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    Radiohead revisita seu ponto de virada e recupera faixas inéditas e novas versões

    Grupo inglês lança a caixa Kid A Mnesia, em que trata os discos Kid A (2000) e Amnesiac (2001), como um só disco

    Alexandre Matiascolaboração para a CNN

    O grupo inglês Radiohead é um dos mais importantes das últimas décadas, mesmo que não lance nenhuma novidade desde seu disco mais recente, A Moon Shaped Pool, de 2016. Mas em vez de ficar parado, resolveu mergulhar em sua própria história em edições dissecadas de seus discos clássicos e começou em 2017, comemorando o aniversário de vinte anos do disco que o consagrou como uma das bandas mais inventivas dos anos 90, OK Computer, com a caixa OKNOTOK.

    Agora o quinteto encara o período posterior ao disco clássico de 1997, tratando os discos irmãos Kid A, lançado em outubro do ano 2000, e Amnesiac, lançado em maio de 2001, como um mesmo disco, na edição Kid A Mnesia, que chega às plataformas digitais nesta sexta-feira.

    Quando o Radiohead apresentou seu Kid A para o mundo, as transformações de cultura e comportamento rumo ao século 21 já haviam mudado completamente o cenário que tornou possível sua consagração com OK Computer.

    Da mesma forma que as pessoas estavam baixando músicas de graça na internet a partir da invenção de um novo software de compartilhamento de MP3 online (o Napster), o rock já estava cedendo para o rap e para a música eletrônica o posto de principal gênero musical do mercado fonográfico.

    A própria canção cedia espaço para experimentos pop que iam de músicas sem refrão a trilhas que nem tinham vocais. E o rock inglês, em voga na última década do século graças à explosão do britpop, que trouxe Oasis, Blur, Pulp e Suede, entre outras bandas, para os holofotes, fechava-se novamente para as próprias fronteiras do Reino Unido, fazendo grupos que se consolidaram nesta nova fase, ao lado do Radiohead, como Travis, Coldplay e Keane, soarem cada vez mais pop e inofensivos.

    Kid A e Amnesiac foram gravados simultaneamente, em sessões dirigidas pelo produtor Nigel Goodrich em estúdios em Paris, na França; em Copenhagen, na Dinamarca; Gloucestershire e Oxford, esta última a cidade-natal do grupo, na Inglaterra.

    O grupo vinha sofrendo as pressões do sucesso de OK Computer. O disco havia mudado as expectativas a respeito do Radiohead porque misturava espinhosos temas contemporâneos, da paranoia do cotidiano à onipresença da tecnologia, com camadas de guitarra, flertando com o rock progressivo e com o art rock que pareciam tão distantes das canções sentimentais que colocava o grupo em evidência em seu segundo disco, The Bends, de 1995. Este, por sua vez, já tinha sido um passo consistente para fugir da pecha de banda de um single só, cujo disco de estreia, Pablo Honey, de 1993, havia sido catapultado pelo hit “Creep”.

    OK Computer apresentava o trio formado por Thom Yorke (vocais e guitarra), Jonny Greenwood (guitarra), Ed O’Brien (guitarra), Colin Greenwood (baixo) e Philip Selway (bateria) como uma usina musical que descrevia a tensão pré-milênio como o desespero apocalíptico. E à medida que a década de 90 chegava ao fim, as preocupações e paranoias do grupo se materializavam de forma irreversível. Tanto a vida à sombra de um estado cada vez mais policial e fascista à ladeira consumista desenfreada, passando pela destruição da natureza e pela robotização das pessoas – tudo isso mediado por tecnologias digitais que eram aceitas sem quaisquer questionamentos.

    Esse imaginário distópico pintado pelas letras de Thom encontravam base em duelos de guitarra, teclados desolados, gritos desesperados, gemidos de dor. O desespero em forma de arte de OK Computer passava a dominar o imaginário coletivo do fim do século 20 e a expectativa por um novo álbum pressionava criativamente ainda mais o grupo.

    O sucesso do disco de 1997 aumentou consideravelmente o número de shows e aparições do grupo na mídia, no mundo todo, e seu vocalista e principal compositor, Thom Yorke, passou a sentir os efeitos da fama travarem sua criatividade. Sentiam que não podiam fazer uma mera continuação do disco anterior e mesmo tocando músicas inéditas nos shows que conversavam com a natureza sonora de OK Computer, acharam que seria melhor desbravar novos horizontes musicais.

    Tanto que quando o disco vazou, em julho do ano 2000, muitos estavam céticos que aquele era, de fato, o novo disco do Radiohead. Era a primeira vez que um disco aparecia na internet antes de seu lançamento e a opção pela estranheza estética pegou a todos de surpresa.

    Em Kid A, disco batizado em homenagem ao primeiro e fictício clone humano, o Radiohead explorava novos instrumentos e deitava-se na eletrônica. Sua principal referência era a gravadora inglesa Warp, que lançava discos de artistas herméticos e de vanguarda, como Aphex Twin, Boards of Canada, Autechre, Squarepusher e LFO. Eram artistas essencialmente eletrônicos, que desfiguravam o formato canção, e que foram faróis para o grupo naquele momento.

    Mas não só: havia também um apreço pelo jazz rock de Miles Davis no final dos anos 70, uma reverência ao rock experimental do grupo alemão Can, entre outras idiossincrasias musicais. O ponto mais gritante de Kid A era a praticamente ausência de guitarras. Instrumento central em OK Computer, ela desaparecia entre blips, beats, teclados e camadas atmosféricas.

    A estranheza de um disco que reunia canções que hoje são clássicos do grupo (como “The National Anthem”, “Idioteque”, “Optmistic” e “Everything In Its Right Place”) fazia muitos duvidarem que, se aquele disco vazado três meses antes do lançamento oficial, fosse mesmo um disco do Radiohead, provavelmente seria um fracasso comercial – não só do ponto de vista estético como a partir do fato de que as pessoas já o teriam ouvido de graça, portanto não o comprariam.

    O que aconteceu foi justamente o contrário: Kid A é um dos discos que mais venderam no mundo naquele período e até hoje segue como um dos discos mais ouvidos do Radiohead.

    Ele estabeleceu um novo parâmetro musical não só para outras bandas da época, como popularizou um novo tipo de música eletrônica, que, embora não tenha saído do nicho, pode influenciar outros tantos artistas mundo afora e permitiu que o grupo inclusive lançasse seu disco irmão, Amnesiac, menos de um ano depois, não apenas para reforçar a similaridade entre os dois discos, como também para lançar as músicas que tinham mais cara de OK Computer e que estavam sendo tocadas em shows, como “I Might Be Wrong”, “You and Whose Army?”, “Knives Out” e “Pyramid Song”.

    Vistos como um mesmo disco, vinte anos depois, Kid A e Amnesiac soam como um exercício de transição clássico que diferentes artistas atravessaram em momentos pivotais de suas carreiras, como a fase psicodélica (com a dobradinha Sgt. Pepper’s e Magical Myster Tour) dos Beatles, o trio elétrico (Bringing it All Back Home, Highway 61 Revisited e Blonde on Blonde) de Bob Dylan, os discos eletrônicos (Achtung Baby e Zooropa) do U2, os discos de Gilberto Gil e Caetano Veloso em Londres, a fase elétrica de Miles Davis (entre In a Silent Way e Bitches Brew). Para o Radiohead, os dois discos trouxeram uma libertação das amarras do rock e sobrevida para que seguissem mais uma década como uma das bandas mais importantes do mundo.

    A nova edição ainda traz um terceiro disco de faixas que sobraram no estúdio e que são um verdadeiro deleite para os fãs. De uma versão alternativa para “Like Spinning Plates” a uma terceira “The Morning Bell” (única música que se repete nos dois discos), passando pelas cordas isoladas em “Pyramid Song” e “How to Disappear Completely” e pelas inéditas “If You Say the Word” e “Follow Me Around”. Mas o grande momento talvez seja a deslumbrante “True Love Awaits”, uma de suas músicas mais antigas e só registrada oficialmente no disco de 2016, que surge escondida sob os ruídos de “Pulk/Pull”. Para ouvir de olhos fechados.

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