Denúncias contra Rubiales se acumulam e vão além do beijo forçado em Jenni Hermoso
Presidente afastado da Real Federação Espanhola de Futebol é acusado desde abuso de poder a agressão sexual
Enquanto o infame beijo não consentido dado pelo chefe da Real Federação Espanhola de Futebol, Luis Rubiales, ainda repercute, algumas pessoas podem se surpreender com o fato de que a denúncia inicial contra o dirigente não foi feita pela vítima, mas sim por um homem que assistia em casa à final da Copa do Mundo Feminina.
Miguel Ángel Galán acompanhava com orgulho o título da Espanha. Mas viu sua alegria se tornar desgosto quando Rubiales beijou energicamente a meia-atacante, estrela da seleção espanhola, Jenni Hermoso. Em questão de minutos, Galán, diretor do Centro Nacional de Treinamentos de Dirigentes de Futebol, anunciou que estava redigindo uma queixa oficial ao Conselho Superior de Esportes (CSD), órgão esportivo máximo do governo espanhol.
Foi um ato machista e intolerável, de um presidente que está cercado por escândalos de corrupção e sexismo.
Miguel Ángel Galán, em entrevista à CNN
Na Espanha, muitos concordam com Galán. Centenas de pessoas foram às ruas de Madrid na semana passada para protestar contra Rubiales. E jogadoras da seleção feminina espanhola se negaram a voltar a campo até que o dirigente fosse destituído. A própria Hermoso reiterou que não gostou, nem consentiu o comportamento grosseiro dele na decisão do Mundial.
“Me senti vulnerável e vítima de um ato impulsivo, sexista e fora de lugar”, disse a camisa 10 da seleção.
No começo, Rubiales tentou conter o dano gravando um vídeo com um pedido de desculpas pouco entusiasmado. Mas ao ver que a ira pública não diminuiu, tentou se retratar em uma reunião da RFEF, amplamente transmitida, e descartou com veemência a possibilidade de renunciar. Foi aplaudido por uma plateia majoritariamente masculina. Em sua última declaração, Rubiales admitiu que cometeu “alguns erros evidentes”, mas disse estar sendo tratado de maneira injusta.
Desde que Galán apresentou a queixa contra Rubiales, em 20 de agosto, outras 15 novas denúncias foram levadas ao CSD, tanto por parte de organizações como de pessoas, que vão desde acusações de agressão sexual até abuso de poder. A informação é de um porta-voz do órgão espanhol. Rubiales nega sistematicamente ter cometido qualquer irregularidade.
Galán se tornou há algum tempo a nêmesis de Rubiales e da RFEF, e assumiu como missão pessoal denunciar a corrupção na entidade. O dirigente já apresentou mais de 50 denúncias, algumas das quais resultaram na prisão do antigo presidente da RFEF, Ángel María Villar, por corrupção. Villar supervisionou o futebol espanhol durante quase 30 anos. As paredes do escritório de Galán em Madri estão decoradas com as manchetes dos escândalos futebolísticos que ele ajudou a revelar.
O alvoroço gerado pelo beijo é só o começo de uma luta maior, disse Galán à CNN.
“O que realmente precisa ser feito agora são novas eleições limpas na RFEF. Para que as mulheres possam participar na instituição. A partir disso, pode haver finalmente uma regeneração política”.
Na medida em que o escândalo cresceu, até mesmo familiares de Rubiales se voltaram contra ele. O tio e ex-chefe de gabinete do dirigente, Juan Rubiales, declarou ao jornal espanhol “El Mundo” que havia testemunhado o sobrinho usar verba da RFEF para organizar festas privadas e “escapadas românticas”, além de pedir comissões a funcionários do governo saudita no acordo em que o país árabe passou a sediar a Supercopa da Espanha.
Ele é um homem extremamente arrogante, que não atuou como um presidente deveria fazer. Em vez de ser um líder político, quis ser um guerreiro que vê fantasmas e inimigos por todas as partes. No fim das contas, seu pior inimigo era ele mesmo.
Juan Rubiales, tio do presidente da RFEF, em entrevista ao “El Mundo”
A CNN procurou Luis Rubiales e a RFEF sobre as acusações feitas por Juan, mas nenhuma das partes respondeu até o momento.
Antes do caso do beijo, o Ministério Público espanhol já investigava Rubiales por tráfico de influência e suborno, desde o ano passado, segundo documentos do CSD obtidos pela CNN. O dirigente está suspenso provisoriamente pela FIFA.
“É preciso mudar esse modelo”
“A RFEF administrou por muito tempo as lucrativas fortunas do futebol espanhol seguindo pilares tradicionais, muitas vezes até obsoletos. Mas a expansão do futebol feminino no país tem sido um catalisador para mudanças, já que cresce a exigência por igualdade salarial e de direitos, tornando claros alguns problemas estruturais do futebol espanhol”, afirma Beatriz Álvarez, presidenta de LALIGA F, a principal liga feminina do país.
“Isso não se resolve com a renúncia de Rubiales. É necessário um processo de reestruturação absoluta do modelo e do conceito da Federação de Futebol. Acho que há muita gente próxima ao Rubiales que promove esse sistema corrupto… É inaceitável, e mostra que é preciso mudar todo o modelo, não só o presidente”, completa a dirigente.
Álvarez é ex-jogadora e também teve problemas com Rubiales. No ano passado, meses após começar seu trabalho em LALIGA, a dirigente solicitou uma reunião por videoconferência com o presidente da RFEF. Na época, Álvarez ainda amamentava o filho recém-nascido. Rubiales não apenas negou o pedido, como disse à dirigente que ela deveria focar seus esforços em ser uma boa mãe e delegar suas atribuições a alguém que pudesse encontrá-lo pessoalmente. Para Beatriz, o beijo em Jenni Hermoso é só mais um exemplo dessa atitude.
“Não me surpreendeu. É um retrato de quem Luis Rubiales realmente é. A pessoa que alguns de nós já conhecíamos, mas que agora o mundo pode ver”, declarou a dirigente à CNN.
“Acho que é parte da justiça divina que é o futebol feminino, que ele ignorou por toda sua carreira, o que vai acabar tirando este homem da federação”.
(*traduzido por Rafael Serra)