Sonhos Elétricos vs. Realidades do Comércio: A Urgente Necessidade de Integração Econômica no Futuro da Energia Limpa das Américas
A crise climática não bate mais à porta; ela a derrubou, exigindo ações urgentes. Na vanguarda da luta contra esse perigo existencial, os veículos elétricos (VEs) despontam como figuras centrais. Os Estados Unidos sabem disso, assim como sua indústria automobilística, que está acelerando para se despedir do motor de combustão interna. A revolução verde tem uma sede por minerais como cobre e lítio. Em teoria, isso não deveria tirar o sono dos norte-americanos, uma vez que nações vizinhas na América Latina possuem verdadeiras “minas de ouro” desses minerais.
Quando a Secretária do Tesouro Janet Yellen falou nas reuniões da Parceria das Américas para a Prosperidade Econômica (APEP) em Washington esta semana, ela sublinhou a necessidade de direcionar investimentos de “friendshoring” para a América Latina. No entanto, é importante notar que a integração da América Latina nas cadeias de suprimentos globais não será espontânea, mas sim por meio de investimentos deliberados e estratégicos em infraestrutura e capital humano.
A Lei de Redução da Inflação promulgada no último ano (IRA, na sigla em inglês) serviu de catalisador para a jornada em direção à energia sustentável, desencadeando um aumento significativo nos investimentos domésticos em energia limpa. No entanto, há um problema — um que poderia inadvertidamente frear a adoção de veículos elétricos. As disposições da IRA são seletivas; elas estendem créditos fiscais para veículos elétricos condicionados ao uso de materiais obtidos domesticamente ou de países que têm um acordo de livre comércio com os Estados Unidos. Tal requisito legislativo impõe um entrave, especialmente para potenciais exportadores de recursos minerais, como Brasil e Argentina.
Na Argentina, investidores de longo prazo veem seus esforços frutificarem no noroeste do país, onde o boom do lítio impulsionou as exportações para além de US$ 416 milhões no primeiro semestre do ano. Enquanto os EUA buscam solidificar suas cadeias de suprimentos de minerais essenciais, são principalmente investidores da Ásia-Pacífico, notadamente da China e do Japão, que estão capitalizando sobre o “ouro branco” argentino.
No Brasil, o foco se volta para o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, que concentra 85% das reservas de lítio do país. No início do ano, o governador mineiro Romeu Zema promoveu o “Vale do Lítio” na Nasdaq, em Nova York, atraindo olhares de investidores globais para as mineradoras operantes na área. Minas Gerais, depois de implantar uma política de privatizações, busca atrair investimentos e reconhece o potencial crescente de suas reservas diante da sanção do Projeto de Lei Combustível do Futuro, que mira na descarbonização da matriz energética brasileira e transformação do setor de transportes.
As empresas americanas de mineração e de carros elétricos já estão sentindo o efeito das restrições impostas pelo IRA. A mineradora Livent, com operações na Argentina, e a montadora General Motors, com quem possui um acordo de longo prazo com para produzir baterias elétricas. Ambas estão sem acesso aos incentivos que o IRA promete, dada a ausência de um acordo de livre comércio com o país de origem da matéria prima. Enquanto isso, reservas abundantes de minerais críticos, enfrentando a exclusão das vantagens oferecidas pela IRA, estão indo para outros lugares. A Sigma Lithium, a primeira produtora de lítio no Brasil, fez parceria com uma empresa chinesa. Com isso, o lítio extraído da mina Gruta do Cirilo, em Minas Gerais, está destinado à exportação para a China.
Existe uma possível solução para os Estados Unidos? Sim. Um precedente foi estabelecido com o Japão — um entendimento sobre minerais críticos que eliminou a necessidade de um acordo de livre comércio integral, permitindo exceções específicas. Por que não adotar um arranjo similar com Brasil e Argentina? Os benefícios de incluir esses países na esfera de influência da energia limpa norte-americana são evidentes, e a questão transcende os minerais, abrangendo a promoção de um ecossistema energético sustentável. Contudo, tal abordagem diplomática alternativa já suscita debates no Congresso dos EUA sobre os limites da autoridade comercial do Executivo, além de esbarrar em sensibilidades brasileiras quanto aos princípios do comércio internacional. Algumas vozes americanas ainda entoam o mantra da autossuficiência, acreditando em um caminho para a independência mineral. Porém, analistas mais pragmáticos contestam essa visão, argumentando que, diante dos padrões de consumo atuais e da crescente demanda por veículos elétricos, tal isolacionismo seria inviável.
Para os americanos, esta não é apenas uma oportunidade perdida; é um erro estratégico, que retarda a transição energética verde em todo o hemisfério e pode resultar na perda de influência em uma indústria vital para o futuro. Uma integração econômica mais profunda poderia ser a chave para enfrentar diversos problemas urgentes dos EUA, incluindo a vulnerabilidade das cadeias suprimentos, a questão migratória, crescente influência da China e o desencanto da população latino-americana com a eficácia da democracia.
À medida que traçamos o curso para um futuro sustentável, precisamos igualar a ambição de nossos objetivos climáticos com o pragmatismo do comércio global e da diplomacia. O tempo mostrará se seremos capazes de sincronizar essas forças ou se continuaremos a ser obstaculizados por políticas descoordenadas.
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