Por que não podemos desistir do acordo União Europeia-Mercosul
Entre os dois lados do Atlântico, os últimos dias foram vivenciados com trepidação na espera da tão aguardada assinatura do acordo de associação entre União Europeia e Mercosul.
Após mais de 20 anos de negociações, a linha de chegada parecia iminente. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva esperava anunciar esse feito durante a COP 28, em Dubai. As circunstâncias não permitiram.
Entretanto, o acordo não está sepultado. E os dois lados não podem desistir.
Trata-se ainda de uma perspectiva irrenunciável nas relações entre os dois maiores blocos comerciais do planeta. Uma evolução econômica e política que poderia alavancar as transações, o desenvolvimento e o bem-estar de 800 milhões de pessoas. E que já obteve a aprovação da quase totalidade dos agentes econômicos e protagonistas políticos dos países envolvidos. Permanecendo apenas uma oposição contida, porém barulhenta, de forças que não percebem como pequenas renúncias pontuais significariam uma expressiva melhora generalizada.
Para a União Europeia, o acordo ainda representa uma oportunidade única. Especialmente em tempos complexos como os atuais.
Após a presidência de Donald Trump, os Estados Unidos aumentaram o seu nível de protecionismo. Algo que não mudou durante o governo de Joe Biden. E que acabou deixando o Mercosul ainda mais interessante para a Europa.
A Ásia, por outro lado, está se tornando mais uma fonte de preocupações do que de possíveis parcerias para empresas e investidores europeus.
Para os mesmos países membros do Mercosul, a dependência comercial de facto com os países asiáticos não é mais uma vantagem, e sim um risco. Qualquer desaceleração econômica, ou, pior, tensão geopolítica impactariam diretamente quantidade e preço das commodities demandadas. Sem considerar a quase ausência de exportação de produtos manufaturados do Mercosul para os mercados asiáticos.
É evidente para qualquer observador que com um contexto internacional como esse, o acordo entre União Europeia e Mercosul é mais do que uma oportunidade. É uma necessidade.
Em tese, o acordo já foi concluído em 2019, após complexas negociações iniciadas ainda nos anos 1990. Favorecido pelo momento histórico e pelos equilíbrios políticos contingentes.
O texto representa uma condição win-win, ou seja, onde ambos os jogadores ganham, em termos de redução de impostos alfandegários. Em alguns setores está previsto zerar imediatamente as alíquotas. Para outros um programa gradual de redução.
Além disso, se criariam padrões internacionais em várias matérias, como certificações e direitos de propriedade intelectual.
O momento é histórico. As novas administrações na Europa, no Brasil e na Argentina são todas propensas a levar adiante esse acordo. Mesmo com governos ideologicamente diferentes em Brasília e Buenos Aires, o consenso geral é para proceder com o acordo. Nem sempre a conjuntura será tão favorável.
As declarações conjuntas entre Lula e o chanceler alemão, Olaf Scholz, em Berlin, durante a recente visita oficial, mostram que as duas maiores economias dos respectivos blocos farão todo o possível, atuando com pragmatismo, para finalizar o acordo. O maior obstáculo, aparentemente, seria o convencimento do presidente francês Emmanuel Macron.
Scholz está razoavelmente confiante que a maioria do Conselho Europeu e do Parlamento acabará se expressando a favor do acordo, após a negociação final e sua assinatura.
Quais então seriam os desafios? Rediscutir muitos pontos e não avançar com o texto atual. Que não obstante as mudanças políticas continua muito válido. Os adversários do acordo não são um país ou outro, mesmo após manifestações de hostilidade. Na França, por exemplo, se os agricultores são contrários, amedrontados pela elevada produtividade dos produtos do Mercosul, as grandes empresas são muito favoráveis, olhando aos intercâmbios tecnológicos e produtivos com o Mercosul.
O Brasil tem um papel fundamental. Está preparando sua entrada na OCDE, sendo cada vez mais pronto para receber investimentos estrangeiros. Por exemplo no quesito sobre proteção das florestas, energias renováveis, avanços sociais e paridade de gênero. Pontos que o governo anterior não considerava com a mesma importância que a Europa e o resto do mundo lhe davam, acabando, dessa forma, por penalizar a inteira economia brasileira.
A prova disso foi a recente emissão de títulos da “dívida sustentável” por parte do Brasil. Um sucesso retumbante. Frente a uma oferta de US$ 2 bilhões, a demanda foi três vezes maior: US$ 6 bilhões. Sinal que o mundo confia no Brasil.
O governo Lula considera uma prioridade a reindustrialização do Brasil, fazendo da manufatura a espinha dorsal da economia nacional. Sem o acordo com a União Europeia – que daria para os bens industriais brasileiros um mercado aberto, sem entraves e com meio bilhão de potenciais clientes de renda elevada – esse projeto é simplesmente impossível.
O novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tem a ambição de mobilizar um trilhão de reais. Sem capitais externos o risco é que acabe como os dois programas anteriores: sem sair do papel.
E raciocínios como esses poderiam ser realizados no desenvolvimento infraestrutural, inclusão social e digital e regeneração urbana.
Por último, a segurança e a transição energética. O Brasil pode se tornar líder mundial nesse âmbito. O governo Lula quer uma abordagem multinível, gradual, adequada para uma economia emergente. A matriz energética brasileira já é muito verde. Mas é necessário reduzir o peso do hidrelétrico em favor de outras energias renováveis. Melhorar as redes de transmissão e distribuição. Investir em novas fontes de geração. E as empresas europeias são líderes nesse âmbito.
Por isso, e muito mais, não se pode desistir do acordo. As dificuldades contingentes de uma mudança dessa proporção histórica requerem lideranças corajosas, visionárias e generosas. Mas, além de tudo, resilientes. O destino da União Europeia e do Mercosul é de cooperação. Perseverar é preciso.
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