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    Crítica: “A Mãe” é drama sóbrio que acompanha busca incansável por filho desaparecido na periferia de SP

    Em entrevista à CNN, o diretor Cristiano Burlan fala sobre a linha tênue entre ficção e documentário ao abordar temas ligados à família

    Isabella Fariada CNN , em São Paulo

    “Vou te dar um conselho: pare de procurar seu filho e pare de falar bobagem por aí”.

    Essa é apenas uma das inúmeras frases ditas à Maria (Marcélia Cartaxo), uma mãe-solo que vê seu filho sumir do dia para a noite na periferia de São Paulo.

    Todos encorajam, e até coagem, a mulher a ficar calada e em casa, sem sair buscando respostas para o desaparecimento de Valdo (Dunstin Farias), Maria, entretanto, não dá ouvidos a ninguém, nem a vizinhos, traficantes ou policiais.

    Silenciosamente, ela trilha seu caminho, entrando em contato com a violência dos centros urbanos, mas também conhecendo a resistência de diversas mães que passaram por situações parecidas.

    “Adoraria fazer filme sobre uma família feliz, bonita, que vive de frente pro mar, mas a minha própria história faz parte da história de muitos filhos e muitas mães da periferia das cidades brasileiras”.

    Cristiano Burlan é um cineasta gaúcho que, para lidar com a perda da própria família, foi fazer cinema. Fez, mais precisamente, a Trilogia do Luto com os documentários “Construção (2007)”, dedicado ao pai, “Mataram meu Irmão” (2013) e “Elegia de Um Crime” (2018), para sua mãe.

    Para o filme “A Mãe”, Cristiano Burlan se inspirou em sua memória afetiva e na tragédia grega “Antígona”, uma personagem que luta para enterrar o corpo do irmão.

    Apesar do cineasta transitar entre ficção e documentário, a nomenclatura, para Cristiano, não importa muito.

    “Só penso nisso quando vou me aplicar para um edital ou inscrever um filme em um Festival”, diz, “mas, essencialmente, eu posso me considerar um documentarista”.

    Há, inclusive, diversos traços documentais em “A Mãe”, a começar pelos ambientes. O longa foi filmado em São Paulo, no centro da cidade e no Jardim Romano, Zona Oeste da capital. Pela fotografia, Cristiano explicita como o caos urbano engole as pessoas, fazendo elas parecerem diminutas em planos muito abertos, seja captando terrenos baldios ou os prédios enormes do Anhangabaú.

    Cristiano Burlan se inspirou em sua memória afetiva e na tragédia grega “Antígona” para o filme / Divulgação/Bela Filmes

    O naturalismo, portanto, se faz muito presente no longa, aproximando-o da realidade. O tempo de guardar algo na mochila, de tomar um copo d’água ou, até mesmo, de executar alguém é exatamente o tempo que tudo isso leva fora das telas. Também não é ficção as fotos de pessoas desaparecidas mostradas de relance quando Maria vai até um escritório que presta apoio à pais e mães de homens e mulheres cujos corpos nunca foram encontrados.

    E não poderia ser mais real o monólogo de Débora Silva, líder do movimento ativista “Mães de Maio”, que busca esclarecimentos para os crimes cometidos por policiais e grupos paramilitares em “resposta” aos ataques do PCC, em 2006, em São Paulo.

    “A presença da Débora traz uma dimensão humana que talvez fosse necessário ao filme. É claro que, quando colocamos uma pessoa real para discursas, isso diminui a força dramática, a possibilidade de dramaturgia…”, diz Cristiano, “mas tê-la no filme acaba sendo muito mais importante pra mim e pras pessoas que são atravessadas por esse filme”.

    Cristiano acredita que ninguém saiu incólume do longa, inclusive Marcélia Cartaxo. Paraibana, a atriz se tornou conhecida já pelo seu filme de estreia, “A Hora da Estrela”, interpretando a protagonista Macabéa.

    Naturalismo se faz presente no longa, aproximando-o da realidade / Divulgação/Bela Filmes

    Marcélia é uma Maria que atua com os olhos. Não há reações exageradas, desespero, gritos; há catarse, determinação e uma fúria direcionada às pessoas certas.

    “Policial é tudo igual, mesmo”, a personagem diz no filme.

    Para o diretor, não havia outra opção de protagonista a não ser Marcélia.

    “O filme foi escrito para ela e pro rosto dela. Ela sempre foi a única possibilidade, se ela não pudesse, ou não aceitasse, eu não faria o filme”, diz.

    Marcélia, portanto, conseguiu encapsular em si mesma todas as Marias-mães do Brasil que sofrem com desaparecimentos não explicados e vidas interrompidas bruscamente.

    No fim do filme, um último aceno à realidade: o grupo “Mães de Maio” posa para a câmera.

    “Diante de um ativismo tão grande, o ato de fazer um filme acaba se tornando pequeno”, diz Cristiano, “mas o que fica, pra mim, é a força dessas mulheres que, apesar de tudo, continuam”.

    “A Mãe” está nos cinemas de todo país.

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