Vítimas dos nazistas, vítimas do Hamas
Rabino da Congregação Israelita Paulista (CIP), doutor em Filosofia Judaica pela USP, reitor da Academia Judaica e representante da Confederação Israelita do Brasil (Conib) para o Diálogo Interreligioso
Neste ano o 27 de janeiro, decretado pela ONU como Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, coincidirá com os três meses e três semanas desde o recente 7 de outubro, data do pior massacre de judeus desde o Holocausto.
Os nazistas, assim como o Hamas, declararam abertamente a mesma intenção: exterminar os judeus. Difícil determinar quem foi mais cruel.
Entretanto, a natural tendência à identificação e compaixão para com as vítimas só se verificou no pós-holocausto, mas não após o fatídico 7/10. E isso especialmente nas esquerdas.
A ONU, criada no fim da Segunda Guerra Mundial, rapidamente adotou o termo genocídio para assinalar sua unicidade do Holocausto. A mesma ONU, dois anos após o fim do Holocausto, votou e aprovou a partilha da Palestina, o que finalmente permitiria a criação de um estado para os judeus palestinos (assim como os palestinos árabes já haviam criado 25 anos antes a Jordânia e agora teriam mais uma parcela de terra para criar um segundo estado árabe na antiga Palestina romana).
Todavia, após o último 7 de outubro, a mesma ONU não reconheceu o Hamas como grupo terrorista, nem suas ações como genocídio. Seu braço feminino demorou quase dois meses para denunciar as atrocidades feminicidas e a Unicef não emitiu até hoje qualquer comunicado sobre o massacre de bebês e crianças judias. O que pode ter operado para gerar tamanha indiferença?
Seguindo o percurso da identificação com o fraco, uma possibilidade é o fato de que a vítima dos nazistas continuou fraca, enquanto que os israelenses, embora vítimas também, se defenderam e defendem com muita mais capacidade bélica que seus algozes terroristas.
Outra possibilidade é o fato de os terroristas pertencerem ao povo árabe palestino da Faixa de Gaza, que vive na pobreza e na fraqueza desde que em 1947 rejeitou a criação de seu Estado Nacional, no território atribuído a ele pela ONU, e não desenvolveu sua economia até hoje.
Será que o fato de o Hamas ser palestino e os palestinos serem mais fracos que Israel tergiversou os valores e ofuscou as éticas? Acaso o fraco tem o direito a qualquer crueldade? O pobre é imune à justiça? O sofrimento sofrido isenta o sofredor de toda responsabilidade ética? Quem for reconhecido como vítima poderia se vingar sem limites de quem ele mesmo determinar como algoz?
Segundo a tradição bíblica, tanto os fracos como os poderosos podem estar igualmente errados e precisam ser responsabilizados (Lv 19:15). O Hamas não deixa de ser terrorista apenas por ser palestino e sua desumanidade não pode receber qualquer desculpa nem silêncio cúmplice. As crianças israelenses queimadas vivas, os bebês israelenses degolados, os idosos israelenses assassinados em suas camas, as adolescentes israelenses estupradas não deixam de ser vítimas — que merecem todo o apoio dos defensores dos Direitos Humano — pelo fato de Israel ter um exército poderoso e ser governada neste momento por uma coalizão de direita, democraticamente eleita.
De todo modo, o direito dos judeus a existir e ter um estado soberano na sua terra ancestral não pode depender de seu nível de fraqueza ou de ser mais ou menos vítima.
Neste 27 de janeiro, homenagearemos mais uma vez as seis milhões de vidas assassinadas no Holocausto e as 1.300 assassinadas no 7 de outubro passado. Todas pela mesma razão: por serem judeus. Todas com a mesma intenção declarada – por Hitler na Alemanha, e por Khaled Meshal do Hamas no Qatar – de aniquilar o povo judeu.
Lembraremos também das vítimas inocentes do lado palestino, como fazemos todos os dias, mesmo sem garantias de reciprocidade. Pediremos mais uma vez a libertação dos 136 ainda sequestrados. Diremos NÃO ao antissemitismo e rezaremos pelo resgate da santidade da vida (Dt 30:19). De todos.
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