Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    Medalha e sorriso de Rayssa contribuem para debate sobre idade no esporte

    Com 13 anos e sete meses, a fadinha, que descobriu o esporte brincando, ganhou sua medalha sem parecer sentir o peso de uma torcida nacional

    Leandro Iamin, colaboração para a CNN

    O que você fazia aos 13 anos? A não ser que seu nome seja Rayssa Leal, certamente disputar uma final olímpica de skate do outro lado do mundo não faz parte da sua resposta. Em Tóquio, nesta segunda-feira (26), Rayssa, a Fadinha, esteve tão longe, em um evento tão grande, com tão pouca idade, para fazer história. 

    Mais precisamente, Rayssa tem 13 anos, 6 meses e 21 dias. Enquanto especialistas analisavam tecnicamente a performance e telespectadores emprestavam o coração para torcer por sua vitória, um outro debate, em volume baixo, pedia atenção no canto da sala: afinal, é idade para ser uma atleta de alto rendimento?

    Não é uma faixa etária completamente discrepante. Ao mesmo tempo em que o skate se desenrolava em Tóquio, caía na piscina, pela prova dos 200m livres, o romeno David Popovici, favorito à medalha com apenas 16 anos. Mesmo na prova de skate a fadinha competiu com atletas de idades semelhantes à dela — a medalhista de ouro, Momiji Nishiya, também tem 13. O esporte, inclusive, já está habituado a lidar com atletas nesta faixa: em 2019, a japonesa Misugu Okamoto foi campeã com os mesmos 13 anos — Rayssa, com 11, foi a vice.

    Foi com 11 anos que Rayssa ingressou na seleção de skate, visando Tóquio 2020 — ela teria 12 anos se as Olimpíadas fossem disputadas em sua data original.  

    Em conversa com a CNN, a professora Katia Rubio, psicóloga especializada no esporte, ampliou o debate. “Eu entendo que há ambientes competitivos anteriores. Quando você considera que as crianças fazem vestibulinho aos 7 anos porque o número de vagas é limitado, e tanto os pais quanto o sistema acham isso normal, por que só é visto como algo danoso quando acontece no esporte?” 

    Pódio do skate street
    Pódio do skate street teve três adolescentes
    Foto: Yuri Hiroshi/Enquadrar/Estadão Conteúdo

    Cultura

    Nadia Comaneci foi a maior ginasta de sua geração e uma das maiores da história. Nascida em novembro de 1961, conseguiu três medalhas de ouro e uma de prata nas Olimpíadas de 1976. Ela tinha 14 anos e oito meses na ocasião. Na década seguinte, a idade mínima para a ginástica mudaria para 16 anos.  

    Rubio lembra: “O ambiente da ginástica, hoje sabemos, é altamente tóxico, com nível de assédio altíssimo. Isso derivava de uma cultura, forte principalmente no leste europeu, onde a competição esportiva era uma metáfora da guerra que não se fazia em campos de batalha”. 

    Pamela Rosa, Rayssa Leal e Leticia Bufoni, do skate brasileiro nas Olimpíadas
    Pamela Rosa, Rayssa Leal e Leticia Bufoni, do skate brasileiro nas Olimpíadas
    Foto: Ben Curtis/AP

    Não parece haver semelhança entre este cenário cultural e o ambiente vivido no skate — ao menos quando olhamos para o sorriso de Rayssa. “Me parece, vendo de longe, que, para a fadinha, a competição é uma grande diversão. Envolve, claro, cobrança por resultado, mas ela ainda parece encarar isso como uma diversão”, conclui a professora.

    Rayssa sorriu e dançou ao longo de toda a prova. Quando errou sua última manobra, começou a chorar ao saber que a medalha de ouro lhe escapara. Um choro breve. Logo estava de novo desfrutando do momento. Ao falar com a imprensa, foi perguntada sobre a idade, e respondeu o que, para ela, parece simples: “é só fazer o que ama e se divertir”

    Cuidados

    Rayssa Leal está amparada, além do treinador, pela mãe, devidamente credenciada e com acesso a dormitório na vila olímpica. Assim como a obrigação de usar capacete, orientação dispensada às adultas, a companhia materna é um cuidado específico considerando a idade da fadinha. 

    Em comparação com outros ambientes competitivos, a lembrança que o skate deixará em sua estreia olímpica é a da leveza e da solidariedade. Competidoras comemorando os acertos das próprias concorrentes e sorrindo mesmo quando as coisas não dão certo foram uma constante. Não pareceu um ambiente de pressão tóxica.  

    Sem companheiras do Brasil na pista, Rayssa contou com o apoio da filipina
    Clima foi de alegria entre as competidoras
    Foto: Wander Roberto/COB/Divulgação

    Como se trata de uma cultura urbana, praticada na maior parte do tempo sem a finalidade de julgamento por notas ou regulamento com limites, é justamente na pré-adolescência que ter um skate encanta e agrega amigos e amigas nas cidades. “E é uma prática que em muitas cidades foi proibida”, lembra Katia Rubio. “Perto da minha casa, por exemplo, instalaram obstáculos para impedir a prática de skate.”

    A prática do skate, acostumada a existir dentro da dinâmica das cidades, e muitas vezes contra os moradores delas, leva para o ambiente competitivo, cercado de interesses múltiplos e comerciais, códigos que o sorriso da fadinha nos ajudam a decifrar. Mas nem tudo é um conto de fadinhas. 

    Com apenas 13 anos, skatista brasileira Rayssa Leal ganhou a prata no skate
    Foto: Ben Curtis/AP

    Histórico

    Na ginástica dos anos 1970, o sucesso de atletas de menos de 15 anos foi seguido da tentativa de produção em massa de competidoras ainda melhores e com ainda menos idade, testando o limite da saúde física e mental em um contexto que já não permitia tanta liberdade — o ponto de partida passava a ser o resultado rápido, não o prazer espontâneo. 

    A crítica mais comum feita sobre a faixa etária do pódio olímpico do skate traz uma preocupação com consequências, mais do que com a foto do momento em si. O recrutamento desordenado de atletas fora do tempo orgânico de maturidade, aliado ao alto rendimento que pouco se preocupa com a saúde física e mental de longo prazo, já existiu em outros esportes e pode jogar contra a modalidade. 

    Aos 13 anos, Rayssa Leal, a Fadinha, conquistou a medalha de prata no skate stre
    Aos 13 anos, Rayssa Leal, a Fadinha, conquistou a medalha de prata no skate street
    Foto: Richard Callis/Fotoarena/Estadão Conteúdo

    Seja como for, a receita do sucesso está dada, e vai além da medalha de prata da brasileira. A primeira imagem pública de Rayssa Leal, desafiando uma pequena escada vestida com uma fantasia azul de fada, sintetiza a forma como se pratica um esporte em determinada idade e contexto. Se mais tarde virar medalha olímpica, melhor ainda. 

    Tópicos