Economia vacinada contra a política
Há vinte anos, o então chamado “risco Lula” de uma vitória do candidato do PT nas eleições presidenciais de 2002 levou o dólar a um valor recorde de R$ 8,00, quando se corrige pelo diferencial entre inflação doméstica e internacional. Em contraste, o mercado cambial e a bolsa estão menos sensíveis aos possíveis resultados das
eleições atuais. Mudou Lula ou a economia?
A economia mudou em cinco aspectos relevantes. Primeiro, o cenário internacional tem tido um peso maior sobre as expectativas pela gravidade do choque da pandemia, seguido pela grande desorganização das cadeias produtivas e a eclosão da guerra da Ucrânia.
Segundo, diferentemente das eleições passadas, o Brasil tem hoje um Banco Central independente. Isso retira uma parte da incerteza em relação ao futuro da política econômica. Ao contrário de disputas anteriores, não se especula sobre quem vai conduzir a política monetária.
Terceiro, algumas mudanças institucionais relevantes para a infraestrutura, como as parcerias público-privadas e as concessões, estão razoavelmente consolidadas na jurisprudência. Além disso, marcos setoriais importantes, como o do saneamento ou das ferrovias, têm robustez jurídica. A constitucionalidade da nova lei do saneamento, por exemplo, foi testada, e aprovada, no Supremo Tribunal Federal.
Quarto, diferentemente da maioria das crises passadas e daquilo que ocorre com a Argentina, não há uma crise no balanço de pagamentos com o resto do mundo. Pelo contrário, o Brasil é credor externo líquido, detendo reservas internacionais de cerca de US$ 340 bilhões. Embora como uma economia emergente o Brasil não escape da volatilidade do valor de sua moeda, a forte posição externa, associada ao saldo comercial estrutural do agronegócio, atenua as oscilações do preço do dólar.
Quinto, em contraste com a Colômbia, o Brasil já teve no passado recente maior alternância de poder e nesse processo a sociedade aprendeu que uma mudança no Executivo não significa, necessariamente, uma mudança radical na correlação de forças políticas. Qualquer que seja o resultado das próximas eleições é provável que continue a polarização e um certo equilíbrio na correlação de forças distribuídas nos três poderes da República.
A economia está definitivamente vacinada contra as oscilações da política? Os fatores acima sugerem que sim. Mas os desafios para a política econômica do próximo governo serão gigantescos.
Será necessário encontrar fontes de financiamento consistentes para as despesas com programas sociais e para garantir um mínimo de investimento público necessário para complementar o investimento privado sobretudo na infraestrutura. Isso vai requerer a reconstrução de um regime fiscal capaz de assegurar estabilidade macroeconômica e permitir o crescimento sustentável. Desde logo, será necessário executar o orçamento resolvendo os problemas causados pelo orçamento secreto.
Portanto, uma boa dose de reforço vacinal será necessária logo no início de 2023 para enfrentar a herança maldita do pós-pandemia, independentemente do vencedor da corrida de 2022.
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