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    Saída de Messi, unanimidade catalã, é trauma coletivo e impasse para o mercado

    Jogador mais desejado do planeta está sem clube; futebol espanhol, no meio de uma disputa bilionária de interesses, é parte central no entendimento da situação

    Leandro Iamin, colaboração para a CNN

    Messi está fora do Barcelona. O anúncio, feito com uma frieza incompatível com a história criada pelas partes, aconteceu nesta quinta (5), por meio dos canais de comunicação do clube.

    O comunicado, de só três parágrafos, deixou claro que tanto o Barça quanto Lionel Messi queriam renovar contrato de trabalho, mas esbarraram em “obstáculos estruturais e econômicos”.

    O regulamento da Liga espanhola foi apontado como culpado. Messi estava sem contrato, mas negociava a sua renovação enquanto curtia férias em Miami ao lado da família e do amigo Luis Suárez.

    Esta amizade com o atacante uruguaio, entre tantos outros laços afetivos e profissionais, foi construída dentro do Barcelona. Suárez foi jogar no Atlético de Madri. 

    Campeão espanhol na nova casa, nunca escondeu a discordância e até a mágoa com o tratamento que recebeu do ex-clube. Não era a companhia de férias que o Barcelona sonhava para o principal jogador de sua história, que agora é efetivamente um ex-funcionário.

    Recrutado em Rosário, Santa Fe, na Argentina, com apenas 13 anos, a relação foi, sempre, de confiança entre as partes.

    A família de Lionel Messi confiou ao clube catalão a execução de um projeto de longo prazo que incluía tratamento hormonal para combater o déficit que atrapalhava seu crescimento – Messi tinha 1,40 m quando virou um atleta mirim dos “culés”. Isso foi em 2000.

    A estreia no time profissional se deu em outubro de 2004. Dezessete anos e 61 títulos depois, o legado de Messi extrapola o futebol.

    Do ponto de vista do clube, que nunca planejou aceitar ofertas e lucrar com uma transferência de seu camisa 10, a ruptura é de um valor incalculável.

    Messi, cujo contrato encerrado lhe rendia, com variáveis ao salário, até 138 milhões de euros por ano, pode achar outro clube, mas não outra Catalunha.

    Uma exceção no estilo de vida catalão

    Thiago Arantes, jornalista, mora em Barcelona há oito anos. Ele falou com a CNN:

    “O Messi significa uma exceção no jeito do catalão gostar das pessoas. Na Catalunha as pessoas gostam do estrangeiro que aprende o idioma, participa da cultura catalã, estuda a história da região e se envolve nas pautas da Catalunha. O Messi nunca se envolveu em absolutamente nada disso. Nunca falou três frases em catalão nem participou ativamente de nenhuma atividade social ou política”.

    A magia com a bola nos pés absolveu Messi, desde sempre, de qualquer antipatia. Retraído, introvertido, há quem não saiba ainda como é a voz de Lionel Messi.

    Ainda assim, a bola lhe ofertou o perdão incondicional em uma cidade. Um outro argentino conseguiu algo similar: Maradona, em Nápoles.

    “Mas é bem diferente”, aponta para a CNN Leonardo Bertozzi, jornalista do grupo Disney.

    “Maradona era visceral e se casou com uma cidade e um povo que tinha em comum com ele a convivência com a rejeição e a pobreza. O caso do Messi é menos visceral e mais poético, e até a longevidade ajuda a explicar isso”, conclui.

    Não só a longevidade, mas a regularidade do comportamento de Messi tornou imperceptível certo nível de idolatria.

    Em duas décadas de clube, Messi não acumulou as polêmicas que Maradona levaria seis meses para criar. Arantes completa: “Ele conseguiu espaço para ser amado por uma sociedade que tem alguns requisitos para gostar das pessoas. O Messi conseguiu esse amor mesmo sem preencher esses requisitos. Foi graças ao que ele fez no futebol”. E o que ele fez, afinal, para a cidade?

    Messi simboliza a consolidação de um Barcelona vencedor. E isso dá para o torcedor e o cidadão catalão uma mudança de mentalidade”, avalia Arantes.

    “Historicamente, a torcida do Barcelona é derrotista e vitimista. Messi faz parte de um Barcelona que ajuda a mudar a mentalidade do torcedor e também do cidadão. O catalão que é sócio do clube, fã do Messi, deixa de achar que algo vai sempre dar errado e passa a achar que é o maior do mundo.”

    Fora, pero no mucho?

    Noutras vezes que anunciou o desligamento de um ídolo, como Xavi, Iniesta ou Puyol, a nota oficial do Barcelona trazia também um aviso de entrevista coletiva com data e hora.

    Nada havia na nota sobre Messi, e a coletiva, na manhã espanhola desta sexta (6), aconteceu mais em caráter emergencial do que dentro de um rito tradicional.

    Outro ponto é que nenhum jogador do clube fez qualquer menção ao desligamento de Messi nas redes sociais, quando o normal é que isso aconteça.

    O anúncio repentino da saída de Messi, de quebra, coincidiu com notícias importantes no cenário político do futebol espanhol. Foi fácil imaginar que poderia ser um blefe do clube. Bruno Bonsanti, jornalista do site especializado Trivela, explica o motivo.

    “Na segunda-feira (3), o presidente do Barcelona pediu flexibilização das regras financeiras. Dois dias depois, na quarta, La Liga anunciou um acordo bilionário com um fundo de investimentos, o CVC. O Real Madrid publicou nota se posicionando contra este acordo. O Barcelona fez o mesmo pouco depois. E, logo em seguida, veio o anúncio de que Messi estava fora do clube.”

    Não exatamente fora, né Bonsanti? “A nota foi escrita cuidadosamente para evitar dizer que Messi está fora ou que as negociações foram abandonadas”.

    O termo usado, em espanhol, é “não seguirá vinculado”, o que é uma formulação pouco comum nesse tipo de nota. Os dribles nas palavras necessárias tiveram que acabar horas depois, diante dos jornalistas.

    Na conferência de Joan Laporta na manhã espanhola, o presidente afirmou repetidamente que a culpa disso tudo é da gestão anterior, jurou ter feito tudo que era possível e cravou que não há blefe, trata-se de algo definitivo, apesar de desencantador.

    Enquanto isso, em sua casa em Castelldefels, Messi acompanhava o noticiário em um desencanto ainda maior.

    La Pulga, apelido de Messi, viajou de volta para o país seguro de que a renovação era viável e provável – e ele aceitaria uma redução pesada em seus vencimentos nominais, que chegavam a 50% do contrato anterior. As reuniões entre o Barça e seu pai tomaram o rumo da ruptura de um jeito veloz e drástico.

    O dinheiro do contrato com o CVC daria 250 milhões imediatos ao Barcelona – o que significaria a possibilidade de consagração de um novo contrato para Messi. No entanto, faria o Barcelona se comprometer com La Liga por 50 anos. Bonsanti enxerga um conflito nisso.

    “O Barcelona segue ao lado de Real Madrid e Juventus, insistindo na criação da Superliga. Como poderia se comprometer por 50 anos com a liga nacional e ao mesmo tempo trabalhar para fundar uma competição paralela concorrente?”, questiona.

    “Se aceitássemos a operação, ampliaríamos em 50% nosso limite salarial, mas não resolveria a situação”, elucidou o presidente barcelonista.

    “A única forma de renovar com Messi era aceitar um acordo de La Liga que não interessa ao Barcelona. Não podemos aceitar dinheiro que nos afetará no futuro”, concluiu.

    Unanimidade

    Em 2011, na Copa América disputada na Argentina, Messi, estrela da seleção local, era criticado por não cantar o hino nacional antes dos jogos. “Messi apátrida”, estampou o jornal La Voz, de Córdoba, em um dia de jogo dos anfitriões.

    Sair do país muito cedo fez parte da opinião pública local considerar Messi europeu demais para um argentino. Na Catalunha, porém, é normal que transmissões e jornais se refiram a Messi como “o rosarino”.

    Morador de Castelldefels, município vizinho de Barcelona, Lionel Messi, para alguns, nunca foi morar na Catalunha.

    Thiago Arantes explica: “Todos os irmãos dele moram perto. Ele criou uma mini-Argentina na cidade. O quarteirão dele só tem pessoas da família”.

    A vida em uma bolha argentina que Messi criou nos arredores de Barcelona, com restaurantes e sotaques argentinos, não livram o camisa 10 de lidar, eventualmente, com o escrutínio da opinião pública de um clube tão popular.

    Em um momento de ruptura como o atual, debates se aquecem e opiniões dividem pessoas. Messi, não: é unanimidade.

    “Mudam os diretores, os técnicos e companheiros, e Messi continua absolutamente intocável”, revela Thiago Arantes sobre a chance de Messi ir embora pela porta dos fundos.

    “Sempre pensarão em outros culpados antes do Messi. Vão culpar a liga espanhola, as gestões anteriores do Barça, a Fifa, a empresa que vai investir em La Liga, todo mundo. O último da fila é o Messi”.

    Messi e o mercado

    Os efeitos colaterais dos movimentos de Lionel Messi no mercado impactam todo o sistema do futebol de topo. Ao contrário de Cristiano Ronaldo, La Pulga nunca foi alvo de transações milionárias entre clubes.

    Isso não significa que os principais times do planeta não pensem em Messi antes de mexer peças no tabuleiro do mercado.

    O Manchester City, treinado pelo ídolo barcelonista Pep Guardiola, poderia investir em Messi. Talvez sabendo que o argentino não mudaria de lar, investiram em Grealish e tentam trazer Kane.

    O Paris Saint Germain, outro clube que tem dinheiro para trazer Messi, gastou seu orçamento com várias contratações e a renovação de Neymar.

    A engenharia por Messi cabe em poucas folhas do futebol.Iniesta foi embora do clube em declínio técnico. Xavi havia se tornado reserva de Rakitic quando partiu, e Puyol estava cheio de lesões quando interrompeu a carreira. Messi ainda está no jogo como protagonista.

    A perspectiva de trazê-lo sem precisar pagar centenas de milhões em uma transferência formal é tentadora, mas, ainda assim, não parece haver um clube pronto para assinar imediatamente com Lionel.São incógnitos, portanto, os próximos capítulos, condicionados pela nota oficial do Barcelona e aquecidos pelo tradicional ar misterioso que Messi preserva diante de suas decisões.

    Se fosse um blefe, Messi seria cúmplice dele. Se é mesmo o fim da linha para ele na Catalunha, seu próximo clube terá um longo trabalho para viabilizar o negócio dentro das regras econômicas do futebol.Messi, o mais desejado jogador do planeta, pode encontrar, paradoxalmente, mais dificuldade do que imagina para encontrar um lugar que possa transformar o desejo em realidade.

    Com variáveis ao seu salário fixo, seus rendimentos no clube catalão se aproximavam dos 140 milhões de euros por ano, em seu último contrato. Pagar tanto a Lionel Messi é o principal motivo para o Barcelona, hoje, não ter como pagar Lionel Messi.

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