Vamos renascer das cinzas
No momento em que as queimadas devoram florestas e plantações de Norte a Sul do país, incendiando casas, fechando aeroportos e afetando a saúde de milhares de pessoas, a urgência do problema pede que cuidemos de apagar o fogo.
Mas, assim que tenhamos feito essa verdadeira travessia do inferno, o Brasil precisa se dar conta de que é preciso estruturar as condições para fazer renascer das cinzas da destruição o nosso patrimônio natural.
Ninguém questiona o fato de que o país precisa investir em sua infraestrutura de pontes e estradas, fundamentais para o escoamento da produção e a mobilidade das pessoas. O mesmo não acontece com as nossas florestas, uma infraestrutura natural, que, ao produzir água, por exemplo, fornece o insumo indispensável para a nossa agricultura e o abastecimento da população.
Os efeitos da tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul no primeiro semestre do ano foram amplificados pela ausência da vegetação, que poderia ter refreado a fúria das águas, que arrastou não só as lavouras como a terra onde estavam plantadas. Onde havia solo, só restou pedra, inviabilizando o retorno imediato da produção.
Uma mostra desse tratamento completamente diferenciado é o nosso descaso com a meta assumida no âmbito do Acordo do Clima de Paris, em 2015, quando nos comprometemos a restaurar 12 milhões de hectares de florestas que desmatamos, até o ano de 2030. De lá para cá, efetivamente plantamos menos de 100 mil hectares.
Esse resultado pífio não é de se estranhar diante da quase inexistência dos insumos básicos para dar conta da tarefa. Para restaurar 12 milhões de hectares, o país precisa plantar 10 bilhões de mudas.
Nossos viveiros – em que pese o esforço heroico dos seus proprietários, que atuam sem o apoio público, sem acesso a linhas de crédito bilionárias do Plano Safra – conseguem produzir 100 milhões de mudas anualmente. Nessa batida, se nada for feito, vamos precisar de 100 anos para cumprir a meta assumida em Paris.
É preciso, então, que sejam mobilizados os recursos públicos e privados para que o país produza 1 bilhão de mudas anuais, para que possamos dar conta de plantar o que prometemos nos próximos 10 anos. Na loucura em que anda o clima, não podemos esperar mais do que isso, porque, parafraseando o economista Keynes, é bem possível que no “longo prazo estaremos todos mortos”.
Isso só vai acontecer se o presidente Lula der um chacoalhão em seu governo para fazê-lo entender que diante da gravidade e da urgência das mudanças climáticas é preciso operar em escala e velocidade industrial, muito diferente da lentidão com que são tomadas as decisões em Brasília.
Tal esforço seria recompensado não só pelo maior preparo para lidarmos com as secas e enchentes extremas, que vieram para ficar e atormentar o dia a dia da população, mas pelos resultados econômicos dos investimentos na restauração. Intensivo no uso de mão de obra, o plantio de 12 milhões de hectares de florestas criará 5 milhões de empregos, beneficiando a população que mais precisa.
Diante de tanta queimada e destruição é preciso, como canta Martinho da Vila, “renascer das cinzas e plantar de novo o arvoredo”. Antes que seja tarde demais.
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