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    ‘Nunca pensei que ia ser grande’, diz Pelé

    Em conversa franca com Reinaldo Gottino, o “Rei do Futebol” relembra a carreira e comenta temas como racismo e passagem pela política

    Da CNN Brasil, em São Paulo

     

    O símbolo máximo da força do futebol brasileiro e um nome reconhecido em todos os cantos do planeta. Aos 79 anos, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, olha para a carreira e se emociona. “Eu nunca pensei que ia ser grande”, admite o “Rei do Futebol” a Reinaldo Gottino, em entrevista exclusiva para a CNN Brasil.

    Em uma conversa franca, o ex-jogador resgata detalhes da infância e revela que ainda não era o Santos seu clube do coração naquela época, mas conta como uma feliz coincidência o levou à Vila Belmiro para ajudar formar um dos maiores times da história. “Lembro ainda hoje do meu pai me levando na estação de ônibus de Bauru para treinar”, recorda.


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    Pelé conta detalhes sobre as Copas que conquistou e faz um balanço lúcido da carreira, com memória muito viva para detalhar os tempos de jogador: elege o gol mais marcante, descreve a inusitada chegada aos Estados Unidos e fala até sobre a fama de “saber bater” em adversários.

    O “Rei”, porém, não se prende ao saudosismo e exalta o futebol atual, inclusive o Flamengo de Jorge Jesus. Para ele, o jogo hoje é “mais difícil” do que o do passado, embora exista menos espetáculo. 

    A entrevista vai além do esporte e o ex-jogador não hesita em tratar sobre outros assuntos. Instigado por Gottino, aborda o racismo no futebol, sua passagem pela política, os rumores de que estaria com depressão e a situação das crianças no Brasil cinco décadas depois de seu discurso em defesa da infância — proferido logo após marcar seu milésimo gol, em 1969.

    Veja, abaixo, a íntegra da entrevista exclusiva de Pelé a Reinaldo Gottino:

    Gottino: Edson Arantes do Nascimento, ou simplesmente Pelé, que é sempre citado como o maior de todos os tempos. Agora, na CNN brasil, o maior de todos os tempos. Nas suas palavras, quem é o Pelé?

    Pelé: Prazer, sou eu. Todo mundo esqueceu do Edson Arantes do Nascimento, mas sou eu, o Pelé (risos). Ninguém se lembra do Edson, mas quem paga as contas é o Edson, quem sofre é o Edson e quem chora é o Edson. E o Pelé que tem todas essas regalias. Pelé é o filho de Deus que Ele pôs para a gente tomar conta.

    Aquele menino que gritava “Bilé, Bilé” acabou se tornando o Pelé… [N.R.: Bilé foi o nome de um goleiro do Vasco de São Lourenço-MG, time que Dondinho, o pai de Pelé, defendia antes de se transferir para o Bauru AC. Ainda criança, Pelé jogou como goleiro e gritava “Bilé” ao realizar defesas — o que originou o apelido Pelé]

    Foi bom você puxar esse assunto porque muita gente faz confusão. Meu pai jogava no Bauru AC e tinha um goleiro em Minas Gerais que era o Bilé. Os garotos começaram a me chamar de “Bilé”. Ia para briga com os moleques e, quando você acha apelido ruim, ele pega. Agora agradeço aquela garotada de Bauru, foi na briga que ele [o apelido] apareceu.

    Queria que você contasse sobre quando olhou para sua própria vida e falou: “vou ser grande no futebol”.

    Essa pergunta é difícil de responder, eu nunca achei que ia ser grande. Te juro por Deus. Lembro que o Athiê Jorge Cury, o presidente do Santos na época, consultou meu pai, que trabalhava na delegacia de saúde de Bauru. Ele soube que no Baquinho [apelido do Bauru AC] tinha um garoto e perguntou se poderia levar o filho dele, o Pelé,  para treinar no Santos. Sempre achei que fosse brincadeira. Estava com 13 para 14 anos e não era nem titular do Baquinho. Por coincidência, o Athiê Jorge Cury era amigo do meu pai, fui fazer o teste no Santos E fui aprovado. Achei que era sonho. Tem coisa que me lembro como se fosse hoje… lembro do meu pai me levando na estação de Bauru de ônibus para fazer o treino em Santos. Parecia uma coisa do outro mundo o que estava acontecendo comigo, mas hoje o jogador pega jatinho. Como a vida é engraçada. 

    Em qual gol você sempre pensa quando se deita e se lembra como se fosse hoje?

    Deus foi tão bom comigo. Tive tantas sensações iguais à que você está falando… mas sem dúvida o que eu não me esqueço foram dos gols da Copa do Mundo de 1958. Ainda não tinha completado 18 anos e era o jogador mais jovem da Copa do Mundo, que o Brasil nunca tinha conquistado. Logo depois veio o milésimo gol. Não era uma Copa do Mundo, não era nada, mas me fez tremer, mesmo sendo um jogador experiente. Não sei se fico com primeiro gol em Copa do Mundo ou com o milésimo gol, mas tenho que agradecer a Deus o que aconteceu na minha vida.

     
    Depois de Pelé, quem te encantou, quem você gostou de ver jogar?

    Ele falou que não dá para comparar Pelé com outro jogador. O seu Dondinho e a Dona Celeste fecharam a fábrica. Pode vir até melhor, mas Pelé não vem mais. Hoje você está perguntando qual o que mais me encantou?

    Ao longo da história, quem mais te encantou?
    Eu seria injusto se falasse alguns e esquecesse outros, vi tanta gente boa. Teve jogador que eu vi e falei: “quero aprender a fazer igual”. Eu queria mesmo era ser igual ao meu pai, que é o recordista de gols de cabeça em um jogo só: fez cinco em uma partida. Esse recorde é do Dondinho e o Pelé ainda não quebrou esse recorde. Em termo de gols, o Pelé quebrou todos os recordes fazendo mais de mil, mas esse de fazer cinco gols de cabeça é do meu pai.

    Se você fosse jogador hoje, como seria a sua carreira?

    Dentro ou fora do campo? Não sei, acho que não mudaria muito não. Sempre fui muito preocupado com preparo físico. 

    Mas você acha que está mais difícil ou mais fácil do que antigamente?

    Está mais difícil. Bem mais difícil. Porque no meu tempo com todo o respeito aos colegas, acho que a gente tinha um pouco mais de liberdade, parar a bola. Agora já não tem mais tanta. Por isso, até alguns jogadores amigos meus na época falam que não é assim. Converso com o Beckenbauer, Maradona e o Cruyff. Eu digo: antigamente se jogava bola, agora os caras não querem saber de jogar bola, só querem destruir. Quem paga para ir ao estádio, paga para ir ao estádio. Não é para ver marcação. A gente dava mais espetáculo e shows do que no futebol atual, mas é uma diferença muito grande. 

    Agora são 50 anos do tri da Copa do Mundo. Quais lembranças você tem?

    Pelé: não dá para esquecer de nada, é impressionante como as coisas ficam gravadas na mente da gente. O que sempre agradeço a Deus é que quando eu morrer isso não vai ser esquecido, porque ninguém conhecia o Brasil antes da Copa do Mundo. E, outra coisa, esquecem que o Pelé é o único jogador que tem cinco Copas do Mundo, foi cinco vezes campeão mundial. Foram cinco mundiais que ele jogou: três mundiais com a seleção brasileira e dois com o Santos. De vez em quando o pessoal se esquece, mas eu sempre lembro.

    Ser técnico daquele time era fácil?

    É mais fácil, sem dúvida nenhuma, mas também tem a preocupação de não perder. Como foi, para um time desses, quando perdemos? O técnico, coitado, às vezes não tem nada com isso. 

    Para que time você torcia quando criança? Sei que você se tornou um cidadão do mundo, fala com todas as torcidas. Você é o Pelé de muitos corintianos, são-paulinos, palmeirenses… 

    Na época era uma coisa engraçada. Até hoje as pessoas discutem, eu já expliquei e essa geração ainda não escutou, então volto a falar. Em Bauru, na época que joguei no Baquinho, todo garoto era corintiano. Eu era BAC, porque meu pai jogava no BAC, mas tinha uma simpatia e meus amigos todos eram corintianos, enquanto meu irmão Zoca era palmeirense. Lembro que às vezes a gente ia jogar partidas de botão, na época era uma febre. Eu perdia para o Zoca, eu como Corinthians e ele como Palmeiras. E quando eu vim para o Santos fazer o teste e tal, todo mundo falava: “o Pelé era do Corinthians” e eu não tinha estado no Corinthians. Só que uma coisa é verdade: meu time de botão era corintiano, mas com 13, 14 anos. 

    A criança escolhe um time que ela simpatiza. 

    Na época o meu time de simpatia era o Baquinho, porque tinha rivalidade com o Noroeste e meu pai foi artilheiro no BAC. Mas meu time de botão era Corinthians. 

    Você teve passagem interessante no Cosmos. Dizem que foi um divisor de águas no por lá. Queria que você falasse dessa experiência.

    Eu nem gostava de falar muito, porque quando eu fui consultado para ir, o Brasil tinha sido campeão e eu tinha dito que iria parar de jogar futebol, pensei em não ir. Na época, o professor Júlio Mazzei foi para os EUA e tinha um filho numa universidade lá. Ele me falou que os EUA estavam começando a dar uma força para o futebol. Me contou que crianças não estavam mais jogando basquete, porque era esporte só para pessoas altas, e o futebol, até o feminino, estava crescendo por lá. Que Deus esteja com o Mazzei em bom lugar, ele que me convenceu de fazer a experiência no Cosmos e foi uma das melhores coisas que fiz na vida. Fiz a promoção e treinava o time feminino dos americanos. É uma coisa que somente Deus pode explicar, jamais alguém no Brasil ia querer jogar bola nos EUA. Agradeço ao professor Mazzei, porque eu já tinha parado no Brasil e me despedido da seleção brasileira. Falei: “vou lá para aprender a falar inglês”. Acabei ficando lá e, infelizmente, hoje o feminino de lá é melhor do que no Brasil.  

    Você ganha 3 Copas do Mundo e pela primeira vez se ouve a expressão “o Brasil é o país do futebol”. Hoje estamos em 2020, o Brasil ainda é o país do futebol?

    São momentos que às vezes passam. Como tudo na vida, há momentos difíceis. Se você for ver, em todos os países do mundo você encontra um jogador brasileiro, que está representando o futebol brasileiro. Sem dúvida nenhuma é o melhor. Na vida tem altas e baixas. Às vezes a gente passa por isso. 

    O Flamengo te encanta?

    Sem dúvida nenhuma é o melhor time. Como equipe, como conjunto, é o melhor time. Mas, individualmente, se você pegar jogadores do Flamengo e alguns times da Europa, não é mais a fase que o Brasil tinha jogadores como Pelé e Garrincha e até Sócrates. Hoje, individualmente não dá para comparar os jogadores do Flamengo com os de alguns times da Europa. Porque no futebol muitas vezes não é o melhor que é campeão, muitas vezes a sortezinha ajuda. E o Flamengo é hoje o representante do brasil. 

    No milésimo gol você fez um desabafo e pede pelas crianças. Como você vê essa declaração e a situação das crianças hoje? [N.R.: ao comemorar o milésimo gol, Pelé fez discurso a jornalistas pedindo atenção dos brasileiros às crianças]

    A declaração foi uma coisa que saiu na hora. Por coincidência estava conversando com meu irmão semana passada e ele comentou que, na época do meu pedido pelas crianças, não tinha tanto roubo como agora. Ele me disse que eu tinha que voltar e fazer outro pedido. Eu dei a declaração na época depois de um jogo em que saímos da Vila Belmiro e, em uma das saídas dos vestiários, vi garotos tentando roubar um carro. Falei: “pô moleque, você é maluco querendo roubar”. Um deles falou: “não, Pelé, só vamos roubar do pessoal de São Paulo”. Isso foi numa quarta-feira. No domingo teve o jogo, me lembrei e fiz aquela mensagem; Hoje tem crime, tem um monte de coisas, não sei se mudou muito não. 

    Num determinado momento da carreira você falou que brasileiro não estava preparado para votar. Você acha que o brasileiro sabe votar?

    Olha como foi uma coisa importante. Até hoje nós estamos aqui, com tantos problemas no mundo, com o homem chegando na Lua e estamos aqui falando de uma coisa que aconteceu há 30 anos. Acho que hoje já melhorou. Fui uma pessoa abençoada como ministro do Esporte. A gente não tinha tantos problemas como temos hoje… de roubo, de assalto, de feminicídio. Problemas que temos hoje e não tínhamos no passado. Se tivesse, a imprensa não destacava. Agora eu acho que está muito mais difícil do que naquela época.

    Como foi a experiência de ser ministro. Você se arrepende de ter entrado na política na época?

    Não, pelo contrário. Claro que a política, mas no meu caso era diferente, estava fazendo uma coisa para um determinado setor, que era o esporte. Trabalhava com crianças e agradeço a Deus por passar por lá, trabalhar com as crianças e fazer uma coisa boa pelo futuro do nosso esporte.

    Você é o “Rei do futebol” e a origem do rei é uma lei. O rei determina e acontece. Se pudesse pedir algo que as pessoas fossem cumprir, o que pediria? 

    Tem até uma brincadeira que eu faço quando falam isso. Eu canto aquela música: “que rei sou eu? Sem reinado e sem coroa”. Não adianta falar nada, não dá para mudar porque quem muda é a política. A única ligação que com essa coisa que estamos falando é que realmente eu fazia todo o possível para dar bom exemplo para todos os jogadores e aos jovens que estavam começando a jogar futebol. Teve várias coisas que foram importantes na história. Mas era um rei sem coroa. A luta pela educação até hoje a gente precisa. Era coisa das escolas das universidades, da família… Não mudou muito, só aumentou a população. O número da população só aumentou, mas ainda temos problemas de educação.  

    Quem mais te decepcionou no futebol brasileiro?

    Não sei se tive alguma decepção direta. Às vezes você fica triste ou aborrecido por causa de alguma jogada. Acontece coisa pessoal dentro do campo, o cara xinga a sua mãe. Mas, de uma maneira geral, acho que o futebol só me deu oportunidade de coisas boas. 

    Já ouvi que o Pelé sabia bater. Os jogadores batiam em você porque você sabia driblar. E que você conseguia descontar nos jogadores e o juiz não via…

    Eu pensei que você ia dizer: “o Pelé sabia bater falta” [risos], porque teve o pênalti das paradinhas, que não tinha muita gente que sabia fazer. 

    Porque as pessoas diziam que você sabia descontar sem o juiz ver. 

    Isso não é verdade. Eu não era desleal, nunca fui, mas sabia me defender. Tinha jogadores que me marcavam e até hoje a gente se vê. Hoje melhorou um pouco, porque os árbitros estão mais presentes. No nosso tempo não tinha jogador que se preocupava com a bola, estava preocupado em te marcar. Às vezes o técnico falava: “marca o Pelé” e o jogador fazia o que o técnico mandava. A maioria dos jogadores não se preocupava com a bola, se preocupava em acertar o tornozelo. Às vezes me preparava para esses jogadores. Porque várias vezes vinham me acertar e sabia me defender. Mas nunca fui o jogador que iniciou, aprendi a me defender. Não queria de jeito nenhum machucar alguém. E muitas vezes a pessoa fala: “mas tem vídeo aí”. Tem muita gravação do passado, podem me ver levando pancada, caindo e um jogador pisando em cima. Eu me defendia dessas pessoas.

    Vamos fazer um bate-bola. Você é o brasileiro mais conhecido no mundo, uma das personalidades mais conhecidas do planeta. Para quem o Pelé pediria uma selfie?

    É meio injusta essa pergunta sua. Admiro tanta gente, entende? Muhammad Ali, por exemplo, é uma pessoa que eu admirava e admiro muito. E estive com ele, era impressionante o que ele falava sobre as crianças, as pessoas. O Éder Jofre eu também admirava muito, estivemos juntos, fizemos coisas juntos. Tem cantores que eu adoro, é meu passatempo… É difícil citar 20, 30 caras que você gosta. Poderia citar desde quando eu comecei a jogar futebol, mas tem exemplos fora do futebol e que são exemplos de caráter. É difícil citar uma pessoa, porque é injusto não lembrar de outras também. 

    Você citou o Muhammad Ali. Vamos falar um pouco de racismo, temos casos recentes no futebol. Se hoje é difícil para o atleta, acredito que na sua época era ainda mais difícil. 

    Acho que hoje não mudou muito. A única coisa que deve ter mudado acho que foi a imprensa. Um jogador falava uma besteira para outro, era para a gente. Quando ia jogar na Europa acontecia muitas vezes. Jogando aqui contra argentinos, chamavam a gente de macaco, de chimpanzé e crioulos. Veja se saiu algum escândalo.

    Já deve ter acontecido de você entrar em campo e o torcedor que esteva xingando, depois de te ver jogar, acabava te aplaudindo?

    Várias vezes. Não sei por que eu estava mais ou menos acostumado. 

    Te xingavam, mas você marcava 3 ou 4 gols e aquele torcedor acabava te aplaudindo. 

    Então, às vezes eu não marcava. A seleção brasileira ou o Santos iam bem e aí o pessoal aplaudia no final. É uma coisa de momento.  Não me machucava quando a gente jogava na Europa, América Latina, e falavam: “crioulo”, “filho daquilo”…  isso não me machucava. Porque a gente vê também o momento daquele torcedor, aí o Santos, a seleção brasileira ia lá e dava uma tristeza para ele, eu entendia isso. É diferente de um racismo fora desse conceito. Graças a Deus eu tenho as portas abertas no mundo todo. 

    Queria inverter com você, queria que o Pelé falasse para o Edson. O que o Pelé tem para falar para o Edson hoje?

    O Pelé falar para o Edson… Você me pegou nessa.. O Chico Anísio uma vez falou assim: “Pelé, você sabe de uma coisa? Qual é seu nome?”. Eu falei: “é, Edson Arantes do Nascimento”. Então, ele falou: “era Edson antes do nascimento, porque agora é Pelé. E o Pelé é muito mais conhecido do que você, o Edson”. É uma brincadeira que até hoje me pegou. É mesmo, né? O Edson, era antes do nascimento. Agora é Pelé. Tem tantas coisas que aconteceram com respeito a isso, inclusive na minha família. De as pessoas falarem no Dondinho, e aí no filho do Dondinho, que é o Pelé. 

    O brasileiro te cobra demais?

    Cobra. São perguntas difíceis de responder, mas a única coisa que às vezes me pega de surpresa e que ficou chateado é quando alguns dos fanáticos querem fazer comparações com outras pessoas. Isso às vezes me deixa meio em dúvida porque se faz comparação com outro ser humano, eu não posso responder. Não dá para fazer comparação com as pessoas, são momentos, pessoas, coisas e vida diferentes. Você pode gostar mais de um, de outro ou de um fez uma coisa importante, não dá para comparar. 

    Você me chama atenção pela racionalidade. Você pensa muito antes de falar, me dar entrevista. Está tentando me driblar em vários momentos. 

    Não sei se é realmente o que estou entendendo o que você está falando. O negócio de driblar é coisa da minha vida. Toda vez que você veio honestamente, eu respondi honestamente. 

    Você pensa muito, raciocina muito. Queria fazer um bate-bola com você. Uma saudade?

    Citar uma? Eu tenho várias. Para citar uma, talvez do meu pai, Dondinho. Eu ainda me lembro que, quando ia de Santos para Bauru, meu pai sempre falava que minha família estava lá. Chegava cheio de máscara, ele então falava: “não vem com esse negócio não, porque você ganhou de Deus esse presente. Murcha essa bolinha aí”. De vezem quando acontecem algumas coisas dentro do clima futebol e lembro do meu pai, puxa, o Dondinho já falava para mim. Outra coisa que o Dondinho falava: “eu fiz cinco gols de cabeça. O que que você fez? Respeita o seu pai”. Isso é um ensinamento. 

    Se você pudesse pedir algo para Deus, o que pediria?

    Deus ia ficar triste comigo, pediria tanta coisa. Mas uma coisa seria acabar com a desigualdade entre seres humanos. Se a gente acha que Deus é todo poderoso, por que há tanta desigualdade?

    E para você?

    Para mim é saúde. Até na minha profissão, sem saúde não dá para você praticar. O que eu peço é saúde para mim e minha família. 

    O Palmeiras foi campeão mundial?

    Eu não sei se o Palmeiras foi. Eu acho que o título foi dado ao Palmeiras, se não me engano, posso estar equivocado, mas não foi um mundial. Foi um torneio que deram a ênfase de mundial, mas não foi igual ao que a seleção brasileira ganhou e o Santos ganhou. Não foi um torneio disputado como eram e como ainda são os campeonatos mundiais interclubes. 

    O Romário falou certa vez que o Pelé calado é um poeta. 

    Nem sei por que ele falou isso. Não sei nem porque perguntaram e não sei qual foi o assunto. Apesar de saber qual foi o assunto do Romário, ele é tão polêmico e entrou em tantas controvérsias. O que ele falou? 

    Ele fez uma crítica a um comentário que você fez. “O Pelé calado é um poeta”. 

    Você quer coisa mais importante do que isso? Agradeço ao Romário. Ele poderia falar que o Pelé calado é um ladrão, é um traiçoeiro. Poeta é uma coisa importante. 

    Saiu uma notícia recente que o Pelé estaria em depressão. Queria saber, como é que você está hoje?

    Graças a Deus, ia dizer isso para você. Essa coisa da depressão, não sei se entenderam mal, porque nesses últimos dois anos eu tive contusão, operação do fêmur, e aí, quando começava a treinar ou a fazer um comercial, eu tinha que parar. Começaram a se preocupar e eu agradeço muito isso. Mas aí inventaram que eu estava deprimido. Cheguei aqui com o andador, mas, graças a Deus, só não dá para dar bicicleta. Talvez em algumas das vezes em que estava machucado, contundido, não deixei de dar entrevista e falei que estava triste porque tinha tido contusão. É exatamente o que vou falar agora: preferia ter chegado aqui sem andador, fazendo um treininho, jogado uma bola. Mas estou me recuperando e, graças a Deus, depois de tudo aquilo que fiz no esporte, estou bem. Graças a Deus estou me recuperando. 

    Aquela cirurgia que você fez foi o que deu complicação?

    Exato. Um dos tendões inflamou e aí tive que começar a tomar anti-inflamatório, doeu um pouco, e prejudicou o movimento. Graças a Deus estou consciente e não estou falando muita besteira. 

    Vou falar um nome e você fala um pouquinho sobre essa pessoa. João Havelange?

    É uma pessoa importantíssima no nosso esporte, para o futebol brasileiro e para mim pessoalmente também. Porque eu tive vários momentos em que tomava café com ele ou encontrava na CBF e ele me dava conselhos que foram muito importantes na minha vida. 

    Ricardo Teixeira?

    Não tenho nada contra ele. Somos amigos, mas eu não tive aproximação igual. 

    Qual é o sonho que você ainda quer realizar?

    Acho que aí Deus não vai aceitar. Gostaria de realizar tantas coisas, é difícil você dizer o que gostaria de realizar, porque pensar é fácil. Acho que as coisas que sempre me preocuparam foram o bem-estar dos meus familiares, saúde, e o nosso Brasil. Porque é uma coisa que talvez seja até influência de quando fiz a primeira viagem na Copa do Mundo de1958, tinha 17 para 18 anos. Ninguém sabia o que era o Brasil. Muita gente dizia: Brasil, Argentina, Buenos aires. Foi uma mudança muito grande. O que eu gostaria de ver é um Brasil equilibrado, sem muita pobreza.

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