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    Como a “bola mais famosa do mundo” virou um “presente de Deus” para ex-árbitro

    Bola dos dois gols de Maradona contra a Inglaterra na Copa do Mundo de 1986, agora murcha e desbotada, foi a leilão por cerca de R$ 18 milhões

    George Ramsayda CNN*

    Os dois gols talvez sejam igualmente famosos: o primeiro, lendário por sua audácia e coragem; o segundo, por sua habilidade brilhante e deslumbrante.

    Apenas quatro minutos separaram as duas conclusões memoráveis de Diego Maradona no Estádio Azteca, na Cidade do México, há 36 anos, na Copa do Mundo de 1986. Juntas, elas tipificam quem foi Maradona, gênio imperfeito e amado ícone do futebol.

    “A Mão de Deus” –quando Maradona saltou acima do goleiro da Inglaterra Peter Shilton e socou a bola em direção às redes– precisa de pouca introdução aos torcedores de futebol de qualquer geração. Pouco depois, sua corrida pelo coração da zaga da Inglaterra até concluir foi votada o Gol do Século.

    Não é surpresa, portanto, que a bola da partida daquele dia na Cidade do México (agora murcha e desbotada em vários pontos) tenha sido avaliada para arrecadar até US$ 3,3 milhões (cerca de R$ 18 milhões) em um leilão na quarta-feira (16).

    “Sem dúvida, é a bola de futebol mais famosa do mundo”, disse ao CNN Sport Terry Butcher, que era capitão da Inglaterra na derrota por 2 a 1 contra a Argentina na Copa do Mundo de 1986.

    Estar na presença da bola, como o ex-capitão esteve no Estádio de Wembley, em Londres, antes do leilão, evocou lembranças inquietantes.

    A bola é um lembrete de sua tentativa de convencer o árbitro tunisiano Ali Bin Nasser da invalidade do primeiro gol de Maradona, e de como ele tentou, em vão, parar o segundo gol com uma perna estendida. “É muito estranho estar na mesma sala da bola, é difícil explicar”, acrescentou Butcher. “É bastante surreal em muitos aspectos. É a maior injustiça que o mundo já viu quando se trata de jogos de futebol.”

    A controversa “Mão de Deus”

    No rescaldo de sua morte há dois anos, objetos ligados à vida e à carreira de Maradona arrecadaram enormes somas em leilão.

    Em maio, a camisa que ele usou contra a Inglaterra foi vendida por US$ 9,3 milhões (cerca de R$ 50 milhões) – o que a tornou, na época, a peça de memorabilia esportiva mais cara da história.

    Quanto à bola do jogo, ela atualmente é propriedade do árbitro Nasser, depois que a Fifa declarou que os árbitros conseguiriam ficar com a bola após cada jogo que apitaram na Copa do Mundo de 1986.

    Nasser tem 78 anos e seus dias de arbitragem estão bem distantes. Parte dos lucros da venda – que está sendo supervisionada pela Graham Budd Auctions no Reino Unido – será doada para a caridade. O restante, ele conta, vai “subir um pouco o meu padrão de vida”.

    “É um presente de Deus”, declarou Nasser ao CNN Sport, “porque eu tive uma carreira de 25 anos e tomei todas as decisões que precisavam ser tomadas”. Ao ser questionado sobre o primeiro gol de Maradona, Nasser ficou ansioso para defender suas razões para validar o tento.

    Segundo o árbitro aposentado, as instruções da Fifa para o torneio incluíam contar com as outras autoridades de arbitragem da partida caso elas tivessem uma visão melhor de algum lance duvidoso. Incapaz de ver o que tinha acontecido na disputa aérea entre Maradona e o goleiro Shilton, Nasser pediu a opinião do bandeirinha, o búlgaro Bogdan Dochev.

    “[Dochev] foi até a linha de meio-campo, o que significa que o gol é 100% válido”, lembrou Nasser, acrescentando que ele “aplicou as diretrizes da Fifa em relação ao primeiro gol”.

    Por sua vez, Dochev, que faleceu há cinco anos, disse que achava que havia “algo irregular” no gol, mas afirmou que os protocolos da Fida não permitiam que os assistentes discutissem decisões com o árbitro. As consequências do incidente manchariam sua carreira de arbitragem.

    “Diego Maradona arruinou minha vida”, disse Dochev anos depois para a mídia búlgara. “Ele é um jogador de futebol brilhante, mas um homem pequeno. Ele é baixo em altura e como pessoa também”.

    “Um jogador genial”

    Embora várias bolas sejam usadas ao longo de uma mesma partida nos jogos de hoje, naquela época apenas uma era chutada durante os 90 minutos de partida.

    De acordo com Graham Budd, presidente da casa de leilões da Graham Budd Auctions, a bola de Nasser foi comparada com imagens de jogos e fotografias de alta resolução. Uma auditoria independente também a atestou como original.

    Com a Copa do Mundo começando no Qatar neste domingo (20), o leilão da bola aconteceu em um momento bastante especial.

    Havia esperanças de que a peça se tornasse a bola esportiva mais cara já vendida em leilão, ultrapassando os US$ 3 milhões (cerca de R$ 16 milhões) pagos pela bola de beisebol do 70º home run de Mark Mcgwire em 1999.

    No entanto, depois de receber propostas de vários potenciais compradores, a Graham Budd Auctions disse que as negociações entre o vendedor e as partes interessadas ainda estão em curso, já que a oferta inicial não alcançou o valor da reserva.

    Contexto histórico

    O preço considerável da bola não é apenas derivado da natureza dos dois gols de Maradona.

    A partida foi a primeira vez na qual Inglaterra e Argentina se encontraram em uma arena esportiva desde a Guerra das Malvinas (ou Falklands), quatro anos antes. Muitos dos jogadores tinham –pelo menos do lado da Argentina– amigos ou parentes que haviam sido recrutados para lutar na guerra.

    O pano de fundo criou um senso de drama bem antes que a “Mão de Deus” virasse o centro das atenções.

    “Tínhamos uma energia, um grande desejo de vencer, não só porque era a Inglaterra, mas também para que o nosso país pudesse, de certa forma, ser feliz”, contou Jorge Luis Burruchaga, que depois marcaria o gol vencedor na final da Argentina contra a Alemanha Ocidental. “Estávamos cientes de que não traríamos de volta os mortos da Guerra das Malvinas, mas também que traríamos alguma felicidade.”

    O ex-volante da Inglaterra Peter Reid também reconhece o contexto político do jogo, que ele diz que contribui para o status “único” da bola. “Havia muitos argentinos lá, muita pressão nas duas equipes, e ele [Maradona] lidou muito bem com a pressão”, opinou Reid. “Seja lá o que você diga, ele era um jogador de futebol genial.”

    E quanto ao primeiro gol? “Olha, ele roubou”, acrescentou Reid, “mas ele foi muito inteligente também”.

    Apesar de sua carreira de décadas no futebol como jogador e treinador, Reid diz que ainda é ridicularizado por ter sido driblado por Maradona no caminho do segundo gol –inclusive pelo próprio craque argentino quando os dois se encontraram na Jordânia muitos anos depois.

    Reid conta que, embora a bola tenha ficado com Nasser e a camisa de Maradona com seu antigo companheiro de equipe Steve Hodge, ele acabou com um presente de seu astuto oponente, que chegou em suas mãos décadas depois de terem se enfrentado na Cidade do México.

    “Ele trouxe uma camisa assinada para mim: “Para o meu amigo. Com muito amor, Diego Maradona”, disse Reid. “Eu tenho a camisa na minha parede, é algo que mantenho”.

    * Com colaboração de Martin Goillandeau, da CNN

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