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    Popó e Whindersson: a busca do boxe brasileiro por um campeão e por visibilidade

    Bons resultados ganham pouco espaço, mas eventos de entretenimento mostram que o esporte ainda tem apelo

    Leandro Silveiracolaboração para a CNN

    No último domingo (30), fãs do youtuber Whindersson Nunes e curiosos vibraram com a aparição dele em cima de um ringue de boxe para uma exibição com o ex-campeão mundial Acelino Popó Freitas.

    O que poucos deles sabiam é que a mais de 8,5 mil quilômetros de Balneário Camboriú (SC), local onde o evento foi realizado, um outro brasileiro havia se aproximado do feito que notabilizou Popó. Com uma vitória em Tulsa, nos Estados Unidos, na noite anterior, Robson Conceição garantiu o direito de tentar, pela segunda vez, ser campeão mundial de boxe.

    O contraponto entre a repercussão da exibição entre Popó e Whindersson e o feito quase despercebido de Robson indicam os desafios no Brasil para um esporte milenar como o boxe.

    Embora bons resultados ganhem pouca visibilidade, a modalidade continua presente no imaginário popular. Por isso, é usada em ações que unem esporte e entretenimento, dentro e fora do país, gerando grande repercussão e receita.

    Principal atração do Fight Music Show, a luta entre Popó e Whindersson teve oito rounds, com o youtuber sendo ovacionado por conseguir resistir de pé diante de um ex-campeão mundial.

    O desempenho, o alcance e as cifras envolvidas já fizeram o comediante aceitar o convite para um outro desafio, agora com Logan Paul, outro youtuber que tem subido aos ringues nos Estados Unidos.

    A realização de novos eventos que misturam entretenimento com o boxe se justifica, pelo sucesso financeiro e alcance de mídia. Embora as bolsas de Popó e Whindersson não tenham sido reveladas, o youtuber chegou a declarar antes da oficialização da luta que eles dividiriam R$ 12 milhões.

    Exibição com Whindersson rendeu prêmio e muitos seguidores nas redes sociais a Popó / Ricardo Franzen/FMS/Divulgação

    O Fight Music Show estima ter vendido 200 mil pacotes de pay-per-view. Mas a transmissão atingiu público ainda maior em função da pirataria – a organização afirma que 190 sites exibiram as disputas de modo clandestino, com um alcance de 500 mil pessoas.

    Para chegar a tanta gente, o Fight Music Show reforçou as opções de entretenimento, muito além do esporte. Assim, ofereceu show de Wesley Safadão, teve Tirulipa como mestre de cerimônias, apresentação de DJs e até duelo de guitarristas. E a presença de nomes do boxe, como Popó e Esquiva Falcão, garantiu a qualidade das exibições.

    “Via no exterior que lutas entre influenciadores às vezes eram ruins. Então peguei lutadores e coloquei contra influenciadores que estão treinando”, conta Mamá Brito, CEO do Fight Music Show, também destacando que o público-alvo da programação foi mais amplo do que de eventos específicos de boxe e MMA.

    “Meu público não é só o fã da luta. É aquele público que quer torcer no fim de semana para um ídolo, ainda que ele seja um cantor”, justifica.

    Um novo público

    Participar de um evento como esse rendeu acesso a um novo público aos boxeadores. Após Whindersson cobrar de seus fãs que acompanhassem mais Popó, o ex-campeão mundial saltou de 600 mil seguidores no Instagram, no último domingo, para mais 3 milhões no início da manhã da última sexta-feira (4), um crescimento meteórico para um ex-boxeador de 46 anos que lutou profissionalmente pela última vez em 2017.

    Essa ampliação do número de fãs demonstra como Popó, considerado o último grande ídolo do boxe brasileiro, conseguiu atingir novos públicos.

    Ao longo da carreira, ele acumulou 41 vitórias, sendo 34 por nocaute, com apenas duas derrotas, tendo sido detentor dos cinturões dos superpenas pela Associação Mundial e pela Organização Mundial de Boxe, na qual também foi campeão dos leves.

    É também o caso de Esquiva Falcão. Medalhista de prata nas Olimpíadas de 2012 e líder do ranking da Federação Internacional de Boxe no peso médio, ele participou do evento em Santa Catarina: enfrentou e nocauteou o ex-BBB Yuri Fernandes.

    Apesar do domínio de Popó, a luta com o Whindersson terminou com um empate / Ricardo Franzen/FMS/Divulgação

    “Nesses eventos, têm que saber dar o show. Você tem que lutar, mas sem machucar o adversário. Controlei round a round, administrei, falava para ele não ficar de guarda baixa. No final, acelerei um pouco o ritmo, ele sentiu e aí finalizei a luta com o golpe na linha da cintura”, relata Esquiva.

    Foi apenas uma exibição para quem almeja o título mundial, mas algo que lhe rendeu reconhecimento imediato nas ruas.

    “Me chamaram para participar e pensei que iria ajudar o boxe. E para a minha imagem seria muito bom. Muitos fãs do Whindersson não conheciam o boxe e o Esquiva. E agora conhecem”, argumenta o medalhista olímpico.

    “Depois da luta, andando no bairro onde moro e no aeroporto, oito de cada dez pessoas me conheciam. Antes, era uma de cada dez”, acrescenta.

    Onde está o boxe brasileiro?

    Essa notoriedade repentina com a presença em um evento é um indicativo claro de que o boxe brasileiro é pouco visto, mesmo com os bons resultados recentes, como as três medalhas olímpicas conquistadas nos Jogos de Tóquio, incluindo o ouro de Hebert Conceição, que decidiu se profissionalizar.

    Em anos recentes, o país também teve campeões mundiais, casos de Patrick Teixeira e Rose Volante.

    Conquistas, porém, que pouco aparecem ou logo são esquecidas. Para profissionais que atuam no boxe, a falta de transmissão das lutas é um dos motivos para isso.

    Depois de uma trajetória no boxe olímpico, Robson Conceição tenta chegar ao título mundial / Comitê Olímpico Brasileiro

    A última vitória de Robson Conceição, sobre o norte-americano Xavier Martinez, lhe garantiu o direito de um desafio pelo título dos superpenas do Conselho Mundial de Boxe. Mas o combate não foi exibido para o Brasil.

    “Não adianta fazer um evento sem uma emissora de televisão para transmitir porque não tem divulgação. Você não mostra o seu boxeador, ele não evolui. E foi por isso que eu fiz as carreiras do Esquiva e do Robson nos Estados Unidos”, diz Sérgio Batarelli, manager de Robson Conceição e Esquiva Falcão.

    Esse cenário, porém, já foi bem diferente, especialmente entre os anos 1980 e o começo dos 2000, quando era comum ver, em TV aberta e com audiência relevante, lutas de Adilson Maguila Rodrigues e de astros internacionais como Mike Tyson e Evander Holyfield.

    Problemas na organização das lutas afastaram as emissoras, segundo Batarelli. “O que estragou naquela época, com tanta gente faturando dinheiro, foi que começou a aparecer muito promotor picareta, até com troca de nomes dos boxeadores, luta armada… Muitas TVs se irritaram e decidiram se afastar”, afirma.

    Além disso, há uma percepção de que Popó foi o último grande ídolo do boxe brasileiro. E que os fãs se acostumaram com os nocautes dele e de ícones como Tyson, algo que não é tão visto entre os principais nomes da atualidade da modalidade no país.

    “O torcedor espera o nocaute como se aguarda o gol no futebol”, compara o jornalista Wilson Baldini Jr., autor do livro “Mike Tyson – Uma Trajetória de Nocautes”.

    Esquiva Falcão (à esquerda) nocateou Yuri Fernandes em luta exibição e lidera ranking profissional no peso médio / Ricardo Franzen/FMS/Divulgação (30/01/2022)

    Há a esperança de que sucessores de Popó em idolatria se consolidem em breve, com a conquista de um novo título mundial, algo que não parece tão distante. A próxima luta de Robson Conceição será por um cinturão. E Esquiva também almeja participar em breve de uma luta para ser campeão mundial.

    “É uma pena que não tenha mais boxe na TV, mas acredito que possa mudar”, diz o experiente Newton Campos, vice-presidente vitalício e honorário do Conselho Mundial de Boxe, também apostando que um novo campeão pode alterar esse cenário.

    “Acho que o Robson tem todas as condições de ser campeão. Ele tem técnica, um estilo que me agrada muito. Ele havia sido roubado, eu mesmo ajudei para que dessem uma nova chance”, afirma em referência à contestada derrota por pontos para o mexicano Oscar Valdéz em setembro de 2021.

    “Parece que o brasileiro só gosta de apoiar o campeão. E as TVs esperam o lutador ser campeão para depois começar a transmitir”, avalia Esquiva.

    Assim, seja pela notoriedade de Whindersson, as memórias sobre Popó ou o surgimento de um futuro campeão mundial, os profissionais do boxe reacenderam, nos últimos dias, a esperança de ver a modalidade conquistando mais espaço.

    “Tenho certeza de que milhares de garotos brincaram e falaram de boxe depois do evento do Whindersson. E isso não tem preço”, afirma Baldini.

    Para ele, o magnetismo da modalidade nunca será ameaçado. “O boxe tem o espírito de superação. O lutador apanha e se recupera. É como um enredo da vida de todos. Não à toa, o boxe é tema de tantos filmes”, diz.

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