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    Futebol no calor: gramado sintético chega a ser 30°C mais quente que natural

    Segundo especialista, gramado artificial pode ser perigoso para a prática de esporte em meio a altas temperaturas

    Ana Cristina Schwambachda CNN

    A onda de calor que afeta o Brasil há uma semana tem impacto nas mais diversas áreas, inclusive no esporte. O calor extremo pode afetar a saúde de atletas e profissionais das mais diversas modalidades. Maiores pausas para hidratação e mudança no horário de jogos são algumas precauções que devem ser tomadas para evitar problemas de saúde. Mas o cuidado com o equipamento também é muito importante, principalmente com o gramado.

    Os esportes que ocorrem na grama como futebol, rugby, tênis e futebol americano acontecem, em sua maioria, em espaços abertos, com exposição direta ao sol. Nessas condições, é importante prestar maior atenção nos cuidados com o gramado, conforme explica Maristela Kuhn, engenheira agrônoma especializada em gramados esportivos.

    “Os gramados brasileiros são espécies tropicais, bem resistentes ao calor. Claro que o gramado que não tiver irrigação adequada, se for uma irrigação ruim, aí sim, ele não tem como ser usado. Ele vai ficar todo queimado, porque as temperaturas estão muito exageradas”, disse Kuhn em entrevista à CNN Brasil.

    Apesar de necessitar de cuidados especiais nos dias de calor extremo, o gramado natural consegue controlar a temperatura do solo.

    “A célula da folha de grama transpira, ela libera umidade, ele ajuda a baixar a temperatura”, explica a engenheira agrônoma.

    O mesmo não pode ser dito do gramado sintético, principalmente quando se trata de calor extremo. Segundo Maristela Kuhn, as temperaturas no gramado sintético podem chegar a níveis perigosos para a prática de esporte.

    “Uma comparação que a gente pode fazer é a gente estar no centro de uma cidade com asfalto e estar num parque com árvores e com gramado. Você vai medir e a temperatura vai ser muito mais baixa. Existem estudos comparando gramado natural com artificial, na mesma situação, mesmo local, a sol pleno, que [indicam que] o gramado artificial vai ter 20, 30 graus a mais que o gramado natural. Então tem uma diferença muito grande. O gramado sintético é uma estrutura plástica. Aí as temperaturas podem facilmente atingir 80, 90 graus. E queimar o pé dos jogadores, como a gente já viu diversas vezes, pela chuteira mesmo. Cria bolha, queima”, alerta.

    Gramado sintético no Brasil

    O “tapetinho”, como é apelidado por torcedores, passou a fazer parte da realidade do futebol brasileiro, causando grandes discussões sobre impacto no jogo e lesões. Apesar das polêmicas, o gramado sintético está presente em três estádios da Série A do Brasileirão: Allianz Parque (Palmeiras), Ligga Arena (Athletico-PR) e Nilton Santos (Botafogo).

    Para adotar esse tipo de gramado, os clubes precisam ter um certificado de avaliação realizada pela Fifa. Alguns critérios avaliados são o quique e a rolagem da bola, a planicidade, a tração e rotação da chuteira. O parâmetro é o mesmo usado pela Fifa para avaliar gramados europeus.

    Entre as vantagens desse tipo de gramado está a possibilidade do estádio receber grandes eventos sem prejudicar a prática esportiva. Recentemente, Allianz Parque e Nilton Santos receberam mega shows como os da banda Red Hot Chili Peppers, do grupo mexicano RBD e do cantor inglês Roger Waters e esperam nos próximos dias a diva pop Taylor Swift, sem que isso interfira no estado da grama. Frente a isso, Maristela Kuhn apresenta uma forma efetiva de controlar o calor nesse tipo de gramado.

    “Uma maneira que os bons instaladores de gramado sintético fazem é prever uma irrigação no gramado sintético. Mas pra quê irrigar, se é uma estrutura plástica? Justamente pra baixar a temperatura. Então esse cuidado no futebol e em outros esportes que usam pisos sintéticos nesse momento de alta temperatura, tem que ter. Não pode colocar treinamento perto de meio-dia sem prever várias irrigações ao longo do treinamento. Para, molha um pouco para baixar a temperatura, depois de 20 minutos para novamente. Senão os jogadores queimam a pele, queimam o pé.”

    Esse tipo de queimadura já pôde ser vista no Brasil. Em janeiro de 2014, na partida entre São José-RS e Grêmio pelo Campeonato Gaúcho, os jogadores sofreram com as altas temperaturas do gramado sintético do Passo D’areia. Enquanto os termômetros marcavam por volta de 35°C, a temperatura do gramado chegava a 60°C.

    O jeito encontrado foi molhar os pés com água gelada ou mergulhar com chuteira e tudo dentro de baldes de gelo. Mesmo assim, alguns jogadores, como o lateral-direito Tinga, relataram ter ficado com bolhas nos pés após a partida.

    Jogadores do Grêmio molham os pés devido ao calor em janeiro de 2014
    Jogadores do Grêmio molham os pés devido ao calor em janeiro de 2014 / Lucas Uebel/Grêmio FBPA

    Problemas crônicos com gramado

    O gramado sintético apresenta prós e contras. Mas a sua presença no contexto brasileiro se dá depois de décadas de problemas com gramados naturais. Exemplo recente disso é o Maracanã, principal estádio do país, que já recebeu duas finais de Copa do Mundo e a última final da Libertadores.

    Apesar de sua opulência e importância, o Maracanã sofre com a qualidade do gramado. Entre dezembro de 2021 e março de 2022, o estádio passou por uma troca de gramado com custo de R$ 4 milhões, com a promessa de que a qualidade e a resistência aumentariam.

    A administração apostou em um gramado híbrido, misturando grama natural e fibras sintéticas. A ideia era que o campo conseguisse aguentar a grande quantidade de jogos no estádio, que é utilizado por Flamengo e Fluminense.

    Gramado do Maracanã sendo trocado no início de 2022
    Gramado do Maracanã sendo trocado no início de 2022 / Reprodução/Fla TV

    Mas a expectativa não se cumpriu. Em 2023, o estádio precisou passar por pausas para cuidados com o gramado, que estava em condições ruins para jogo. Uma delas, de 18 dias, aconteceu em agosto, depois da partida entre Fluminense e Olimpia pelas quartas de final da Libertadores. Posteriormente, o clube chegou a ser multado em 15 mil dólares pela Conmebol devido às más condições do piso.

    Mesmo com essa pausa, o gramado também precisou de cuidados especiais para a final da Libertadores. Após negociações com Flamengo e CBF, a Conmebol assumiu o estádio de 23 de outubro até o dia da grande final, em 4 de novembro, para melhorar as condições do campo de jogo.

    Apesar do Maracanã ter lugar central na discussão sobre gramados naturais no Brasil, ele está longe de ser o único. Em outubro, por exemplo, jogadores da Seleção Brasileira reclamaram das condições do gramado da Arena Pantanal, palco de Brasil 1 a 1 Venezuela pelas Eliminatórias da Copa. O estádio é casa do Cuiabá e recebe menos jogos por ano do que o Maracanã.

    Uma questão mundial

    As discussões sobre gramado sintético e natural não são exclusivas do Brasil. Nem do futebol. Nos Estados Unidos, a grama sintética é muito usada na NFL e sofreu duras críticas no último ano. Em setembro, depois da lesão do quarterback do New York Jets, Aaron Rodgers, o sindicato dos jogadores pediu a troca de todos os estádios para grama natural.

    Alguns jogadores de futebol também se recusam a jogar em estádios de grama sintética. O principal deles é o craque Lionel Messi. Desde que assinou com o Inter Miami e passou a jogar a MLS, o argentino não atuou em gramados artificiais. No Brasil, o mesmo acontece com Luis Suárez, que tem problemas no joelho e evita, por recomendação médica, atuar em grama sintética.

    Um dos argumentos utilizados por Lloyd Howell, diretor executivo do sindicato de jogadores da NFL que pediu a troca para grama natural, foi a exigência da Fifa para que todos os gramados sejam naturais na Copa do Mundo de 2026, que terá como sede México, Canadá e Estados Unidos.

    Estádio Mercedes-Benz, em Atlanta, nos EUA
    Estádio Mercedes-Benz, em Atlanta, nos EUA, tem teto retrátil / Divulgação/Instagram @mercedesbenzstadium

    Alguns estádios, porém, não teriam como manter a grama natural por um longo período devido à sua arquitetura. Um exemplo disso é o Estádio Mercedes-Benz, casa do Atlanta Falcons, da NFL, que tem cobertura retrátil. Mesmo com o teto totalmente aberto, existem partes do gramado que não são atingidas pela luz natural.

    “Nos Estados Unidos, tem vários campos de gramado sintético que são totalmente fechados e são mantidos refrigerados ao longo do ano inteiro. Isso é uma tendência para dar conforto ao torcedor na hora da partida e também ao jogador em temperaturas extremas. Mas aí, quando você fecha o estádio, você é obrigado a manter o gramado sintético, porque a grama natural não sobrevive”, explica a engenheira agrônoma Maristela Kuhn.

    Possíveis soluções

    O Catar precisou encontrar uma solução para que pudesse sediar a Copa do Mundo de 2022. Para utilizar grama natural, o país empregou tecnologias que já vinham sendo aprimoradas. Usou, por exemplo, uma espécie brasileira de grama, que é mais resistente ao calor. Além disso, essa grama recebeu tratamento especial, como irrigação com água do mar dessalinizada e climatização com ar gelado sendo soprado diretamente no gramado.

    Ou seja, quando se trata de calor, existem soluções para os dois tipos de gramado. Seja climatizar totalmente arenas com gramado sintético para amenizar a quentura do solo. Ou refrigerar artificialmente o gramado natural para que aguente o calor e não sofra danos que impeçam a prática esportiva.

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    Apesar das opções, a realidade brasileira parece estar longe do ideal. Enquanto isso, o jeito para a onda de calor atual é adotar soluções mais simples, como conclui a agrônoma Maristela Kuhn.

    “O que eu vejo no Brasil, que as condições de infraestrutura são menores, é, nesse momento de temperatura extrema, conseguir trocar os horários das partidas, os horários de treinamento praqueles campos que têm iluminação artificial e conseguir fazer à noite. Ou de manhã cedo. Porque aí você não vai ter esse problema do piso extremamente quente.”

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