Seleção feminina da Espanha disputa a Euro 2022 sem duas de suas melhores jogadoras
Ascensão da seleção nacional espanhola -- de coadjuvante a protagonista em grandes competições na última década -- foi uma das mais notáveis no cenário internacional feminino
A Espanha chegou à Inglaterra para a Euro 2022, apontada por muitos como candidata a vencer o torneio.
A ascensão da seleção nacional — de coadjuvante a protagonista em grandes competições na última década — foi uma das mais notáveis no cenário internacional feminino.
A Euro 2022 deveria mostrar como uma liga nacional florescente, um acordo de pagamento histórico e um sistema juvenil dedicado culminaram na Espanha, que se classificou para o torneio invicta, tornando-se uma força internacional.
Na estreia contra a Finlândia, a Espanha impressionou com uma vitória por 4 a 1, mas o confronto de terça-feira (12), quando La Roja enfrentar a Alemanha no Grupo B, será um teste mais difícil para uma equipe sem duas das melhores jogadoras do mundo.
Na véspera do torneio, a Espanha sofreu seu segundo grande golpe em poucas semanas. Depois que foi anunciado em junho que a artilheira de todos os tempos, Jenni Hermoso, perderia a Euro 2022 com uma lesão no joelho, La Roja recebeu a notícia esmagadora em 5 de julho de que a meio-campista Alexia Putellas havia rompido o ligamento cruzado anterior esquerdo.
É difícil exagerar o quão importante é Putellas para esta equipe: uma artilheira prolífica e uma jogadora com o inteligência para vencer sozinha qualquer jogo.
A Espanha agora terá que tentar competir sem Putellas e Hermoso — em primeiro e segundo, respectivamente, na classificação da Bola de Ouro em 2021.
“É muito forte dizer isso, mas Alexia é tudo”, disse Amalia Fra, especialista em futebol do jornal esportivo espanhol AS, à CNN Sport. “Ela é a equipe inteira, porque é como uma bússola no meio do campo que distribui e move a equipe adversária.”
“Ela faz com que todo o jogo da Roja seja baseado nela, mas não devemos subestimar o resto do time. Temos zagueiras incríveis, Mapi León e Irene Paredes estão entre as melhores do mundo.”
“No meio-campo, Aitana [Bonmatí] e Patri [Guijarro] também estão entre as melhores e seu jogo com as companheiras do Barça, faz a equipe fluir”.
Agora, na ausência de Putellas e Hermoso, caberá a Paredes, León, Bonmatí e Guijarro levar as mulheres espanholas ao seu primeiro grande troféu internacional.
‘Crescimento exponencial’
Antes da Copa do Mundo de 2015 no Canadá, o futebol feminino espanhol era irreconhecível para o padrão que estabelece hoje.
Fra lembrou que as jogadoras precisam viajar centenas de quilômetros todos os dias para treinar, e disse que qualquer forma de plano de nutrição era inexistente.
“Foi depois da Copa do Mundo de 2015, que foi a primeira vez que a Espanha se classificou para a Copa do Mundo, quando a Espanha realmente começou a se comprometer com o futebol feminino e as jogadoras começaram a ser profissionais”, disse Fra.
“Elas começaram a receber abonos financeiros, e depois a federação também apostou em criar uma liga mais poderosa e profissionalizá-la, o que diríamos que é algo quase inédito.”
“A partir de então, houve um crescimento exponencial da equipe em termos de físico e recursos, e até pelo fato de as jogadores, como disse o selecionador Jorge Vilda, serem agora profissionais e viverem disto.”
No início de 2020, as jogadoras da primeira divisão feminina fecharam um acordo histórico em toda a liga que garantia a todas as jogadoras de futebol um salário anual.
O salário mínimo da jogadora em tempo integral acordado para uma semana de 40 horas foi de € 16.000 (cerca de R$ 86.000) e para uma semana de meio período de 30 horas € 12.000 (R$ 64.000), com ambos incluindo licença maternidade, pagamento por lesão e férias remuneradas.
O acordo foi o culminar de anos de melhoria gradual, que também incluíram um acordo de televisão e um grande patrocinador principal: a empresa de energia renovável Iberdrola.
Mas o caminho não foi fácil. Em novembro de 2019, depois que suas demandas por um salário mínimo não foram atendidas, as jogadoras boicotaram todos os oito jogos da primeira divisão em um fim de semana, depois que 189 representantes dos 16 clubes da liga votaram a favor da greve.
Com o acordo finalmente garantido, as jogadoras da primeira divisão poderiam começar a dedicar exclusivamente suas vidas profissionais ao futebol.
“Hoje, ainda há muitas jogadoras da seleção espanhola que estudam porque acreditam que sua carreira é muito curta, e o que ganham não é suficiente para viver o resto de suas vidas”, disse Fra.
“Então elas continuam estudando, continuam se educando… mas hoje, uma jogadora de qualquer time da liga pode viver com o que ganha no seu time e com a seleção. Além disso, elas têm um bônus: com os campeonatos europeus, elas ganharão alguns subsídios e direitos de imagem que vão complementar esses salários.”
“A essência do Barça”
As negociações sobre o novo acordo coincidiram com o início da ascensão meteórica do Barcelona ao auge do futebol europeu.
No início de 2019, o Barça se tornou o primeiro time espanhol da história a chegar às semifinais ou à final da Liga dos Campeões Feminina, perdendo por 4 a 1 para o Lyon na final.
Dois anos depois, a Azulgrana finalmente colocaria as mãos no prêmio mais cobiçado do futebol europeu, ao derrotar o Chelsea por 4 a 0 na final para anunciar o que esperava ser uma mudança de poder no futebol europeu.
O Barça chegou à final mais uma vez este ano, onde caiu para o Lyon, e muitas das jogadoras que fizeram parte da ascensão do Barcelona desempenharam um papel fundamental na escalada da seleção espanhola para o recorde de sétimo no ranking mundial.
Certamente, paralelos podem ser traçados com a seleção masculina que dominou o futebol mundial e europeu entre 2008 e 2012, com uma grande quantidade de jogadores do Barcelona conquistador de Pep Guardiola.
Oito jogadoras — eram nove antes da lesão de Putellas — da atual equipe feminina do Barcelona foram convocadas para o elenco de 23 jogadoras para a Euro 2022, e seis foram titulares na partida de abertura da equipe.
Assim como o Barça de Guardiola e a seleção espanhola da época, o estilo desta seleção é fortemente influenciado pelo gigante catalão.
“Barcelona é quem tem a voz cantante”, explicou Fra. “A Espanha joga basicamente o mesmo que o Barça: toque e verticalidade no ataque. Portanto, é uma honra que o Barça tenha dado tanto, porque isso fez a seleção crescer.”
“Os estilos são muito parecidos. Além disso, as jogadoras que pesam na seleção — que são as três meio-campistas Aitana [Bonmatí], Alexia [Putellas] e Patri Guijarro – têm a essência do Barça, são da Academia.”
“As referências delas quando pequenas eram Xavi e [Andrés] Iniesta. Elas admiravam esses jogadores, criaram esse estilo no Barça, jogam assim e são elas que carregam o peso dominante. Basicamente, eu diria que é exatamente o mesmo que o Barça em 2010.”
O estilo de futebol pulsante e de passes do Barcelona levaram recentemente a lenda do clube e o atual treinador masculino Xavi a chamar o time de “inspiração”.
Expectativas de moderação
Vilda assumiu depois que o ex-técnico Ignacio Quereda foi demitido após 27 anos no cargo, depois do desempenho decepcionante da Espanha na Copa do Mundo de 2015 no Canadá.
Foi a primeira vez que a seleção feminina se classificou para uma Copa do Mundo, mas depois de terminar na última posição do grupo, as jogadoras saíram e denunciaram a falta de profissionalismo na configuração.
Desde que não conseguiram chegar à Copa do Mundo de 2011, La Roja se classificou para todos os grandes torneios internacionais e já garantiu seu lugar na Copa do Mundo do próximo ano na Austrália e na Nova Zelândia.
Esse recorde é um forte contraste com os 26 anos anteriores, quando conseguiu se classificar para apenas um grande torneio — a Euro 1997 — entre 1987 e 2013.
Vilda foi nomeado depois de orientar as equipes sub-17 e sub-19 femininas em vários títulos do Campeonato da Europa e muitas das jogadoras que desempenharam um papel fundamental no sucesso dessas equipas são agora peças integrantes da equipe sênior.
Nas eliminatórias para a Euro 2022, a Espanha venceu sete e empatou uma partida, marcando 48 gols e sofrendo apenas um, mas Fra pediu cautela.
“Chegar às semifinais, é claro, seria um sucesso”, disse Fra. “Não podemos perder de vista que a Espanha nunca chegou a uma final, nem mesmo a uma semifinal. Elas não têm essa experiência que outros times têm, como Alemanha, Inglaterra, França, Suécia ou Noruega.
“É verdade que o percurso dessa equipe nos últimos anos fez [os torcedores] acreditarem e convidaram-nos a sonhar, mas Jorge Vilda baixou um pouco o ar de expectativa porque acredita que é negativo que as pessoas cheguem com expectativas altas demais, acreditando em algo que nunca fizemos.”
“Se elas não chegarem às semifinais, não será um fracasso. Um fracasso seria, por exemplo, não passar da fase de grupos. Acho que a Espanha tem essa capacidade e tem que passar. Mas é outra coisa exigirmos que a equipe esteja em Wembley em 31 de julho.”
Sem dúvida, será difícil competir contra alguns dos melhores times do mundo sem suas duas craques, mas esse elenco ainda possui uma infinidade de talentos que muitas equipes não gostarão a perspectiva de enfrentar.