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    Trajetória de Ricardo Teixeira na CBF foi marcada por conquistas e denúncias

    Presidente da CBF por 23 anos, o pupilo de João Havelange foi banido do futebol em meio a escândalos

    A promessa de uma CBF mais profissional. Esse foi o fio condutor da campanha de Ricardo Teixeira à presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em 1989. Foi o início de um legado de 23 anos marcado por duas vitórias em Copas do Mundo e diversos escândalos de corrupção.

    Teixeira acabou banido do esporte por propina, em novembro de 2019, cumprindo antes uma ascensão meteórica no mundo do futebol, um projeto cuidadosamente pensado por seu então sogro, João Havelange.

    Profissionalizar a CBF

    A campanha de genro e sogro pela primeira eleição de Ricardo Teixeira começou em 1986. Depois de 16 anos sem títulos mundiais, a CBF enfrentava uma crise financeira sem precedentes, ameaçando sua participação em campeonatos no exterior e a sobrevivência de competições nacionais. Esse cenário foi o combustível para a oposição, encabeçada por Teixeira, tomar força na entidade.

    No México, a promissora seleção brasileira do técnico Telê Santana caía diante da França nas quartas de final da Copa do Mundo, em uma cobrança de pênaltis. Em meio aos jogos, Havelange espalhava a promessa de mais profissionalismo e competitividade da seleção caso o marido de sua filha, Lúcia, assumisse a gestão seguinte.

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    O carioca, presidente da CBF durante os três títulos do Brasil em Copas, era então o chefe da Federação Internacional de Futebol (Fifa), a instituição mais importante do esporte no mundo. Dirigentes de confederações e clubes estaduais viajaram ao México a convite de Havelange e Teixeira, com benefícios no evento oferecidos diretamente pelo presidente da Fifa.

    Em 1989, em meio às críticas e fortalecimento dos opositores, Teixeira foi eleito por “aclamação” à presidência da entidade, com o apoio unânime de todas as confederações do país.

     

    Ricardo Teixeira
    Ricardo Teixeira no dia de sua posse como presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) (16.jan.1989)
    Foto: Josias Barroso / Estadão Conteúdo

     

    Fim do jejum

    O empresário de 41 anos assumiu a chefia da Confederação jurando “moralizar” a entidade e atrair patrocinadores. E ganhou fôlego logo em seus primeiros meses à frente da CBF, com a conquista da Copa América de 1989, depois de um jejum de 19 anos da seleção brasileira.

    A final, em 16 de julho, marcava seis meses do primeiro mandato de Teixeira, que dizia planejar ficar à frente da CBF por apenas seis anos, mesmo que o regimento da entidade à época permitisse três reeleições.

    Em 1993, estourou o primeiro escândalo sob seu comando. Teixeira foi acusado de receber dinheiro de empreiteiros para que a seleção se preparasse para a Copa de 90 em Gubbio, uma cidade no interior da Itália, o país sede. O dirigente também teria recebido propina no acordo com a Pepsi, patrocinadora da seleção naquela edição do torneio, em que o Brasil foi derrotado pela Argentina ainda nas oitavas de final.

    O tetra do Brasil em solo americano na Copa de 1994 consolidou o prestígio de Teixeira, mesmo com as denúncias às vésperas da competição. Logo depois do título, no entanto, houve novas denúncias. Na volta ao Brasil, o “voo da muamba” veio à tona. Ao chegar ao aeroporto do Galeão, depois da visita ao presidente Itamar Franco, o presidente da CBF não aceitou que a sua delegação passasse pela alfândega.

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    Indignado, ele ligou para autoridades em Brasília pedindo a liberação imediata da bagagem. As autoridades responsáveis concederem a exceção, mas pouco tempo depois a Procuradoria Federal descobriu que o avião da seleção, que saiu de solo brasileiro com 3,4 toneladas de bagagem, voltou com 14,4.

    Jogadores e comissão técnica, inclusive Teixeira, aproveitaram o evento para compras pessoais nos Estados Unidos e usaram o título para sonegar impostos. O secretário da Receita Federal, Osíris Lopes Filho, responsável pela vista grossa na revista, pediu demissão. O caso se arrastou por anos e acabou com o pagamento de R$ 46.209,60 em ICMS pela CBF.

     

    CPI do futebol e o penta

    A história acabou como um detalhe esquecido em meio às glórias do tetra e das parcerias comerciais milionárias fechadas por Ricardo Teixeira. Ele vivia um relacionamento de sucesso com as empresas de marketing digital Traffic e Klefer, dos ex-repórteres esportivos J.Hawilla e Kleber Leite.

    As duas eram responsáveis por negociar cotas de patrocínio para a CBF em troca de placas de publicidade nos estádios. Depois de angariar 1 milhão de dólares em investimento da Pepsi, a aliança rendeu a famosa parceria com a Nike, firmada em 1996.

    A empresa de material esportivo fechou um contrato de 200 milhões de dólares com a entidade brasileira, a maior cota de patrocínio do mundo do futebol até então. Hawilla chefiou as conversas do negócio, se tornando mais próximo do chefe da CBF.

    Mas a grandiosidade do contrato não passou despercebida pela Câmara dos Deputados. Em 2000, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) chefiada por Aldo Rebelo, abriu uma investigação sob a alegação de que a parceria atacava a “soberania, autonomia e identidade nacional” da maior entidade do futebol brasileiro.

    O acordo entre CBF e Nike passou por escrutínio das autoridades. Convocado para depor em Brasília, Teixeira defendeu a legalidade do negócio mas, nos bastidores, balançava na presidência. Foi quando a articulação de uma das testemunhas, Eduardo Viana, mudou o jogo para o executivo. A falta de provas articulada pelo ex-presidente da Federação Carioca, conhecido como “Caixa D’Água”, fez o processo se arrastar, até cair no ostracismo .A “CPI da Nike” não chegou a um relatório final. Em 2002, o Brasil conquistou o penta no mundial da Ásia. 

     

    Sucesso internacional e poder

    O penta abriu mais uma era de patrocínios milionários para a CBF. A entidade, cada vez mais global no aspecto financeiro, coorganizava amistosos em diversos países pelo mundo, mesmo os fora do circuito tradicional do futebol, como Egito, Irlanda e Haiti.

    E em 2007, Teixeira articulou junto ao governo Lula e contatos na Fifa a indicação do Brasil para sediar a Copa de 2014.

    O pupilo de João Havelange, que àquela altura fora substituído na Fifa por Joseph Blatter,  comandaria a organização da competição. Mas, apesar do sucesso de suas negociações, a longeva carreira do gestor à frente da entidade não chegou até o evento.

    Dois anos antes do Mundial, sob forte pressão da Justiça, ele se viu obrigado a renunciar, deixando a Confederação Brasileira de Futebol e o comando do Comitê Organizador da Copa.

    BRASIL SEDE DA COPA DO MUNDO
    O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva com Romário e Ricardo Teixeira na sede da Fifa, em Zurique. No dia, o Brasil foi anunciado sede da Copa do Mundo de 2014 (30.jul.2007)
    Foto: Evelson de Freitas / Estadão Conteúdo

     

    A queda

    O fim da hegemonia de Teixeira marcou também a queda de vários de seus parceiros de negócios. A sua renúncia na CBF foi consequência direta de reportagens que denunciaram sua aliança com a empresa Ailanto para superfaturar amistosos do Brasil. O jogo entre a seleção nacional e Portugal em 2008, por exemplo, custou 8,5 milhões de reais.

    Mas esse foi apenas o primeiro dos escândalos de corrupção até então escondidos pelo presidente da entidade.

    Em 2015, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) rastreou uma fortuna não declarada de Teixeira. Em seus quatro anos na presidência do Comitê Organizador da Copa no Brasil, o gestor movimentou 464 milhões de reais em suas contas. A Polícia Federal o indiciou por lavagem de dinheiro, evasão de divisas, falsidade ideológica e falsificação de documento público.

    Em maio do mesmo ano, a justiça dos Estados Unidos executou 14 mandados de prisão contra dirigentes da Fifa em Zurique, na Suíça, por acusações de recebimento de propina.

    Entre eles, estavam José Maria Marin, substituto temporário de Teixeira na presidência da CBF após sua renúncia, Rafael Esquivel, presidente da federação da Venezuela e membro do Comitê Executivo da Conmebol e Eugênio Figueiredo, então presidente da Concacaf.

    Representantes de quase todas federações de futebol estavam na capital suíça para um congresso da Fifa pela reeleição de Joseph Blatter, que pleiteava o quinto mandato como presidente da entidade.

    A operação do Departamento Federal de Investigação (FBI) foi resultado de uma investigação do Departamento de Justiça americano que vasculhou as operações na Fifa desde 1991, quando João Havelange ainda estava no comando.

    Simultaneamente, o Departamento de Justiça da Suíça, algoz de Teixeira desde 2012, também investigava a Fifa por corrupção e lavagem de dinheiro, unindo forças com os Estados Unidos.

    Ricardo Teixeira também virou alvo das autoridades na nova investigação por sua participação ativa no lobby para a eleição do Catar como sede da Copa do Mundo de 2022.

    A eleição do emirado, sem nenhuma tradição no esporte, levantou dúvidas sobre a autenticidade da concorrência. Os Estados Unidos eram fortes concorrentes na disputa e a derrota incompreensível para os americanos levantou a suspeita de suas autoridades.

    Em 2012, dois anos depois da escolha do Catar, diversos dirigentes foram acusados de receberem propinas para votar para a escolha do Catar, entre eles Teixeira.

    O brasileiro foi obrigado a deixar a Fifa no mesmo ano. A entidade só formalizou sua punição pelos crimes contra o futebol apenas em novembro de 2019, quando decidiu pelo seu banimento em qualquer instituição do esporte.

    O crime mencionado pelo Comitê de Ética da Fifa para justificar foi o recebimento de propina no valor de 32,3 milhões de reais por contratos da Libertadores, Copa América e Copa do Brasil. Os ex-presidentes da CBF Marco Polo Del Nero e José Maria Marin também foram citados na decisão.

    Marin está preso nos Estados Unidos e Marco Polo del Nero também sofreu banimento vitalício do futebol. A defesa de Ricardo Teixeira recorreu da decisão do Comitê de Ética.

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