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    Ann Lowe: a história da estilista negra por trás do casamento de Jackie Kennedy

    O legado da designer, que fez os vestidos do casamento Kennedy, ressurge em meio à retomada da cultura afro-americana

    Allyssia Alleyne, da CNN

     

    John F. Kennedy e sua esposa Jackie Kennedy em seu casamento

    John F. Kennedy e a esposa Jackie Kennedy em seu casamento
    Foto: Reprodução/Pinterest

    Por volta de 800 convidados viram o vestido na cerimônia de casamento na Igreja St. Mary, em Newport, no estado americano de Rhode Island, e mais 400 o assistiram deslizar na festa na mesma noite. E também os cerca de 3.000 fãs que romperam as barreiras da polícia para testemunhar a chegada de Jacqueline Lee Bouvier em seu casamento com o então senador John Fitzgerald Kennedy.

    Uma foto dos recém-casados foi parar na primeira página do The New York Times no dia 13 de setembro de 1953. Mas a imagem granulada em preto-e-branco, com a noiva ofuscada por seu marido, não faz justiça à saia bufante, às camadas de tafetá de seda, às barras bem feitas e às pequenas flores de cera – uma escolha perfeita para uma mulher que estava entrando na realeza americana.

    O vestido, assim como aqueles usados pelas damas de honra dos Kennedy, fazem parte do trabalho da designer afro-americana Ann Lowe, que morreu em fevereiro de 1981.

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    “Aquele vestido que ela fez para Jackie Kennedy foi muito fotografado. Muitas pessoas o viram e sem dúvidas acabou influenciando o design dos vestidos de noiva e de baile das americanas comuns”, disse Elizabeth Way, curadora assistente no museu FIT. “O fato de que [o vestido] surgiu da criatividade de uma mulher negra mostra como a população negra foi determinante na formação da cultura americana.”

    ‘O segredo mais bem guardado da sociedade’

    Enquanto o vestido deleitava a população americana, o mesmo não pode ser dito sobre a reação da própria noiva. De acordo com a historiadora da moda Kimberly Chrisman-Campbell, que é a autora do livro recém-lançado “The Way We Wed: A Global History of Wedding Fashion” (“A Forma Como Casamos: Uma História Global da Moda Matrimonial”, em tradução livre), Kennedy não era uma entusiasta do vestido que usou para trocar as alianças.

    “Apesar de ser um belo vestido, não é o que ela queria, e na verdade, ela o comparou com um abajur”, explicou Chrisman-Campbell. “Ele foi escolhido por seu futuro sogro, que queria criar um momento de realeza americano e preparou seu filho para ser o herdeiro da dinastia familiar.”

    Naquele ponto, Lowe era uma árbitra estabelecida do estilo da alta sociedade americana, deleitando clientes ricos por todo o país (incluindo a mãe de Jacqueline, Janet Lee Auchincloss, que pediu à Lowe que criasse vestidos de debutante e de casamento para sua filha) com silhuetas de princesa feitas sob medida e ornamentos de alta costura. Anos depois, o jornal The Saturday Evening Post a descreveu como “o segredo mais bem guardado da sociedade” e “exceção não familiar aos muito ricos”.

    Jackie Kennedy e seu vestido de noiva, confeccionado por Ann Lowe
    Jackie Kennedy e seu vestido de noiva, confeccionado por Ann Lowe
    Foto: Reprodução/Pinterest

    Uma esnobe impenitente, Lowe era seletiva sobre seus clientes. Apenas os membros da maior elite eram merecedores de seus esforços – os Rockefellers e os duPonts do mundo, assim como estrelas como Olivia de Havilland, que usou um dos designs florais pintados à mão por Lowe na noite em que venceu o prêmio de melhor atriz no Oscar de 1947.

    “Eu amo minhas roupas e sou particularista sobre quem as usa”, disse Lowe em entrevista à revista Ebony. “Eu não estou interessada em costurar para a ‘sociedade do café’ ou alpinistas sociais. Eu não atendo qualquer Mary ou Sue. Eu costuro para as famílias do Social Register”. O Social Register é uma lista semestral dos Estados Unidos que indexa os membros da alta sociedade americana.

    John e Jackie Kennedy em seu casamento
    John e Jackie Kennedy em seu casamento
    Foto: Reprodução/Pinterest

    Para servir a sua clientela, não havia nada que não faria. Depois de uma inundação em seu estúdio em Manhattan destruir os vestidos das Kennedy apenas dez dias antes da cerimônia, ela e seu time trabalharam dias e noites para assegurar que uma nova coleção estivesse pronta a tempo. Ela nunca mencionou o evento à família e absorveu os custos adicionais por conta própria.

    Excelência herdada

    Ann Lowe, estilista da alta sociedade americana nas décadas de 50 e 60
    Ann Lowe, estilista da alta sociedade americana nas décadas de 50 e 60
    Foto: Reprodução/Pinterest

    Ann Lowe nasceu em Clayton, no estado do Alabama, em 1898. Sua avó, que nasceu submetida à escravidão, e sua mãe, tocavam um negócio de confecção de vestidos para patrões endinheirados, e Lowe aprendeu seus talentos desde a juventude.

    “Ela trabalhava na confecção de vestidos desde que era uma menininha, então ela tinha décadas de experiência no momento em que começou a desenhar esses vestidos de baile, de casamento, de debutante, na década de 1950”, disse Way.

    Aos 16 anos, Lowe passou a comandar os negócios da família após a morte de sua mãe. Ela estudou design em Nova York, segregada de suas colegas brancas (ela se formou em apenas seis meses por conta de suas habilidades excepcionais), antes de montar uma loja na Flórida, onde construiu sua reputação de exclusividade e extravagância. Depois de uma década, ela voltou para Manhattan para fazer o mesmo na Costa Leste dos Estados Unidos.

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    Mas a riqueza extrema dos clientes que ela tanto cuidava não foi o suficiente para sustentar o negócio. Eles rotineiramente a convenciam a baixar seus preços, e ela frequentemente acabava perdendo dinheiro nas comissões. Em 1963, ela declarou falência. Um rumor longevo sugere que os Kennedy podem ter quitado suas dívidas anonimamente. Quando se aposentou, em 1973, estava sem um tostão. 

    “Ela faz o mesmo tipo de trabalho incrível que Mainbocher faz”, disse a colunista de moda Eugenia Sheppard, em referência a Main Rousseau Bocher, contemporâneo de Lowe e primeiro costureiro de luxo dos Estados Unidos. “A diferença é que Mainbocher é um homem de negócios além de um designer, e ele cobra o que deve, para se manter na ativa”.

    Redescobrindo um legado na moda

    Vestido desenhado e confeccionado por Ann Lowe
    Vestido desenhado e confeccionado por Ann Lowe
    Foto: Alamy

    Desde sua morte, o nome Ann Lowe significou pouco fora do círculo da história da moda. Mas nos anos recentes, houve um crescimento significativo do interesse acerca da designer. Uma biografia e um livro infantil de Ann Lowe foram publicados, e uma novela histórica ficcional, de Piper Huguley, está a caminho. Seus desenhos foram exibidos no Museu Nacional de Cultura e História Afro Americana, como parte de uma exposição da FIT em 2017, chamada “Designers Negros da Moda”.

    A habilidade e sucesso de Lowe em um campo onde as mulheres negras ainda são frequentemente apagadas e excluídas representam uma quebra das narrativas predominantes, não somente sobre a indústria da moda, mas também da história norte-americana.

    “Com todos os movimentos políticos acontecendo agora, que estavam em construção durante o último século, as pessoas estão interessadas na história de artistas e criadores negros em tantas indústrias, é bom saber que [a participação negra na moda] não começou no inicio dos anos 2000”, disse Way. “Designers negros sempre estiveram trabalhando na indústria. Há um legado aqui.”

    (Texto traduzido. Leia o original em inglês.)