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    Fla busca o tri 40 anos após a morte do técnico que montou o esquadrão de Zico

    Morto precocemente em 1981, Cláudio Coutinho montou o time flamenguista que ganhou todos os títulos possíveis entre as décadas de 1970 e 1980

    Paulo Juniorcolaboração para a CNN

    Uma importante característica do maior Flamengo de todos os tempos foi aperfeiçoada em treinos contra ninguém. Ou melhor, diante de um técnico fingindo ser bola.

    Cláudio Coutinho encarnava a posse de um Vasco ou de um Fluminense e se movia pelo campo enquanto orquestrava o posicionamento de Zico e companhia na marcação. Cada corrida do treinador para o lado oposto, simulando uma virada de jogo, era acompanhada por toda a estrutura defensiva, e bem adiantada, dos flamenguistas.

    Ali surgia a “teia de aranha”. Nos termos de hoje, uma marcação alta, subindo as linhas e com muita atenção e encaixe para a recuperação pós-perda. Em resumo: roubar a bola na frente.

    “A gente procurava já tomar a bola perto do gol adversário. Ele falava para jogar compactado e fazer pressão depois do cara bater o tiro de meta. Às vezes um ia para tomar o drible já sabendo que o outro atrás roubaria a bola. Aquele time acabou sendo copiado por muitos”, conta à CNN o próprio Zico, campeão de tudo naquele final de anos 1970 e início dos 1980.

    Coutinho, porém, nem pôde ver a mais notável vitória daquela equipe que ajudara a criar. Morreu afogado durante a prática de pesca submarina nas Ilhas Carragas, a poucos quilômetros da praia de Ipanema, em 27 de novembro de 1981.

    Há exatos 40 anos e uma temporada após deixar o clube, o treinador voltava ao Rio, de férias, em dias de Flamengo campeão da América e às vésperas da viagem para o Japão, onde o time levaria o título mundial diante do Liverpool.

    Quatro décadas depois, o rubro-negro busca uma nova glória com outro gaúcho, Renato Portaluppi, no comando do time na final da Libertadores da América contra o Palmeiras, em Montevidéu, às 17h deste sábado (27). E no dia desta final, a CNN traz a história de um ídolo de cada clube para falar do futebol vitorioso dos finalistas. (Leia a de Waldemar Fiume, do Palmeiras, aqui)

    De preparador físico na Copa de 1970 a técnico precoce da seleção

    Claudio Pêcego de Moraes Coutinho, nascido em 1939 no interior do Rio Grande do Sul e desde cedo criado no Rio, se formou na Escola de Educação Física do Exército.

    Na década de 1960, teve contato com grandes novidades internacionais. Conheceu Kenneth Cooper, precursor de atividades aeróbicas e nome daquela corridinha tão comum hoje, e até o programa voltado para a preparação dos astronautas da Nasa.

    O alto nível de capacitação daquele jovem que falava vários idiomas o levou a passos largos, e rápidos, dentro do futebol.

    Acabou convidado para integrar a equipe de preparação física da seleção brasileira e aos 31 anos fez parte da comissão que conquistou o tricampeonato mundial no México, em 1970. Uma formação marcada pela combinação do talento de seus craques, mas também por chegar à Copa com o elenco mais bem condicionado do mundo.

    Passou por alguns clubes, inclusive como preparador do Olympique de Marselha, da França, esteve na seleção peruana e se manteve próximo aos quadros da antiga CBD (Confederação Brasileira de Desportos).

    Foi coordenador técnico da seleção na Copa de 1974 e, quando o cargo de treinador da equipe olímpica ficou vago com a saída de Zizinho, sobrou para ele, Coutinho, uma figura com muito conhecimento e sem nenhuma experiência como técnico de fato, assumir o time às vésperas dos Jogos de Montreal, em 1976.

    A campanha foi até razoável, de quarto lugar, e o suficiente para Coutinho virar técnico do Flamengo até receber o comando da seleção principal para o grande desafio de sua carreira.

    Era o início das eliminatórias — um empate com a Colômbia derrubou Oswaldo Brandão — e a novidade de 38 anos se tornou o comandante da amarelinha rumo à Copa do Mundo de 1978.

    Pressão na Copa do Mundo da Argentina

    “Ele era um treinador à frente do seu tempo. Mas não chegou a ser o melhor técnico do país. Acho que ele seria. Ele tinha uma capacidade de entendimento entre técnica e físico muito avançada”, afirma à CNN o jornalista Paulo Vinicius Coelho, o PVC, autor de “Escola Brasileira de Futebol”, livro que passa por algumas das ideias de Coutinho.

    Rubens Minelli era a bola da vez, tricampeão brasileiro com Internacional (1975-1976) e São Paulo (1977), porém a passagem em 1970 e a formação no Exército pesaram para a decisão do almirante Heleno Nunes, presidente da CBD. Eram tempos de ditadura, e a nova comissão mantinha tudo entre militares.

    Coutinho não era uma unanimidade. Um novato com ares de mudança, um profissional pretensioso, idealista, soava como arrogante para alguns.

    Primeiro, a ausência de Falcão, craque do Inter e melhor jogador do país em 1978, foi bastante criticada. Depois, os dois empates decepcionantes no início do Mundial, contra Suécia e Espanha, colocaram o trabalho em xeque.

    Coutinho não estava preparado para dirigir tão jovem a seleção em uma Copa, mas tirou lições e se tornou um grande técnico, diz Zico / CNN Brasil (26.nov.2021)

    “Apesar de você”, estampava a capa da revista “Placar” com a foto do treinador, aliviada com a recuperação da equipe a partir da terceira rodada.

    Foi nesse jogo que a liderança do comandante foi pelo ralo. O presidente da CBD reivindicou publicamente mudanças no time, e elas foram atendidas. “Heleno exige Roberto e Mendonça” era a capa de “O Globo” três dias antes de Brasil x Áustria. Dito e feito.

    “Ele não estava preparado ainda para pegar a seleção. E o que tirou um pouco do trabalho dele foi ter aceitado as influências do Heleno Nunes, que foi para a imprensa dizer quem tinha de entrar. Com isso você perde moral diante do grupo”, lembra Zico, um dos sacados junto de Reinaldo, Nelinho e Edinho.

    No fim, a equipe melhorou e terminou a Copa do Mundo invicta, ganhando o terceiro lugar diante da Itália e lançando a alcunha de “campeões morais”.

    Não fosse o controverso 6 a 0 da Argentina sobre o Peru, jogo que levantou suspeitas e foi ao longo do tempo ganhando evidências de um possível arranjo para o placar necessário ao time da casa, o Brasil chegaria à final do Mundial.

    “Claro que havia influência militar na CBD, que aliás estava no fim [em 1979 é fundada a CBF e toma posse o presidente João Figueiredo, o último do período militar]. Mas às vezes as coisas se misturam um pouco. Acontece de um dirigente fazer pressão por mudanças no time, isso existe também em outros contextos. Acho que ele ficou falando, tinha voz para isso, e o Coutinho cedeu, aceitou. Mas se Zico não se machucasse e Reinaldo tivesse arrebentando, ele não mudaria”, completa PVC.

    O grande Flamengo

    Coutinho se manteve como técnico da seleção e reassumiu o Flamengo, quando viveu a melhor fase como treinador. Foi tricampeão carioca e campeão brasileiro com o clube do coração, mas uma derrota no meio desse caminho, um 4 a 1 para o Palmeiras de Telê Santana no final de 1979, impactou a hierarquia dos técnicos.

    Coincidentemente, o mesmo jogo, agora, revive a força de impactar o tamanho dos treinadores. O português Abel Ferreira, na segunda final seguida de Libertadores, pode se intrometer definitivamente no topo de uma escala de grandeza palmeirense que, no passado recente, se viu congelada em Luiz Felipe Scolari e Vanderlei Luxemburgo entre idas e vindas nas últimas três décadas.

    Já Renato Gaúcho, recém-chegado ao Flamengo, tenta se provar para voltar à rota de sucessão na seleção brasileira com a provável saída de Tite após o Mundial do ano que vem.

    À época, Telê deixou o Maracanã como escolha certa para assumir o Brasil. Virou o técnico em 1980 e foi o comandante de uma equipe icônica, apesar de derrotada na Copa seguinte, em 1982.

    “No início, o Coutinho estava muito preocupado como a parte tática, muito empolgado com a Holanda de 1974, e os atletas estavam esquecendo a parte da criatividade, da iniciativa. Depois ele melhorou muito, se tornou um grande treinador. Usou a Copa [de 1978] como aprendizado e deu início ao grande time [do Flamengo]. Temos um grande agradecimento a ele, pela ajuda no nosso desenvolvimento técnico, tático e físico”, aponta Zico.

    Claudio Coutinho assumiu a seleção brasileira principal em 1977 e ficou até 1979. Em parte desse período, ele também dirigiu o Flamengo. Na imagem, o técnico durante um treinamento da seleção no Maracanã, em 1979 / Estadão Conteúdo

    Campeão brasileiro em 1980, Coutinho viveu um momento de desgaste e resolveu passar uma temporada no Los Angeles Aztecs, nos Estados Unidos. O Flamengo foi dirigido por Dino Sani e depois por Paulo César Carpegiani, seu jogador até pouco antes e que assumia para levar a Libertadores e o Mundial.

    “Coutinho é fundamental para o Flamengo virar o que virou”, conta Dudu Monsanto, jornalista autor de “1981 – O Ano Rubro-Negro”, que virou também podcast para celebrar os 40 anos das conquistas.

    “E não parou de acompanhar o Flamengo, tinha uma relação de trocar ideias com o Carpegiani e já estava preparando terreno para um dia voltar”, acrescenta.

    O legado de Cláudio Coutinho

    Cláudio Coutinho, morto aos 42 anos, deixa uma biografia de várias faces. É o arquiteto de um Flamengo histórico. É um técnico militar em tempos de ditadura e presença do regime no futebol.

    É o teórico que tentou popularizar uma nova linguagem para se discutir futebol. Ele chamava a ultrapassagem do lateral para receber um passe no fundo do campo de overlapping e firmou termos como polivalência, hoje tão usado para atletas que atuam em várias posições.

    Paulo Vinicius Coelho reforça que Coutinho não teve tempo de viver o auge de grande nome do país, como em algum momento foram Minelli e Telê. Nem tem o status de vencedor de Copa, claro. Mas que merece, sim, um lugar de destaque na linhagem dos pensadores do futebol do país.

    Se hoje os técnicos falam em alargar a movimentação no campo, ele já pretendia isso ao escalar dois laterais juntos ou tramar a passagem por trás do ponta. A capacidade de recuperar a bola no campo de ataque era uma obsessão, tal qual nos principais times atuais. A análise dos adversários e o detalhamento tático, tão presentes nos últimos tempos, estavam na sua ordem do dia como um persistente estudioso da bola.

    “O Coutinho talvez fosse a melhor fronteira para o Brasil sair do futebol romântico e entrar no futebol moderno”, pontua PVC. “A grande chance chegou muito cedo. Talvez uma Copa em 1986 ou 1990 [se não tivesse morrido cedo] e ele já teria uma vivência maior. Mesmo assim, nunca podemos esquecer que em 1978 o Brasil não jogou um grande futebol, mas houve uma grande sacanagem em Argentina x Peru”, finaliza Dudu Monsanto, lembrando que, por pouco, não falamos hoje de um Coutinho campeão mundial.

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