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    Como é o hotel de refugiados onde está Novak Djokovic na Austrália

    Antes utilizado pelo governo como instalação de quarentena para Covid-19, estabelecimento tem sido um local de detenção para refugiados e requerentes de asilo no país

    Hannah RitchieHilary WhitemanAnna Corenda CNN , em Melbourne, Austrália

    Durante meses, ativistas se reuniram na frente de um hotel decadente no centro de Melbourne, Austrália, pedindo que dezenas de refugiados ali retidos fossem soltos.

    Na sexta-feira (7), no entanto, um grupo diferente de manifestantes tinha um detento incomum em vista: o número um do tênis mundial Novak Djokovic, confinado ao hotel enquanto tenta revogar a suspensão de seu visto antes do Aberto da Austrália.

    “Liberte Novac [sic]”, dizia uma placa presa a uma raquete de tênis. “Deixe Novak jogar”.

     

    Os organizadores do torneio disseram na terça-feira (4) que Djokovic – que já criticou no passado a exigência da vacina contra a Covid-19 – recebeu uma “isenção médica” da exigência de que os visitantes internacionais devem ser totalmente vacinados para entrar no país.

    Djokovic chegou á Austrália esta semana e teve seu visto revogado, com o primeiro-ministro Scott Morrison dizendo que o sérvio de 34 anos “não tinha uma isenção médica válida”.

    O Tennis Australia, órgão regulador do esporte no país, foi avisado em uma carta em novembro de 2021 de que jogadores não vacinados com uma infecção recente de Covid-19 não poderiam entrar no país com base em diretrizes de saúde pública, conforme explicou o primeiro-ministro aos repórteres quinta-feira.

    A equipe jurídica de Djokovic obteve uma liminar contra a decisão, mas ainda não está claro se o campeão masculino do Aberto da Austrália na categoria individual poderá competir no torneio, que começa em 17 de janeiro.

    Os documentos do Tribunal publicados no sábado pelo Circuito Federal da Austrália mostram que Djokovic se beneficiou de uma isenção médica para competir após testes positivos para Covid-19 feitos em dezembro.

    Seus advogados estão apelando contra o cancelamento do visto e não quiseram comentar antes da audiência na corte, marcada para segunda-feira (10).

    O caso Djokovic foi muito além de uma emissão individual de visto. Ele causou raiva em pessoas que sentem que os ricos e poderosos podem viajar com facilidade mesmo em meio às duras regras da Austrália na pandemia, que separou famílias durante quase dois anos.

    O evento também irritou os grupos antivacina que acreditam que as restrições do coronavírus estão invadindo suas liberdades civis. Além disso, o caso trouxe preocupações da comunidade sérvia da Austrália, que acredita que Djokovic está sendo atacado injustamente.

    A novela Djokovic também destacou a situação dos requerentes de asilo na Austrália. Embora o astro do tênis seja, em última análise, autorizado a jogar no torneio ou forçado a sair do país, outros detidos no mesmo edifício estão presos há anos e enfrentam uma detenção indefinida ao abrigo das duras regras de imigração da Austrália.

    Indignação generalizada

    Havia algo em comum entre as dezenas de manifestantes de grupos de diferentes espectros políticos do lado de fora do Park Hotel na sexta-feira: o apelo pela liberdade.

    Alguns eram de grupos culturais sérvios, cantando e acenando a bandeira do país dos Balcãs, e viam a detenção de Djokovic como uma grande injustiça contra uma das maiores estrelas do esporte no mundo.

    “Eu não vejo por que ele deve ficar preso em um centro de detenção”, disse Tara, uma tenista júnior australiana-sérvia de 17 anos, que não quis revelar seu sobrenome. “Todos têm a sua própria liberdade de escolha, vacinados ou não.”

    Djokovic, que divide com Roger Federer e Rafael Nadal o recorde de 20 títulos de grand slam na categoria masculino individual, não revelou publicamente seu status de vacinação, mas manifestou a sua oposição às vacinas contra a Covid-19 em abril de 2020.

    Outros usaram a situação de Djokovic como uma oportunidade para criticar como a obrigatoriedade das vacinas tinha reduzido as liberdades civis.

    Uma mulher (que deu seu nome somente como Matto por razões de privacidade) disse que, se Djokovic fosse para casa, não acompanharia o torneio.

    “Eu ia todos os anos, mas não posso neste ano por causa da exigência de vacina”, disse Matto, acrescentando que não está vacinada.

    Outra pessoa mascarada, que se recusou a falar com a CNN, segurava uma placa declarando Djokovic como “refém do estado comunista”.

    Centro de refugiados

    Mas outros concentraram sua atenção nos cerca de 30 refugiados mantidos no hotel.

    Antes utilizado pelo governo australiano como instalação de quarentena para Covid-19, o hotel tem sido um local alternativo de detenção (APD na sigla local) para refugiados e requerentes de asilo durante pelo menos um ano.

    Há quase uma década, a Austrália disse que nenhum requerente de asilo que chegasse de barco poderia ficar no país. Centenas foram alojados em centros de processamento na costa durante anos, e outros foram enviados a hotéis na Austrália para serem tratados por problemas de saúde.

    Os refugiados ainda têm pouca esperança de liberdade e as condições em que se encontram são extremamente controversas. Em frente ao Park Hotel, que está marcado por uma faixa escrita “liberte-os”, Tom Hardman, professor de 27 anos, disse que tinha vindo para apoiar os refugiados.

    “Estou aqui porque a solidão e o dor que essas pessoas sofrem de não saber quando serão libertadas são insuportáveis”, afirmou.

    Oscar Sterner, 25 anos, disse que era contra tanto o movimento antivacina quanto a maneira como os refugiados eram mantidos no centro de detençao. Para ele, o problema real era colocar um visitante não vacinado em um hotel com refugiados que necessitavam de atenção médica.

    “Djokovic é um babaca milionário que tem causado, com razão, a raiva de muitas pessoas na Austrália”, protestou. “Ele não se importa em se vacinar para proteger as pessoas ao seu redor”.

    Como é lá dentro

    Os apoiadores de Djokovic atacaram o tratamento dado ao tenista. A mãe do atleta disse que seu filho está sendo “tratado como um prisioneiro”.

    “Lá é tão sujo e a comida é tão horrível”, disse Dijana Djokovic aos repórteres quinta-feira em uma coletiva de imprensa na capital da Sérvia, Belgrado. “Não é justo. Não é humano”.

    John Isner, estrela de tênis norte-americano, também tuitou em apoio a Djokovic, dizendo que mantê-lo no hotel “não está certo”.

    “Não há justificativa para o tratamento que ele está recebendo. Ele seguiu as regras, foi autorizado a entrar na Austrália e agora ele está sendo detido contra sua própria vontade. É uma vergonha.”

    A ministra para assuntos internos da Austrália, Karen Andrews, disse na sexta-feira que Djokovic “não está preso” e pode deixar o país quando quiser.

    “Ele é livre para sair a qualquer momento que quiser e a Força de Fronteiras vai facilitar isso”, disse Andrews à emissora pública ABC. “É da responsabilidade do viajante individual garantir toda a documentação necessária para entrar na Austrália.”

    As leis australianas de imigração permitem uma proibição de reentrada no país até três anos após o cancelamento de vistos em determinadas condições – mas não está claro se Djokovic enfrentará tal penalidade.

    Numa declaração dada na sexta-feira, a Associação Profissional de Jogadores de Tênis disse que Djokovic tinha garantido seu estado de saúde.

    “Com o máximo respeito por todas as opiniões pessoais sobre vacinas, atletas vacinados e atletas não vacinados (com uma isenção médica aprovada) devem ter a liberdade de competir”, disse a associação, que foi cofundada por Djokovic. “Continuaremos a apoiar e a defender os nossos membros, e todos os jogadores, de uma forma que seja aceitável para eles”.

    De acordo com a advogada de direitos humanos Alison Battisson, que tem quatro clientes dentro do Park Hotel, os visitantes sem o visto correto para entrar na Austrália são normalmente algemados e transportados para um centro de detenção de imigração em uma van branca com janelas filmadas.

    “É um processo incrivelmente traumático e desumanizador”, afirmou.

    Um vídeo do Park Hotel obtido pela CNN mostra detidos em quartos pequenos que incluem uma cama de casal, uma televisão e algumas cadeiras. Os requerentes a asilo têm acesso a uma escada que os leva a um telhado onde podem fumar. Não está claro se Djokovic está nas mesmas condições.

    “É uma janela, mas não podemos abri-la nunca”, contou Adnan Choopani, um dos detidos, em um vídeo filmado para a CNN.

    Embora o hotel pareça limpo e bem conservado nas filmagens de Choopani, houve relatos de problemas no passado. De acordo com a advogada Battisson, houve um surto de Covid-19 no hotel no ano passado, e os detidos teriam achado larvas na comida.

    Os outros detidos

    Para os 30 ou mais refugiados que se encontram no hotel, o destaque dado a Djokovic pela mídia é triste de se ver. Muitos estão detidos há anos e têm pouca esperança de sair.

    Mehdi, que pediu para usar apenas um nome para proteger a sua família, escapou do Irã quando tinha 15 anos e foi detido na prisão australiana há mais de oito anos, com acesso limitado a educação ou cuidados de saúde.

    “Eu cumpri meu tempo”, disse Mehdi, que fez 24 anos na sexta-feira. “Estamos sofrendo, exaustos, cansados… Estamos em detenção indefinida, o que significa que eles podem mantar a gente aqui o tempo que puderem, enquanto quiserem.”

    Choopani disse que ele e seus companheiros passam os dias sentados em seus quartos, e muitos tomam remédios para depressão. Choopani é primo de Mehdi, e também deixou o Irã aos 15 anos. Ele sonha em dar uma caminhada em uma rua ou sair para um café.

    “É inacreditável”, contou. “Acho que é só um pesadelo. Vivemos no século 21, num país que acredita na democracia e ainda faz esse tipo de coisa com pessoas inocentes.”

    Embora não esteja claro se Djokovic poderá jogar no Melbourne Park este mês, o astro do tênis acabará saindo do hotel.

    Craig Foster, um ex-jogador da seleção de futebol da Austrália que advoga pelos requerentes de asilo, diz que espera que, pelo menos, algum bem possa vir da situação.

    “De certa forma, é bom para o mundo ver como a Austrália tem tratado as pessoas que chegam aqui, quer sejam requerentes de asilo ou refugiados, ou mesmo um atleta como o Novak, que simplesmente caiu numa falha, aparentemente, na documentação do visto”, opinou.

    “Esperamos pelo menos que toda esta saga embaraçosa coloque os australianos em uma posição na qual entendam melhor a situação dessas pessoas”.

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