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    Abusos na natação: vítimas vão à justiça contra federação dos EUA

    Técnico brasileiro é citado em dossiê enviado por deputado ao FBI; ele nega as acusações

    José Brito , Da CNN, em São Paulo

    Uma série de processos contra a USA Swimming, o órgão regulador nacional da natação nos Estados Unidos, chega à justiça norte-americana, após uma nova lei assinada pelo governador da Califórnia, Gavin Newsom, em junho do ano passado, que estende o tempo para as vítimas de abusos sexuais registrarem uma ação civil. Essa mudança encorajou ex-nadadores, que se dizem sobreviventes de treinadores-predadores sexuais, a buscarem justiça por acreditarem que a organização esportiva tolera o comportamento criminoso de seus associados.

    Para o advogado de nove ex-nadadoras, Robert Allard, se não retirarem as “maçãs ruins” entre os membros da organização, você não pode seguir em frente para fazer mudanças.

    “Isso remonta pelo menos ao início dos anos 1970. Eu ouço história após história, principalmente de nadadoras. Ouvi três novos casos envolvendo Don King, que molestou várias mulheres, tanto no Havaí quanto na Califórnia, e o padrão é exatamente o mesmo. Você tem predadores tendo acesso às crianças, eles cuidam delas, eles mantêm o fascínio da glória olímpica sobre suas cabeças, eles tocam as crianças progressivamente, eles ganham sua confiança e eventualmente fazem o que eles querem que é molestar crianças”, explica.

    Allard diz que, em 2012, fez um apelo oficialmente por uma reforma legislativa ao Congresso dos EUA, sobre o que ele diz ser “um sistema defeituoso criado pela USA Swimming, que foi projetado para encobrir os treinadores pedófilos”. Como resultado, uma investigação foi feita pelo deputado George Miller e sua equipe sobre os supostos casos de abusos sexuais narrados e que, posteriormente, em julho de 2014, foi encaminhada ao diretor do FBI (Federal Bureau of Investigation), Jim Comey.

    Dentre as denúncias citadas na carta do congressista Miller, há dois incidentes no estado da Flórida, em 2004 e 2012, envolvendo o mesmo técnico: o brasileiro Alexandre de Azambuja Pussieldi, o “Coach” ou “Pussi”, como também é conhecido. O nome dele é citado no rodapé da carta e a informação também foi confirmada por uma pessoa que trabalhou na equipe do deputado. 

    Pussieldi foi nadador, mas teve suas grandes conquistas como técnico de nadadores campeões pela categoria júnior, principalmente, nos estados de Pernambuco e Maranhão, antes de se mudar para os EUA, em 1999, onde viveu por 16 anos.

    De acordo com pesquisa no site do Conselho Federal de Educação Física, Pussieldi possui registro provisionado, ou seja, uma autorização para o exercício profissional de educação física para casos em que não há formação superior completa. Ele é uma das maiores referências profissionais da natação brasileira, chegando a ser nome de troféu em competição organizada pela CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos) e prestando serviço de comentarista da competição que marcou a volta das competições em 2020. 

    A CNN teve acesso ao relatório dos incidentes, os boletins de ocorrência, feitos na Polícia de Fort Lauderdale e Plantation. No dia 13 de fevereiro de 2004, segundo o documento policial, o nadador mexicano Roberto Cabrera Paredes, 20 anos, se recusou a entrar na piscina do complexo aquático Hall of Fame para ser treinado por Pussieldi, então com 39 anos. O jovem mexicano, na época, disse à polícia que o técnico agarrou a toalha em seu pescoço e o tirou da arquibancada e que, após correr para o vestiário, foi agredido por Pussieldi com socos na costela e barriga. 

    Na época, Roberto teve o seu nome preservado no documento policial suplementar, por conta da gravidade das revelações de caráter sexual que fez e que, segundo ele, estariam por trás das agressões que sofreu e da demissão do “Coach”. O mexicano disse à polícia da Flórida que quando morou na casa de Pussieldi com outros atletas, entre 2000 e 2002, descobriu no quarto do técnico uma fita de vídeo em que aparecia Pussieldi tendo relações sexuais com adolescentes. 

    No depoimento, Roberto disse acreditar que o vídeo não tinha sido gravado nos Estados Unidos, porque eles falavam português. O jovem alegou ter encontrado também uma segunda fita com imagens do colega de quarto e dele usando o banheiro e tirando suas roupas para tomar banho. O mexicano alega que foram gravados sem consentimento por microcâmeras escondidas, identificadas em seguida, nas frestas das saídas de ar-condicionado do banheiro e do quarto dos garotos. 

    Pussieldi negou as acusações sobre ter vídeos à CNN. “Abre-se um processo, faz-se uma investigação, existe coleta de depoimento dos atletas que moravam na minha residência, do Cabrera, do Duffy Dillon, do Jack Nelson. Houve todo um processo. Não demorou muito para ser encerrado, naquele ano mesmo, por volta de maio. Preciso destacar algo: Por que eu disse que nunca usei um advogado para esse processo criminal? Porque nunca foi aberto um inquérito, e sim uma investigação. Como as investigações não batiam, não havia corroboração, não havia elementos”.

    Ele afirmou ainda que Cabrera o ataca por questões pessoais. “Roberto Cabrera é uma pessoa que tem alguns problemas e ele era homosexual não assumido na época, ele tinha uma atração por pessoas mais velhas, que depois acabou se configurando. E ele tinha ciúme das pessoas que estavam na casa com relação ao meu relacionamento com essas pessoas. Ele achava, na cabeça dele, que havia uma certa relação, coisa que não existe, mas na cabeça dele existia. Isso inclusive está configurado tanto no depoimento da polícia, quanto no depoimento da USA Swimming, por parte do processo”, disse. 

    Casal canadense denunciou “oráculo da natação” em 2012

    Em março deste ano, Pussieldi encerrou uma elogiada trajetória de uma década como comentarista esportivo, com cobertura de Olimpíadas, Mundiais e Pan-Americanos no currículo. Entre junho e agosto de 2012, o “Coach” participou da cobertura da Olimpíadas de Londres, onde ele viu o nadador Michael Phelps conquistar o 18º ouro olímpico e uma campanha com recorde de medalhas para a natação brasileira. E, menos de quatro meses após esse trabalho, o treinador foi denunciado novamente à polícia da Flórida, de acordo com outro boletim de ocorrência que a CNN teve acesso. 

    Em 18 de novembro de 2012, o técnico de natação e membro da USA Swimming Jean-Pierre Côté e sua esposa, a enfermeira e oficial de natação Carolyn Côté, disseram à polícia da cidade de Plantation que testemunharam Pussieldi tocando de forma inapropriada um garoto, com idade entre 12 e 13 anos. O adolescente seria integrante do seu time, o Davies Nadadores, e o episódio aconteceu durante uma competição aquática. 

    No documento redigido pelo detetive da Unidade de Investigações, Robert Mazer, consta que o casal de canadenses disse que o brasileiro estava sentado em uma cadeira e tocava de maneira suave no peito, costas e na parte de dentro da coxa do nadador infantil, enquanto ele recebia instruções. Segundo relatado, no dia 17 de dezembro, a polícia recebeu um e-mail da USA Swimming com os nomes e telefones de três nadadores do time de Pusssieldi na faixa de 12 anos. 

    “Fiz contato com dois dos meninos e seus pais que desejavam ser anônimos para o propósito deste relatório, ambos os quais indicaram que eles nunca foram tocados de forma inadequada por coach Pussieldi e nunca sentiu que ele os vitimou. O terceiro garoto nunca retornou minhas ligações”, escreveu Mazer. 

    Pussieldi diz que as informações do casal são equivocadas e que eles viram a situação em um ângulo que não permitia entender a cena. “Estou em uma mesa, assistindo à competição. O que eles viram é isso aqui (gesto de massagem para trás da cabeça), algo sem maldade. Mas como eles estavam atrás de mim, fizeram uma leitura diferente”. Ele lembrou que Carolyn enviou 12 nomes para a polícia de Plantation, que tentou contato com alguns nadadores, que recusaram qualquer prática de assédio. “Da mesma forma, eu fui totalmente absolvido na parte criminal da polícia.” 

    Diz ainda que a carta enviada pela USA Swimming a ele confirma que não houve nenhum crime. “Posso ler a carta, inclusive. A carta diz o seguinte: foi apurado que não aconteceu nada, mas ressaltamos que tenha cuidado, porque nos EUA o treinador não pode dar massagem para o atleta. E a carta dizia que eu não podia dar massagem. Eu não dei massagem”, comenta.

    Como as investigações policiais e da USA Swimming contra Pussieldi não tinham um depoimento de uma vítima que teria sido abusada ou provas dos possíveis abusos, elas foram arquivadas. Em nota, a CBDA diz que, desde 16 de setembro de 2019, quando a atual gestão assumiu, nada foi comunicado por qualquer autoridade da justiça ou mesmo desportiva, sequer denúncia particular com relação ao treinador. Informam também que ele não dá treinos de natação no Brasil, portanto está fora do sistema federativo brasileiro, desde 1998.

    A CNN Brasil acompanha, junto às autoridades norte-americanas, o escândalo sexual que atinge a natação. Se você tiver informações, envie para jose.brito@cnnbrasil.com.br.

     

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