Movimento “ecossexual” promove casamentos que celebram a Terra
Cerimônias que podem parecer brincadeiras à primeira vista unem causas ambientalistas à visão da Terra como como fonte de prazer e saúde
Quando as parceiras de longa data Annie Sprinkle e Beth Stephens se casaram com a Terra em 2008, escolheram um cenário exuberante entre as verdes sequoias de Santa Cruz, Califórnia, para receber mais de 300 convidados alegres e vestidos de verde.
O evento foi animado por várias perfomances: dois artistas surgiram presos por uma jiboia, uma cantora de ópera fez strip-tease e houve uma sessão de palmadas nas noivas? com rosas de caule longo no lugar de chicotes. Enquanto Annie e Beth liam seus votos de homenagem e valorização da Terra, pediram aos convidados que os cumprissem também. Cada participante recebeu um saco de terra e foi convidado a inalar o perfume.
Esse “casamento verde” não foi o primeiro das duas, e estava longe de ser o último. Desde a primeira união, uma união civil firmada em 2003, as artistas performáticas se casaram com o céu, a Lua, a neve e o Sol, entre outras entidades naturais. Realizaram cerimônias em todo o mundo com centenas de convidados, até mesmo se casando com o Mar Adriático na prestigiosa Bienal de Veneza.
Após seu “casamento verde”, as duas norte-americanas deram ao movimento um nome – e um manifesto. As duas se autodeclararam “ecosssexuais”, comprometidas em tratar o planeta como amante para salvá-lo. “Estamos realmente tentando mudar as lentes pelas quais as pessoas veem a Terra”, disse Beth Stephens em uma entrevista em vídeo com Annie Sprinkle. “Mais do que um recurso, queremos que as pessoas vejam a Terra como uma fonte de prazer na vida e na saúde. Estamos realmente interconectados”.
Essas cerimônias grandiosas podem parecer paródias à primeira vista. Mas, por mais brincalhonas que Beth e Annie possam ser, elas estão respondendo a questões importantes.
As artistas adotaram rituais de casamento como um veículo para atos LGBTQIA+ e de positividade sexual em uma época em que casais do mesmo sexo não podiam se casar nos Estados Unidos, assim como de ativismo ambiental num período em que estava ficando claro o quão perigosa a emergência climática se tornara. Como artistas, disse Beth, elas usam “estratégias de alegria” e “absurdo”.
A união de quase 20 anos da dupla produziu performances, exposições, eventos e teorias ecosssexuais. Um novo livro, chamado “Assuming the Ecosexual Position: The Earth as Lover”, (“Assumindo a posição ecossexual: a Terra como Amante”, sem edição no Brasil) detalha essa prática, desde os primeiros projetos sobre amor e intimidade, até seus casamentos anuais e seus documentários como “Water Makes Us Wet” (“Água nos deixa molhadas”). Seu próximo filme sobre incêndios florestais e “incêndios sociais”, de Beth Stephens, será apoiado por uma bolsa Guggenheim Fellowship.
O compromisso das amantes da Terra (em vez de filhas da Terra) significa que elas estão “loucamente, intensamente e ferozmente apaixonadas” por nosso planeta, como proclamaram em seu manifesto há uma década. “Abraçamos árvores descaradamente, massageamos a Terra com nossos pés e falamos eroticamente com as plantas”, escreveram. “Fazemos amor com a Terra com os nossos sentidos”.
O casamento como performance
O primeiro casamento de Beth e Annie foi uma união civil celebrada em San Francisco, mais de uma década depois de se conhecerem na Universidade Rutgers. A cerimônia causou impacto na comunidade – elas declararam seu amor ao lado de outros 33 casais, tanto LGBTQIA+ como heterossexuais.
Annie usou um vestido em estilo discoteca prateado e um espanador com acabamento de penas; Beth vestiu um smoking prateado. O evento incluiu apresentações do San Francisco Gay Men’s Chorus e do coral transgênero The Believers. Elas explicaram que foi ali que perceberam que poderiam mobilizar a cerimônia de casamento como um meio de envolver mais conversas políticas, construir comunidade e gerar amor. “Todo mundo conhece a narrativa dos casamentos, como são as alianças, os votos, o beijo”, acrescentou Annie. “É realmente uma performance”.
Em seus casamentos subsequentes, que se tornaram parte de um projeto de sete anos intitulado “Laboratório de Arte do Amor”, os participantes também puderam fazer os votos. Elas colaboraram com diferentes artistas em cada evento e recusaram presentes materiais. (Elas sempre pedem que alguém se oponha ao casamento, uma tradição iniciada por um amigo que leu uma lista dos “Dez principais motivos pelos quais o casamento deve ser abolido”, detalhando como a instituição é desigual e desatualizada.)
Inspirado pelo trabalho de sua amiga íntima e mentora, a artista performática Linda Montano, Beth e Annie atribuíram uma ‘cor de chakra” e um tema para cada um dos sete anos em que trabalharam no projeto. No primeiro ano, 2004 (ou o “Ano Vermelho”), o casal estreou uma série de apresentações públicas de carinho e sessões de beijos de horas de duração.
Também hospedou clínicas de sexo na calçada e realizou seu “Casamento Vermelho” em um antigo clube burlesco. No “Ano Laranja”, elas se casaram com sua comunidade, e os convidados vieram vestidos como espremedores de laranja e cenouras. O “Ano Verde”, quando elas declararam sua ecosssexualidade, foi o quarto ano. “Nosso amor uma pela outra cresceu para e tornar amor pela comunidade, amor pelo meio ambiente”, observou Annie.
Quando elas começaram a se casar com o mundo natural, os casamentos se tornaram maiores e mais teatrais. No “Ano Azul”, além de seu casamento com o mar em Veneza, as artistas se casaram com o céu em Oxford, no Reino Unido. O “Ano Púrpura”, a seguir, foi um casamento noturno numa rave com a Lua e uma união diurna com os Montes Apalaches. O último casamento no projeto de sete anos foi com a neve, em Ottawa, Canadá, onde todos se vestiram de branco em uma catedral desconsagrada logo após uma forte tempestade de neve.
Embora o “Laboratório de Arte do Amor” tenha chegado ao fim em 2011, elas continuaram suas apresentações de casamento, mesmo enquanto embarcavam em uma série contínua de projetos através do E.A.R.T.H. Lab da Universidade da Califórnia em Santa Cruz (onde Beth preside o departamento de arte). As cerimônias pós-Love Art Lab incluíram uma celebração punk rock chamada “Casamento com o Carvão”, com todos de preto, na Espanha, e o “Casamento Sujo com o Solo” em Krems, Áustria.
Mas, embora Annie e Beth não organizem mais os casamentos, outros entusiastas ecosssexuais abraçaram a causa. Pouco antes da pandemia de Covid-19, um grupo chamado Future Farmers convidou as duas para se casarem com a névoa na UC Santa Cruz. Em setembro, a artista e estudiosa Ewelina Jarosz realizará um casamento entre Sprinkle, Stephens e um crustáceo da região de Great Salt Lake, Utah.
“Nós passamos a tocha do casamento para as gerações futuras e futuras noivas e noivos”, afirmou Sprinkle. O livro ainda inclui instruções sobre como se casar com elementos da natureza, para quem deseja organizar suas próprias cerimônias. Após a divulgação do relatório da ONU na semana passada, que incluiu a avaliação mais urgente das mudanças climáticas até o momento, a dupla acrescentou por e-mail: “Gerar mais amor pelo meio ambiente é mais necessário do que nunca”.
Annie Sprinkle e Beth Stephens há muito usam seus projetos colaborativos para trazer alegria em meio a injustiças e dificuldades, para reformular a relação das pessoas com o meio ambiente – e para tornar a salvação do planeta um pouco mais sexy.
(Texto traduzido. Clique aqui para ler o original em inglês).