‘Esporte é para todas as pessoas’, diz 1ª atleta trans a competir nas Olimpíadas
Laurel Hubbard, da Nova Zelândia, disputou Jogos de Tóquio na categoria superpesada feminina do halterofilismo; entenda as controvérsias relacionadas ao tema
O Comitê Olímpico Internacional (COI) mostrou que “o esporte é algo para todas as pessoas, é inclusivo, acessível”, disse, nesta segunda-feira (2), Laurel Hubbard, da Nova Zelândia, a primeira mulher abertamente transgênero a competir nas Olimpíadas.
Ela também agradeceu a Federação Internacional de Halterofilismo. “Eles têm sido extraordinariamente solidários. Acho que também mostraram que o levantamento de peso é uma atividade aberta a todas as pessoas do mundo”, disse ela, após disputar a categoria superpesada feminina (acima de 87 kg).
Hubbard, de 43 anos, é elegível para competir nas Olimpíadas desde 2015, quando o COI emitiu novas diretrizes permitindo a qualquer atleta transgênero competir como mulher, desde que seus níveis de testosterona estejam abaixo de 10 nanomoles por litro de sangue por pelo menos 12 meses antes de sua primeira competição.
Ela disse que não está “totalmente ciente” da polêmica em torno de sua participação nos Jogos.
Por que a participação causa polêmica?
A participação de Hubbard serviu de base para um acirrado debate global sobre se as mulheres trans devem ter permissão para competir em eventos esportivos femininos e, neste caso, sob quais regras.
Defensores dos direitos trans dizem que excluir atletas trans é discriminatório e aumentará o preconceito contra as pessoas trans em geral. Já os críticos dizem que os atletas trans têm uma vantagem física injusta nas competições femininas.
Também em Tóquio, a jogadora canadense de futebol Quinn se tornou a primeira atleta trans e não binária – não se identifica como homem nem mulher – a garantir uma medalha em Jogos Olímpicos.
Isso porque sua seleção derrotou os EUA e se classificou para a final do torneio de futebol feminino das Olimpíadas, contra a Suécia. Assim, mesmo que as canadenses sejam derrotadas na partida marcada para sexta-feira (6), às 23h (horário de Brasília), ela sairá do Japão com a medalha de prata no peito.
O debate do esporte trans está no centro de uma guerra cultural nos Estados Unidos entre conservadores e apoiadores do presidente Joe Biden, que pedem uma maior inclusão das pessoas LGBTQIA+.
Por que a controvérsia ganhou destaque?
À medida que mais pessoas se assumem trans, a participação de mulheres trans no esporte feminino tem sido cada vez mais questionada, inclusive por estrelas do esporte conhecidas, como a campeã de tênis Martina Navratilova.
Hubbard, que será a levantadora mais velha nos Jogos, aos 43 anos, competiu em torneios de levantamento de peso masculino antes da transição, em 2013.
Dois anos depois, ela se tornou elegível para competir nas Olimpíadas em eventos femininos de acordo com as diretrizes do Comitê Olímpico Internacional (COI).
O COI atualmente aconselha os órgãos esportivos a permitirem que atletas trans disputem eventos femininos se seus níveis de testosterona permanecerem abaixo de um certo limite por pelo menos um ano. Homens trans não enfrentam restrições.
Com os jogos de Tóquio destacando os atletas trans, o COI disse na semana passada que revisaria os dados científicos para determinar uma nova estrutura para que as federações internacionais estabeleçam regras para competições em seus esportes individuais.
Richard Budgett, diretor médico e científico do COI, disse que o desafio era garantir a inclusão e, ao mesmo tempo, manter a justiça no esporte.
O que dizem as outras autoridades esportivas?
Em todo o mundo, as autoridades esportivas também tentam definir suas regras sobre a participação de atletas trans.
A World Rugby decidiu no ano passado que as mulheres trans não podem competir na elite e no rugby feminino internacional, citando questões de segurança e justiça.
Nos Estados Unidos, a National Collegiate Athletic Association (NCAA), que administra esportes universitários no país, diz que as mulheres trans devem suprimir sua testosterona por pelo menos um ano antes de participar de competições femininas.
Já homens trans não podem competir com mulheres se começarem a tomar testosterona, de acordo com as regras da NCAA.
Em março de 2020, Idaho se tornou o primeiro estado dos EUA a proibir mulheres e meninas trans de participarem de ligas esportivas femininas em escolas e faculdades, embora a lei tenha sido suspensa depois que um tribunal decidiu que era discriminatória.
Este ano, Alabama, Arkansas, Mississippi, Montana, Tennessee, Virgínia Ocidental e Flórida aprovaram leis semelhante e o governador de Dakota do Sul assinou um decreto apoiando a proibição nos esportes – todos esses estados são governados por republicanos.
A lei da Virgínia Ocidental foi suspensa no mês passado por um juiz que a considerou inconstitucional.
O que dizem os cientistas?
A vantagem muscular das mulheres trans cai apenas cerca de 5% após um ano de tratamento supressor de testosterona, de acordo com uma revisão de pesquisas existentes feita pela Universidade de Manchester e pelo Instituto Karolinska da Suécia.
A Universidade Loughborough, da Grã-Bretanha, descobriu que a terapia hormonal reduziu os níveis de hemoglobina das mulheres trans, que afetam a resistência, para igualar o das mulheres não trans em quatro meses.
Mas a força, a massa corporal magra e a área muscular permaneceram maiores após três anos de medicação para bloquear a testosterona.
Tommy Lundberg, co-autor do primeiro estudo, disse que os atletas masculinos ganham 30% de vantagens musculares durante a puberdade, mas não há estudos de adolescentes trans que poderiam tomar bloqueadores da puberdade ou hormônios do sexo cruzado antes do final da puberdade.
O que dizem os ativistas trans?
Ativistas LGBTQIA+ dizem que os projetos de lei esportivos dos EUA e a proibição do World Rugby são discriminatórios e contestam as reivindicações de uma vantagem física.
Chris Mosier, um triatleta e o primeiro homem trans a representar os Estados Unidos internacionalmente, disse que o debate atual é prejudicial para todas as pessoas trans.
“São projetos de lei muito perigosos que tentam servir de porta de entrada para a discriminação em maior escala”, disse ele.
(Com informações de Aleks Klosok e Becky Thompson, da CNN, e de Rachel Savage, da Thomson Reuters Foundation)