraca? É um dilema com o qual o Ocidente deve lutar. Mas já não é uma questão tão terrível.

    Por mais de 70 anos, os russos e o Ocidente mantiveram o mundo em suspense por causa do controle de uma destruição mutuamente garantida. Era uma paz baseada no medo.

    Mas o medo dos russos começa a se esvair, e com ele vem o risco de erros de cálculo.

    A situação também revela uma perspectiva menos arrepiante: que a Rússia – como muitas autocracias antes dela – possa estar desaparecendo, minada pela sua própria dependência desajeitada do medo alimentado dentro do país.

    O desafio da Europa agora é lidar com a Rússia em um estado de negação caótico, enquanto se espera que ela evolua para um estado de declínio controlado.

    Um conforto duradouro pode acontecer se, depois de subestimar o potencial de Moscou para a maldade, a Europa exagerar o seu potencial como ameaça.

    Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.

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