Acordo de submarino nuclear divide australianos e irrita China e França; entenda
Medida enfureceu França, pois o país perdeu um acordo de longa data para fornecer submarinos movidos a diesel para a Austrália
Os EUA e o Reino Unido compartilharão tecnologia e experiência com a Austrália para ajudá-la a construir submarinos com propulsão nuclear como parte de um pacto de defesa recém-anunciado entre os três países.
O movimento causou fúria na China e na França, que perdeu um acordo de longa data para fornecer submarinos movidos a diesel para a Austrália.
No entanto, não são apenas os franceses que estão furiosos. Grupos antinucleares na Austrália e muitos cidadãos estão expressando raiva com o acordo, preocupados que ele possa ser um Cavalo de Troia para uma indústria de energia nuclear, à qual o país tem resistido por décadas.
A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, falou pessoalmente com seu homólogo australiano, Scott Morrison, para dizer-lhe que os navios não seriam bem-vindos nas águas de seu país, que é uma zona sem armas nucleares desde 1984.
Seis países (Reino Unido, Estados Unidos, China, Rússia, Índia e França) já têm submarinos movidos a energia nuclear em sua frota, e muitas das principais economias desenvolvidas, incluindo os EUA e o Reino Unido, usam o meio nuclear em sua matriz energética.
Na França, 70% da eletricidade é gerada em usinas nucleares.
Então, por que tanto barulho? Veja por que alguns australianos estão incomodados com este acordo.
Como é produzida a energia nuclear?
A energia nuclear é o segundo maior contribuidor mundial de eletricidade de baixo carbono no mundo, depois da energia hidrelétrica, de acordo com a Agência Internacional de Energia (conhecida pela sigla em inglês IEA). É responsável por cerca de 10% da eletricidade mundial, gerada por pouco mais de 440 reatores de energia.
A energia vem de um processo conhecido como fissão nuclear, que envolve a divisão de átomos de urânio em um reator que aquece água para produzir vapor. Esse vapor é usado para girar turbinas, que por sua vez produzem eletricidade.
O urânio é um metal pesado encontrado em rochas e fundos marinhos e é um elemento poderoso. Uma pelota de urânio enriquecido (aproximadamente do tamanho de uma borracha como aquela usada na outra ponta de um lápis) contém a mesma energia que uma tonelada de carvão ou três barris de petróleo, de acordo com GE Hitachi Nuclear Energy.
Embora o processo em si não gere emissões, geralmente são emitidos gases de efeito estufa durante a mineração de urânio, e o processo de enriquecimento pode ser intensivo em emissão de gases.
A energia nuclear é renovável?
A resposta simples é “não”. A energia produzida pelas usinas nucleares é em si renovável, e o vapor produzido nos reatores nucleares pode ser reciclado e transformado em água para ser usado novamente no processo de fissão nuclear.
Mesmo assim, os materiais usados em sua produção, porém, não são renováveis: o metal é tecnicamente finito. Mas há um argumento de que pode ser usado de forma sustentável: os recursos de urânio em todo o mundo são tão grandes que os especialistas em energia não preveem que se esgotem.
Muitos grupos que se opõem à energia nuclear, no entanto, o fazem por causa da destruição ambiental causada pela mineração de urânio.
Os governos em muitas partes do mundo estão contando com a energia nuclear para ajudar a “descarbonizar” suas economias. O método nuclear é amplamente considerado uma forma eficiente de produzir eletricidade e, dependendo da energia usada para minerar e enriquecer o urânio, pode ser uma fonte de energia com emissões zero.
Além de suas credenciais de baixo carbono, a energia nuclear é considerada como tendo o fator de capacidade mais alto de qualquer fonte de energia, o que significa que as usinas nucleares funcionam na potência máxima por mais tempo do que outros tipos. Nos Estados Unidos, eles funcionam em alta capacidade 92,5% do tempo, segundo dados do governo. Para as termoelétricas (movidas a carvão), a alta capacidade é de cerca de 40% e, para eólica, cerca de 35%.
A energia nuclear pode evitar que milhões de toneladas de emissões entrem na atmosfera a cada ano, em comparação com os combustíveis fósseis.
Parece bom. Então, por que tantos australianos são contra isso?
Não é só a Austrália. Vários países travaram o desenvolvimento da indústria de energia nuclear desde o desastre de Fukushima no Japão em 2011. A usina Fukushima Daiichi perdeu energia após um terremoto e tsunami, o que significou que os sistemas de resfriamento falharam, levando a derretimentos nucleares e explosões de hidrogênio, e enviando radiação nociva para a atmosfera. Partes da cidade permanecem fechadas até hoje.
Foi o pior desastre nuclear desde Chernobyl em 1986, quando um teste que deu errado desencadeou uma explosão e um incêndio, liberando no ar quantidades devastadoras de material radioativo. Trinta e uma pessoas morreram no próprio acidente em Chernobyl, e muitas outras morreram devido aos efeitos da exposição à radiação nos anos seguintes, com algumas estimativas na casa das dezenas de milhares.
O movimento antinuclear da Austrália é ainda mais antigo do que isso, iniciado em uma forte onda de protestos na década de 1970. À época, havia preocupações tanto com os impactos ambientais da mineração de urânio (do qual a Austrália possui enormes reservas) como com os riscos à saúde pública, particularmente entre as comunidades que vivem perto das instalações propostas.
Também existem preocupações sobre como armazenar o lixo nuclear com segurança. Explosões ou vazamentos de resíduos armazenados também podem afetar a saúde humana, embora esses desastres sejam muito menos comuns do que antes.
Em 1977, o Movimento Contra a Mineração de Urânio na Austrália coletou 250 mil assinaturas para uma moratória na extração do metal, embora a energia nuclear não estivesse sendo usada no país. Mas a Austrália ainda extrai o metal hoje e o exporta para gerar energia nuclear em outras partes do mundo.
Há uma pressão política crescente na Austrália vinda de líderes dos liberais (ou seja, o partido conservador da Austrália) para começar a usar a energia nuclear. Sem ela, argumentam alguns, será impossível chegar à emissão líquida zero em 2030. O país resistiu à energia nuclear em grande parte porque tinha reservas abundantes de carvão e gás, mas está sob pressão para diminuir o uso de combustíveis fósseis.
Ao anunciar o novo acordo, o primeiro-ministro Morrison disse que a Austrália não estava procurando desenvolver “capacidade nuclear civil”, que incluiria usinas nucleares. Mas o líder do Partido Verde, Adam Bandt, criticou o acordo em um tuíte por colocar “Chernobyls flutuantes no coração das cidades australianas”, dizendo que isso “torna a Austrália menos segura”.
Bob Brown, um ex-líder dos verdes que fez campanha contra navios de guerra nucleares que entraram na Tasmânia na década de 1980, disse ao jornal “Financial Review” na quinta-feira (16) que o acordo colocou o país mais perto de desenvolver uma indústria de energia nuclear e alertou para uma reação adversa.
“Acho que é muito covarde o que o governo fez”, opinou Brown. “Foi tomada uma decisão sem consultar o povo, sabendo que ele se oporia”.
E a postura da Nova Zelândia?
A Nova Zelândia é um dos poucos países desenvolvidos que não tem nenhum reator nuclear. Também possui uma zona nuclear zero que impede que armas nucleares ou navios nucleares entrem em seu território.
Em setembro de 1978, o governo da Nova Zelândia lançou uma Comissão Real de investigação sobre energia nuclear, e foi decidido que o país usaria seus próprios recursos para produzir eletricidade, ao invés de implantar usinas nucleares.
A energia hidrelétrica (que aproveita a energia do movimento da água) agora fornece 80% da energia do país, e investir em usinas nucleares ainda não é considerado rentável. O custo inicial de construção de instalações de energia nuclear é extremamente alto, de acordo com a World Nuclear Association.
No entanto, o principal motivo da oposição da Nova Zelândia à energia nuclear é, assim como na Austrália, a opinião pública e as preocupações com a segurança e o descarte de lixo nuclear.
A postura antinuclear da Nova Zelândia se aplica à energia nuclear, embarcações movidas a energia nuclear e armas nucleares.
Angela Dewan, da CNN, contribuiu para esta reportagem.
(Texto traduzido e adaptado. Clique aqui para ler o original em inglês).