No mercado de carbono, estamos jogando a água da bacia com a criança junto: a quem interessa o fracasso da agenda verde no século 21?
Recentemente, uma enxurrada de matérias colocando em xeque projetos de carbono tomou as redes. Títulos chamativos e promessas de grandes revelações dominam as manchetes. No entanto, para decifrar o cenário não basta uma leitura dinâmica; é preciso mergulhar através das entrelinhas.
É bom que o mercado de carbono passe por críticas? Definitivamente, sim.
Em qualquer setor, as críticas atuam como uma bússola, apontando onde estamos acertando e onde é preciso recalibrar a rota. Trata-se de diferenciar o “joio” do “trigo”. Neste sentido, quando o microscópio da opinião pública entra em cena, eleva-se a régua de qualidade dos projetos, diferenciando os que atuam com integridade daqueles que flertam com práticas questionáveis, estabelecendo a linha entre o legítimo e o ilegítimo.
É fato incontestável que o Estado falhou, e ainda falha, em sua missão de proteger nossa floresta. E diante desse vácuo de atuação, são os particulares que, independentemente de suas motivações, têm assumido a responsabilidade que a Constituição Federal atribui ao Estado e à toda sociedade: proteger o meio ambiente para futuras gerações.
Todavia, o que começou como uma narrativa construtiva, evoluiu para uma campanha generalizada contra o mercado de carbono como um todo. Rapidamente, críticas inadvertidas ameaçam desmantelar uma das ferramentas mais promissoras para a sustentabilidade no século 21.
Muitas das áreas alvo de matérias, na ausência dos projetos de carbono, estariam à mercê do desmatamento. Em face disso, a indagação se impõe: o que é mais urgente? Exigir dos governantes uma resolução efetiva para a questão fundiária, ou, simplesmente, ceder esses territórios ao garimpo e à devastação ilegal?
As perguntas que deveríamos estar tentando solucionar são: Como podemos estabelecer mecanismos de fiscalização que garantam que os recursos gerados na Amazônia de fato beneficiem suas comunidades? Será que não é o momento de compensar nosso passivo social com a proteção do nosso ativo de biodiversidade?
Durante anos, o foco era quanto se poderia lucrar com as commodities retiradas da floresta. No entanto, com a ascensão do mercado de carbono, as maiores economias do mundo começaram a perceber o real valor da floresta em pé. Nesse contexto, o mercado de carbono não é mero detalhe na agenda ambiental global; ele representa uma verdadeira virada de jogo em diversos níveis.
No front geopolítico, estamos no epicentro de uma reviravolta. Durante décadas, a matriz econômica mundial esteve calcada na hegemonia do petróleo e do carvão – símbolos da era da energia suja. Agora, contudo, esses pilares tradicionais enfrentam uma forte contracorrente à medida que as energias limpas ganham terreno e protagonismo. Modificar essa equação não é apenas uma questão de sustentabilidade; trata-se de uma redefinição profunda das bases do poder e da liderança geopolítica global.
Em termos macroeconômicos, os bastiões tradicionais de valor, como madeira e o supracitado petróleo, veem seu pedestal ameaçado. A moeda de troca do futuro não é apenas tangível, mas também ética. A sustentabilidade não emerge apenas como um conceito chave, mas como o próprio norte que ditará os rumos de uma nova economia no século 21.
No cenário político local, percebemos uma mudança de guarda. Antes, muitos políticos eram eleitos com receitas oriundas de desmatamento ilegal e do garimpo. Espaços que, por décadas, foram dominados pela ausência estatal, agora são alvo de novos players. A onda verde, potencializada pelas redes sociais, está levando ao poder políticos voltados à sustentabilidade. Essa transformação de mindset tem dado espaço para que novas lideranças políticas tenham o desejo e a capacidade de redefinir as regras do jogo.
A obrigatoriedade de aquisição de créditos de carbono lança uma interrogação no ar: Quem se sentiria ameaçado por tal transição e apostaria contra a emergente agenda verde?
Seria o olhar suspeito das instituições filantrópicas? Poderia ser a nova geração sabotando inadvertidamente seu futuro? Ou, mais diretamente, as tradicionais poluidoras, os magnatas do desmatamento ilegal e a facção política financiada pelo garimpo desenfreado?
Em meio ao turbilhão de debates e desvios de foco, uma verdade se impõe: deveríamos estar discutindo como compensar nosso passivo social com nosso ativo de biodiversidade. Contudo, perdidos em polêmicas secundárias, corremos o risco, de descartar a água suja e, sem perceber, perder o que é mais precioso – a criança.
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