Mais do que nas medalhas, skate impacta identidade do Brasil nas Olimpíadas
Na primeira disputa da nova modalidade dos Jogos, país chegou ao pódio com Kelvin Hoefler, prata no street
Há cinco anos, quando o Comitê Olímpico Internacional confirmou o skate na programação do maior encontro esportivo do planeta, a intenção era clara: “um passo histórico em levar os Jogos para os jovens e refletir a tendência de urbanização do esporte”.
Então não é exatamente uma surpresa que a menor idade já registrada numa delegação brasileira nas Olimpíadas seja a de Rayssa Leal, que aos 13 anos e meio compete na noite deste domingo (25) na disputa feminina do street.
Nem que a primeira medalha do Brasil nesta edição seja logo na disputa inaugural da modalidade na história olímpica, depois de anos de tanto sucesso dos skatistas nos campeonatos e na repercussão dessa cultura ao redor do mundo. Kelvin Hoefler, do street, levou a prata na primeira madrugada da modalidade.
Se as Olimpíadas resolveram olhar para os meninos e meninas que tomam as ruas sobre quatro rodinhas, já era previsto que o Brasil marcaria forte presença. O impacto provavelmente será visível no quadro de medalhas, mas também na identidade do país nos Jogos, que passa a contar com essa imagem tão única, extrapolando as notas dadas após cada manobra.
Skate olímpico
A primeira sementinha foi plantada ainda em 1996. Corriam as edições do início dos X Games, a reunião das competições dos esportes radicais, e a cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos de Atlanta recebeu uma instalação para uma pequena exibição ao mundo. Tony Hawk, lenda do skate e eternizado num icônico jogo de videogame que leva seu nome, era um dos presentes.
Virou o século e a discussão estava posta. Havia um novo ambiente esportivo e cultural se profissionalizando, ganhando audiência na televisão, influenciando gente no mundo todo. O skate, atividade não institucionalizada por escolas e clubes, extremamente popular e tratada por muitos como algo marginal e restrito à contracultura, entrava na pauta definitivamente.
Houve muito debate e controvérsia, tanto sobre o modelo de organização quanto de dúvidas de skatistas diante de um “enquadramento” daquele estilo de vida como competição entre países. O skate como identidade, agora valendo uma medalha de ouro olímpica, a mesma da maratona, do ciclismo ou da natação. Esse dia chegou.
“É muito mais do que só ir lá competir por algum dinheiro ou para fazer seu trabalho. É na verdade mais do que uma arte. É um estilo de vida. É sair com seus amigos só para se divertir”, falou ao site das Olimpíadas, ainda antes dos Jogos, o americano Nyjah Huston, que era um dos favoritos e foi apenas o sétimo colocado na final deste domingo.
E se alguém tem dúvidas de que se trata de algo muito à parte, em que outra modalidade uma lenda do esporte brinca e convive com os favoritos ao título pouco antes da disputa começar para valer? Em Tóquio, nesses dias que sintetizam toda essa trajetória, ver Tony Hawk, aos 53 anos, andando de skate numa pista – olímpica! – e interagindo com a pequena Rayssa, 13, é uma prova de personalidade única.
O carisma da pequena Fadinha (ela viralizou em 2015 fazendo manobras com uma fantasia de fada nas ruas de sua cidade) encontrando o Pelé do skate é uma das marcas brasileiras no Japão. Com a liberdade de quem chama o ídolo de Tonyzinho, ela se diverte com alguém que é ídolo de gerações ainda bem anteriores à dela.
Mandatory Japan Air while in Tokyo
(I don’t make the rules) pic.twitter.com/F49b7xQ8Yi— Tony Hawk (@tonyhawk) July 24, 2021
“Como uma criança que era detonada por meu interesse no skate, eu nunca imaginei que um dia faria parte dos Jogos Olímpicos”, comentou Hawk, que está trabalhando como comentarista de TV nos Jogos. Sem deixar de tirar uma casquinha na pista, claro.
“No momento, estou no evento inaugural do skate olímpico enquanto ‘Skate and Destroy’, da [banda] The Faction, toca nos alto-falantes. Bem-vindos ao nosso mundo”, escreveu quando a pista recebia os primeiros competidores do dia.
Brasil olímpico
“Eu nunca pensei que o skate estaria aqui, mas eu gostei. Gostei da sensação, da Vila Olímpica. A gente nunca precisou, mas a energia do Brasil junto dos outros na Vila é diferente. Aqui eu estou representando meu país”, comentou Kelvin na saída do pódio, lembrando que, no circuito, não há muito essa distinção por nacionalidade.
A repercussão de uma estreia tomou as redes sociais. Entre posts, fotos e stories, muita gente começou a escrever que havia uma aparente divisão na equipe brasileira, já que outros atletas não estavam parabenizando Kelvin Hoefler após a conquista, enquanto havia referências ao campeão, o japonês Yuto Horigome.
Letícia Bufoni, que compete na noite deste domingo, resolveu se explicar em vídeo. “O Kelvin nunca está com a gente nos rolês. Por opção dele. Ninguém não gosta dele, pelo contrário. Mas ele não gosta muito de estar com a gente. A CBSk [Confederação Brasileira de Skate] não pode nem marcar ele nos stories porque ele bloqueou a CBSk. O skate é uma família independente se americano, francês. A gente torce para todo mundo.”
Seja por ineditismo, medalha, repercussão na internet, apelo do skate ou mesmo pela soma de todos esses fatores, fato é que a partir de agora há um novo elemento na história olímpica nacional. O Brasil chegou ao Japão com 129 medalhas na história, e em algumas disputas o público já sabe que a tendência é beliscar algum pódio. São 22 no judô, 18 da vela, 10 no vôlei. O vôlei de praia é um exemplo bem simbólico disso. Estreou em 1996 e tem 13 medalhas nos 12 torneios realizados até aqui. Uma chegada recente que logo se traduziu em vitórias.
Agora, de cara, em poucos dias de vida, o skate já pode figurar bem nessa lista, colando no patamar intermediário que tem atualmente, por exemplo, hipismo (3), tiro (4), ginástica (4), boxe (5) e basquete (5). Depois do street masculino finalizado na madrugada deste domingo, o Brasil agora fica na expectativa para o street feminino, onde Pâmela Rosa, Rayssa Leal e Letícia Bufoni são candidatas às medalhas; park masculino, com Luiz Francisco e Pedro Barros na parte de cima, e Pedro Quintas podendo surpreender; e park feminino, com Isidora Pacheco, Dora Varella e Yndiara Asp correndo por fora.
Presente na elite do skate, é como se a delegação brasileira levasse para o ambiente olímpico uma prateleira cheia de conquistas em X-Games e Mundiais, constante presença nas cabeças dos rankings e o respeito internacional sobre seus atletas. Aquela imagem que se tinha a cada quatro anos ganha a companhia de algo bem, bem brasileiro. E que não voltará de mãos vazias.