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    Gucci, Burberry e mais: marcas de luxo investem alto no mercado de usados e vintage

    Comprar roupas de segunda mão ou de coleções antigas está tão na moda que grandes e tradicionais maisons estão apostando cada vez mais nesse segmento

    Cibele Maciet , Paris

    O número é alto: 40 bilhões de dólares por ano, segundo pesquisa do Boston Consulting Group. E deve crescer ainda mais, de 15 a 20% nos próximos cincos anos. Comprar roupas usadas e vintage está tão na moda que grandes e tradicionais marcas de luxo estão investindo cada vez mais nesse segmento.

    Um movimento que já vem acontecendo há algum tempo, mas que foi impulsionado ainda mais durante a pandemia. Culpa do lockdown ou não, a verdade é que durante a epidemia da Covid-19 as pessoas tiveram tempo de sobra para esvaziar seus armários, e decidir vender tudo pela internet. É o que acredita grandes players digitais como Vinted, Collector Square, e mais recentemente, Imparfaite Paris.

    No Brasil, um levantamento feito pelo Sebrae com base em dados da Receita Federal mostra um crescimento de 48,58% na abertura de estabelecimentos que comercializam produtos desse tipo entre 2020 e 2021.

    Mas esses números já não causam espanto. Com a chegada do coronavírus, a urgência em diminuir o impacto da produção da indústria da moda se intensificou, ainda mais com todas as regulamentações, cobranças e crise gerada pela pandemia no setor.

    “A cadeia produtiva sofreu grandes impactos e a oferta vem mudando, o que transforma o comportamento de consumo. A reutilização de recursos, gerando menos poluição, extração e descarte faz mais sentido do que nunca”, afirma à CNN Brasil Gaia Prado, business partner no Brasil do bureau de pesquisa da tendências francês Peclers.

    “Um segundo ponto é o momento de transformação histórica que estamos vivendo, uma espécie de questionamento da nossa relação com o tempo”, completa Gaia. “É como um desejo de ressignificar o passado – para também repensar o futuro -, o que é novo e velho, junto com um questionamento do calendário tradicional de moda”, diz ela.

    “Tudo isso se traduz na moda em forma de anacronismos (misturas de tempos) que possibilitam experimentações com itens antigos e novos para construir estilos e identidades criativas. Neste contexto, olhar acervos antigos passa a ser tão necessário quanto prazeroso”, resume a expert.

    Ao mesmo tempo, já acontecia no Brasil uma crescente aderência às plataformas de aluguel de roupas antes mesmo da pandemia chegar.

    As novas gerações quebram paradigmas em relação à ‘posse’ em economias compartilhadas, além de estarem dispostos à mudarem velhos hábitos. Esses são ingredientes extras que favorecem o otimismo em relação à essa tendência

    Gaia Prado, da Peclers

    “Nosso mercado tem particularidades, e é sempre importante enfrentar certos preconceitos – de que algo novo é sempre melhor -, com um pouco de informação de moda, mas não vejo um impeditivo cultural algum às roupas de segunda mão no Brasil”, afirma Gaia.

    O papel das grifes no mercado de segunda mão

    O luxo, de olho nessa fatia lucrativa do bolo, não ficou para trás. Na França, o mercado vintage representou em 2020 mais de sete bilhões de euros de faturamento, sendo mais de um bilhão só na moda.

    Segundo estimativas da ThredUp, uma das maiores plataformas americanas de revenda, até 2027 as vendas de roupas usadas devem superar as das grandes marcas de fast fashion e, sobretudo, gerar até 20% da receita de uma empresa de luxo (dados da Bain & Company).

    As maisons de luxo, que antes destruíam as sobras de coleções não vendidas – prática proibida a partir de janeiro de 2022 -, começaram a enxergar ali um grande filão. Muitas grifes agora veem as peças antigas como uma oportunidade imperdível, tanto do ponto de vista ético – para promover a sustentabilidade das suas criações -, como também econômico.

    Stella McCartney, em 2018, e Burberry e Gucci, no final de 2020, foram as primeiras grandes a entrar no mercado de segunda mão fechando parcerias com a The RealReal, loja online de consignação com 17 milhões de usuários, que vem democratizando o luxo de segunda mão há mais de dez anos.

    Pioneira, a Gucci criou a Gucci Vault, site da marca dedicado ao vintage, um sucesso absoluto. Peças icônicas, bolsas dos anos 1950, 1960 ou 1970, objetos para casa, tudo ali é customizado pelos artesãos da equipe interna, e às vezes até personalizados pelo próprio Alessandro Michele, antes de serem numerados e colocados à venda.

    No site Gucci Vault, peças vintage podem ser personalizadas pelo diretor criativo Alessandro Michele/ Reprodução

    O que reforça um outro ponto importante, a exclusividade: uma peça antiga é única, difícil de achar, com cores, tecidos e formas que não estão sendo multiplicados em massa em todos os cantos do mundo. Permite combinações particulares, tem histórias próprias e valor financeiro e emocional.

    Tudo isso faz com que o luxo e o vintage tenham muito espaço para trabalharem juntos em qualquer lugar.

    Até mesmo os marketplaces não ficaram de fora desse contexto. A Farfetch adquiriu a Luxclusif com a ambição de se tornar a maior plataforma de venda de artigos de luxo de segunda mão do mundo. A Kering, por sua vez, comprou parte da Vestiaire Collective, assim como a Enjoei, que adquiriu grande parte das ações da Gringa.

    Sem falar nas plataformas de luxo vintage brasileiras, que aumentam a cada dia: Retry, Etiqueta Única, Roupartilhar e tantas outras. São muitas as oportunidades nesse nicho – e é muito mais do que consciência social ou ecológica. Uma peça de qualidade que dura muitos anos pode voltar para o mercado e gerar lucro seguidas vezes, se a cadeia for bem planejada.

    Upcycling e economia circular

    Já na Europa, uma das maiores lojas de departamento francesas, a Galeries Lafayette inaugurou a Le (Re) Store, espaço permanente no terceiro andar do icônico prédio no 9º arrondissement da capital francesa.

    Verdadeiro laboratório de moda responsável permitindo aos clientes comprar, vender e reciclar seus produtos no mesmo espaço, a unidade integra cerca de dez players representativos de segunda mão, de marcas mais acessíveis a labels de luxo.

    “As vendas de peças de segunda mão e vintage estão em pleno auge, e vejo isso diretamente no comportamento de nossos clientes. São muitas as vantagens de consumir esse tipo de produto: os preços são competitivos, há uma grande possibilidade de pesquisar moda através da singularidade das peças e da criatividade de cada uma delas, e, acima de tudo, participar da consciência ambiental”, explica Alix Morabito, diretora de trade marketing e projetos especiais das Galeries Lafayette.

    “Hoje, graças a esse novo segmento, atendemos às expectativas dos consumidores agregando produtos usados e novos no mesmo espaço. Um dado interessante é que metade dos clientes de produtos usados e reciclados são novos clientes da Galeries Lafayette”, conta Alix.

    Segundo a diretora, é interessante também observar o movimento complementar da venda de produtos usados e novos no mesmo espaço. Quem vende peças de segunda mão poderá comprar novas peças de luxo, e quem compra peças novas pode pensar na possibilidade de vendê-las após um certo tempo.

    Na Le (Re) Store, roupas vintage são vendidas com direito a especialistas contando a história da peça / Divulgação

    “Poder conversar com especialistas sobre a história de uma peça de altíssimo valor patrimonial e criativo, fazer perguntas sobre como foi feita ou o material excepcional em que foi confeccionada são elementos decisivos no ato de comprar roupas vintage. O espírito comunitário é muito importante no mundo de segunda mão. E essa é a força de um espaço físico. Pessoalmente, estou muito feliz de poder experimentar peças de diferentes estilos, épocas, designers e universos sem ter que enviá-las de volta pelo correio”, diz Alix.

    Do lado de cá, um bom exemplo de personagem que agita a economia circular há mais de 15 anos é Paula Rondon, uma das fundadoras do B.Luxo, site brasileiro de revenda de peças vintage.

    “Trabalhamos com vintage desde 2006 e vejo cada vez mais pessoas interessadas em consumir esse tipo de peça – sendo de luxo ou não -, e a tendência é crescer com certeza”, conta.

    “Eu não diria que o vintage faz parte da preferência da maioria das brasileiras mas ele deu um grande salto nos últimos anos, principalmente por causa da pandemia”, explica. “As grandes marcas têm resgatado suas origens, trazendo suas heranças para o presente. O momento pede esse resgate, quase como uma forma de aconchego”, continua.

    Vestido de Paula Rondon feito com tecidos dos anos 1970 e 80/ Reprodução/Instagram

    Outro fator que está muito em evidência, segundo Paula, é o upcycling, ou seja, “revisitar os acervos e fazer coisas novas a partir de peças que estavam paradas, criando um novo significado, até porque o vintage está cada vez mais difícil de encontrar”, resume.

    “Acredito que seja uma tendência e que veio para ficar, mas não acho que as grandes grifes vendam mais vintage do que as peças novas, até porque não tem como ter estoque, como acontece com a produção de uma coleção nova”, diz Paula.

    “Perceberam que é importante resgatar o que já existiu, que o produto não é descartável, que temos história, e principalmente, preocupação com a sustentabilidade”, afirma.

    Paula, que estudou na Central Saint Martins de Londres, também criou sua marca homônima em 2019, na qual recupera tecidos antigos na Europa – os mais novos datam dos anos 1980 – para criar silhuetas inspiradas nas eras vitoriana e eduardiana, através de patchworks e upcycling. O resultado são peças únicas. “Tenho garimpado tecidos antigos ao longo de 15 anos de estrada e as criações são sempre inspiradas em fantasias antigas”, finaliza.

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