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    Análise: 2022 deveria ser o grande ano de Xi Jinping, mas guerra e Covid mudaram planos

    China se recusa a condenar ações da Rússia na Ucrânia

    Presidente da China, Xi Jinping, em Pequim
    Presidente da China, Xi Jinping, em Pequim Reuters

    Simone McCarthyda CNN*

    No ano em que tudo o que Xi Jinping desejava era que as coisas fossem estáveis, 2022 está se tornando tudo menos isso.

    Após anos de preparação cuidadosa, espera-se que o líder chinês assuma um terceiro mandato quase sem precedentes no comando do país e de seu Partido Comunista no segundo semestre deste ano.

    Mas, em vez de tranquilidade, duas crises ameaçam derrubar o “status quo”, uma em casa, com o maior surto de Covid-19 da China em dois anos, e a outra no exterior, enquanto a Rússia embarca, na Ucrânia, em uma invasão brutal e amplamente condenada.

    A guerra ocorre apenas algumas semanas depois que Pequim declarou uma parceria ilimitada com Moscou, colocando os diplomatas da China em desvantagem e pressionando a nação a fazer uma escolha existencial sobre seu futuro papel internacional.

    Embora o caminho de Xi para um terceiro mandato não seja ameaçado por essas crises, ambas precisarão ser navegadas com cuidado, pois o líder de 68 anos conduz o país em direção à sua remodelação de liderança que acontece duas vezes por década, no 20º Congresso do Partido no segundo semestre.

    “Do ponto de vista de Pequim, não há prioridade maior do que a estabilidade antes do Congresso do Partido — como todos sabemos, não é de forma alguma uma eleição, mas isso é o mais próximo que você pode chegar de ver uma ‘temporada de campanha’ na China”, disse Natasha Kassam, diretora do Programa de Opinião Pública e Política Externa do think tank australiano Lowy Institute.

    “Sabemos que a maior parte da oposição a Xi foi eliminada […] mas ainda há a expectativa de atender a necessidades específicas da maioria das pessoas”, disse ela.

    Isso pode ser especialmente verdade para um líder que passou anos consolidando o poder e supervisionou a remoção dos limites constitucionais do mandato presidencial — abrindo caminho para que ele permaneça no topo da elite do processo político que decide, a portas fechadas, quem liderará China no próximo mandato de cinco anos.

    Ao fazer isso, Xi se colocou no centro do partido e do Estado de uma forma nunca vista desde o fundador da China comunista, Mao Zedong, décadas atrás — uma posição a qual permite que não apenas os sucessos do país possam repousar sobre seus ombros, mas também as falhas.

    Amizade complicada

    À medida que tanques, soldados e aviões de combate russos avançavam para a Ucrânia por vários lados no mês passado, segundo alguns observadores, a China pareceu estar jogando junto ou ter sido usada.

    Dias antes da invasão, Pequim continuou a descartar publicamente a informação dos EUA de que um ataque russo à Ucrânia era iminente, apesar de Xi e o presidente russo, Vladimir Putin, assinarem no início daquele mês uma declaração conjunta de 5 mil palavras, que incluía uma expressão da desaprovação compartilhada pelos dois países sobre a expansão da Otan — uma questão que tem sido fundamental para a justificativa de Putin em seu ataque à Ucrânia.

    A importância dessa reunião — a 38ª entre os dois líderes desde 2013 — só foi ressaltada pelo fato de ter sido a primeira cúpula presencial de Xi com outro chefe de Estado em quase dois anos, já que a China manteve um controle rigoroso sobre sua fronteira durante a pandemia de Covid-19.

    Embora as opiniões sejam divergentes sobre o quanto Xi sabia sobre os verdadeiros planos de Putin, à medida que a invasão não provocada da Rússia avança, a posição da China de dizer que respeita as normas internacionais, ao mesmo tempo que não condena a Rússia, está se tornando cada vez mais insustentável.

    “Agora essa (situação) é impossível para a China – ela terá que apoiar as instituições globais ou será contra elas. É isso”, disse Victor Shih, professor da Escola de Política Global e Estratégia da Universidade da Califórnia, em San Diego. “(Para a China, isso se transformou em) uma dor de cabeça diplomática e potencialmente econômica”.

    Esse risco para a China e, consequentemente, para Xi, é duplo: por um lado, se violar uma série de sanções rigorosas impostas pelo Ocidente para dar apoio à Rússia, as empresas chinesas envolvidas podem ser atingidas por sanções secundárias, potencialmente assinando a morte econômica delas no mercado global.

    Porém, mais urgente é o risco de a postura de Pequim afundar as relações entre a China e seus principais parceiros comerciais no Ocidente. Mesmo antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, esses laços estavam sofrendo uma tensão significativa.

    Washington e Pequim estão em desacordo há vários anos sobre questões como comércio, Taiwan e o histórico de direitos humanos da China, além de haver sinais de que a Europa estava se movendo em uma direção semelhante.

    No ano passado, um acordo de investimento muito esperado entre a União Europeia e Pequim estagnou quando as tensões aumentaram devido aos supostos abusos de direitos humanos da China contra grupos minoritários muçulmanos na região ocidental de Xinijang.

    E quando se trata da Ucrânia, já há muita pressão sobre a China para escolher um lado, com autoridades americanas dizendo nesta semana que Moscou pediu ajuda militar a Pequim — uma afirmação que tanto a China quanto a Rússia negam.

    O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Ned Price, disse na segunda-feira que os Estados Unidos estão “observando de perto até que ponto a (República Popular da China) fornece qualquer forma de apoio, seja material, econômico ou financeiro, à Rússia”.

    Na terça-feira, Qin Gang, embaixador da China nos EUA, recuou em “afirmações que a China  conhecia, consentiu ou apoiou tacitamente esta guerra” em um editorial no Washington Post, dizendo, em vez disso, que “se a China soubesse sobre a crise iminente, teríamos tentado o nosso melhor para evitá-la” e que Pequim estava empenhada em trabalhar pela paz.

    Tudo isso pode estar deixando algumas pessoas desconfortáveis na China de Xi. “Certamente existem diferenças de opinião (entre) membros do Partido Comunista e da comunidade empresarial, que estão preocupados com a China estar ligada a um estado pária e preocupados em entrar em conflito com sanções muito dramáticas”, disse Kassam.

    “A relação comercial da China com as democracias do mundo é muito maior do que com a Rússia”, disse ela. O comércio entre a União Europeia e a China superou US$ 800 bilhões no ano passado e o comércio EUA-China foi superior a US$ 750 bilhões, segundo dados oficiais da China, enquanto seu comércio com a Rússia foi de pouco menos de US$ 150 bilhões.

    Um exemplo dessas opiniões divergentes foi mostrado em um comentário publicado na semana passada pelo acadêmico de Xangai Hu Wei, vice-presidente do Centro de Pesquisa de Políticas Públicas do Gabinete do Conselheiro do Conselho de Estado, que alertou que o caminho da China de não condenar Putin poderia levar ao isolamento.

    “Se a China não tomar medidas proativas para responder, encontrará mais contenção dos Estados Unidos e do Ocidente”, escreveu Hu em um artigo publicado em chinês e uma tradução em inglês no US-China Perception Monitor, uma publicação da The Carter Center, uma organização sem fins lucrativos com sede nos EUA, que disse que o site do Monitor foi bloqueado na China pouco depois da publicação do artigo.

    “A China deve evitar ficar em cima do muro, desistir de ser neutra e escolher a posição dominante no mundo”, disse Hu.

    Mas, embora essas preocupações possam estar borbulhando sob a superfície, os especialistas continuam céticos de que elas representam uma visão forte ou mesmo dominante no Partido Comunista, dada a aceitação pessoal de Putin por Xi nos últimos anos.

    E afastar-se de Putin seria arriscar questionar Xi. “No curto prazo, (Pequim) não pode mudar sua parceria ‘sem limites’ com a Rússia, porque isso implicará que Xi estava errado ao colocar a China nessa posição difícil em primeiro lugar”, disse Yun Sun, diretora do Programa China no think tank Stimson Center, com sede em Washington.

    “Xi está visando o terceiro mandato, e isso seria uma grande mancha em seu histórico”.

    Vladimir Putin e Xi Jinping
    Vladimir Putin e Xi Jinping / Foto: Mikhail Svetlov/Getty Images

    Crise da Covid-19

    As preocupações iminentes sobre se a economia da China pode ser impactada pela turbulência global desencadeada pela guerra da Rússia, ou quaisquer penalidades de um novo rompimento com os parceiros ocidentais, estão associadas a outro desafio à estabilidade — tanto econômica quanto política — na frente doméstica da China.

    Milhares de novos casos de Covid-19 foram relatados por vários dias no maior surto em cerca de dois anos. É um choque para um país que mantém assiduamente uma postura de “Covid zero” a um grande custo, como fechamento das fronteiras para a maioria dos estrangeiros desde março de 2020, lançamento um sistema de rastreamento digital complexo para cada indivíduo e realização de testes em massa e de lockdowns, mesmo em locais que têm uma quantidade menor de casos detectados.

    Os líderes da China igualaram livremente essa política e seu relativo sucesso no controle da Covid-19 ao que eles afirmam ser a superioridade do sistema chinês sobre o das democracias ocidentais, onde o vírus se espalhou desenfreadamente.

    Essa retórica não apenas se espalhou pela mídia estatal chinesa — onde os horrores da Covid-19 no exterior são vorazmente cobertos — mas também fez parte do próprio caso apresentado por Xi para o mundo sobre por que a China é um líder global exemplar e uma força para o bem.

    Por mais de um ano, analistas sugeriram que a China não relaxaria sua rigorosa política de Covid zero, mesmo quando o resto do mundo se abrisse, até que o Congresso do Partido de 2022 terminasse e Xi concretizasse seu terceiro mandato — como um surto generalizado desafiaria essa imagem cuidadosamente cultivada.

    “A última coisa que os líderes chineses querem é ter um grande surto nacional de Covid-19 que sobrecarregue os hospitais […] e possa contribuir para a instabilidade social e política”, disse

    Yanzhong Huang, membro sênior para a saúde global no Conselho de Relações Exteriores. “A falha do governo em responder efetivamente a tal crise pode se traduzir em uma crise de legitimidade (antes do Congresso do Partido)”, disse ele.

    Mas agora esse risco está ocorrendo em tempo real, à medida que as autoridades de todo o país correm para colocar cidades em lockdown e eliminar casos, sem garantia de que essas medidas serão eficazes contra a variante altamente infecciosa Ômicron.

    Na terça-feira (15), cinco cidades chinesas com mais de 37 milhões de habitantes estavam sob várias formas de lockdown, e as preocupações aumentaram com as consequências econômicas das rigorosas medidas de controle da China.

    Pelo menos uma grande empresa, a fornecedora da Apple, Foxconn, suspendeu as operações em Shenzhen, antes de passar para um sistema de “circuito fechado” onde os funcionários que moram no campus podem trabalhar, já que o centro de tecnologia passou por um lockdown mais leve após registrar 66 casos de Covid-19 no sábado.

    Uma nota feita por analistas do grupo de serviços financeiros Nomura, na sexta-feira, disse que os custos da estratégia de Covid zero da China “aumentarão significativamente à medida que seus benefícios diminuem”, tornando “muito mais difícil para Pequim atingir sua meta de crescimento de ‘cerca de 5,5%’ do PIB para 2022” — um número que já era a menor meta oficial de crescimento do país em três décadas.

    Mas os líderes da China, e Xi, podem estar se preocupando com mais do que as perspectivas macroeconômicas antes do Congresso do Partido, de acordo com Kassam, do Lowy Institute.

    Se mantidos, os lockdowns generalizados podem atingir o bem-estar e os meios de subsistência dos mais vulneráveis economicamente no país, grupos cuja segurança econômica faz parte do foco de compromissos muito bem divulgados de Xi em seus dois primeiros mandatos como presidente.

    Isso pode deixar o governo mais disposto a lançar ferramentas para sustentar a economia este ano do que estava no passado, se a Covid-19 não for controlada rapidamente, disse Kassam.

    “Porque este vai impactar ‘todo mundo’ primeiro […] e se voltarmos a essa ideia de que estamos em ‘temporada de campanha’ — por assim dizer — isso se torna realmente importante”.

    Embora os ventos contrários desses eventos possam ter um impacto em “todo mundo”, na China há um homem que está examinando cuidadosamente a situação e a está controlando.

    À medida que essas duas crises evoluem durante um ano altamente sensível, os especialistas estarão observando atentamente para ver até que ponto Xi se move para recalibrar as posições da China tanto no exterior quanto em casa para garantir que não haja ameaças à sua transição histórica para um terceiro mandato.

    Porque, como o último relatório de trabalho do governo da China — visto como o equivalente chinês do discurso do Estado da União nos EUA — repetidamente deixou claro: Xi Jinping é o “núcleo” da liderança do Partido Comunista. E é da mais alta prioridade “manter a estabilidade social geral para saudar a vitória do 20º Congresso do Partido”.

    Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.

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