Como Faustão virou influência e mudou a maneira de fazer programas na televisão
Carisma do apresentador Fausto Silva com público, artistas e marcas garantiu longevidade do programa e deixa vácuo nas tardes dominicais
Foram 32 anos entrando na casa do público brasileiro aos domingos na Globo. Um dos maiores comunicadores da história da televisão no Brasil, o apresentador Fausto Silva se tornou uma espécie de parente que muitas famílias sabiam que iriam encontrar depois de almoçar, colocar a louça em ordem, sentar diante da TV e sintonizar na emissora. E, mais uma vez, o dono de bordões como “ô louco, meu” e “quem sabe faz ao vivo” embalaria a tarde preguiçosa dominical até começar o “Fantástico” – só pausando para o futebol.
O apresentador deixou o comando do “Domingão” em junho de 2021 e começou um programa diário na Band, antiga casa onde comandou o lendário “Perdidos na Noite”, entre 1986 e 1988, em janeiro de 2022. Nesta quinta-feira (18), 18 meses após comandar o “Faustão na Band”, a emissora informou que o contrato com o apresentador chegou ao fim.
Ao longo dessas três décadas, Faustão conquistou, a seu modo, diferentes gerações. Mesmo nos dias de hoje, em que plataformas de streaming, canais a cabo e games competem pela atenção dos mais jovens, o apresentador de 71 anos é um rosto conhecido desse público, seja pelos memes com suas camisas espalhafatosas ou vídeos que viralizam nas redes sociais, seja por intermédio dos pais e avós.
Bom de marca
Maior salário da Globo enquanto esteve lá, algo em torno de R$ 5 milhões por mês, Fausto comandou o programa de auditório mais longevo da emissora – no SBT, esse título é de Silvio Santos. E o que explicaria a longevidade do ‘Domingão’ e do próprio Faustão como apresentador?
“Por mais de 30 anos, as pessoas ligaram a TV e sabiam que ele estaria lá. Isso traz conforto. Toda semana, ele trazia a sensação de que o fim de semana está acabando e amanhã começa novamente o ciclo cotidiano. Esse hábito duradouro faz com que aquilo se torne parte da nossa identidade”, avaliou Clarice Greco, pesquisadora de televisão e doutora em Comunicação.
Para a jornalista e crítica de TV Edianez Parente, Faustão é um fenômeno da comunicação, mas, para além disso, é um comunicador de marcas. E isso vem desde os tempos de “Caminhão do Faustão”, nos anos 1990.
“Ele é muito eficiente na comunicação de mensagem publicitária e isso deu uma força incrível para o programa. Depois do Silvio Santos, que é o dono do Baú e grande comunicador da própria marca, Faustão foi quem melhor trabalhou a comunicação das marcas para o público, principalmente para a audiência popular.”
Edianez cita alguns cases de sucesso, como quando Faustão ensinou o que era celular pré-pago, ao fazer propaganda da antiga companhia BCP, que estava entrando no mercado, e quando apresentou o Magazine Luiza, então uma marca do interior de São Paulo que ainda não havia chegado às grandes capitais.
Mais recentemente, em 2018, uma ação do apresentador com a marca Vigor viralizou: em vez de falar do iogurte, Faustão o experimentou ao vivo. A iniciativa surpreendeu a própria marca e teve grande repercussão, inclusive no meio publicitário. Com uma outra ação de merchandising, com a Bauducco, no quadro “Dança dos Famosos”, em 2013, a marca atingiu picos de vendas de até 40% de alguns produtos.
“Essa sobrevida do Faustão muito se deve à capacidade de comunicação de marcas que ele tem. Não estou tirando os méritos de entertainer dele, mas ele é uma pessoa muito querida no meio, e ele mesmo conseguia atrair esses anunciantes para o programa”, disse a jornalista, que é vice-presidente da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), onde também é integrante do júri de TV.
Bom de caçar e promover talentos
Faustão também é querido no meio artístico. Os artistas gostavam de participar do programa, queriam estar lá. Reflexo disso foi a onda de homenagens que o apresentador ganhou nas redes sociais após o anúncio de sua saída da Globo. Seu programa revelou uma série de nomes, como Flávia Alessandra, Adriana Esteves, Otaviano Costa, Fábio Porchat, entre tantos outros.
“Sem ele a TV não teria metade dos artistas que tem hoje. Obrigado por tudo, Fausto!”, escreveu Porchat, em sua rede social, juntamente com um vídeo relembrando a participação dele e de Paulo Gustavo, ambos em início de carreira, no “Domingão”.
No quadro “Ding Dong”, uma espécie de “Qual é a Música?” só que com uma campainha no lugar das notas do maestro ao piano, o apresentador recebia cantores e músicos de diversos estilos, alguns havia até muito tempo longe da TV.
Produtores e assessores da área de música ouvidos pela reportagem confirmam que, quando um artista se apresentava no programa ou mesmo era mencionado, a repercussão junto ao público era certa e imediata. E isso desde que o “Domingão” estreou, em 1989.
“O Faustão teve uma importância muito grande também para os artistas que estavam fora da mídia, porque ele sempre anunciava aqueles lançamentos de livros e discos. Por exemplo, os artistas que trabalham comigo, a Claudette Soares, a Eliana Pittman, a Alaíde Costa: todas as vezes que saíam discos delas, a gente mandava, e ele sempre falava, exaltava. Acho que ele não podia levar ao programa, sabia que não tinha aquela coisa popular para a audiência, mas ainda assim dava cobertura. Isso era coisa dele, não era da produção”, afirma o produtor musical Thiago Marques Luiz.
A cantora Claudette Soares, de 85 anos, nunca esteve no palco do “Domingão”, mas se lembra bem da repercussão após Faustão falar ao vivo de dois trabalhos seus, um álbum em homenagem a Tom Jobim e outro, dela com Alaíde Costa, em tributo aos 60 anos da Bossa Nova.
“A divulgação é muito grande, porque o programa tem muita força. Foi realmente um estouro”, garante a cantora. “Quando apresenta os artistas, ele tem um olhar especial para cada um. Fala do trabalho, da importância, não tem distinção de quem está na mídia e de quem não está.”
Guerra por audiência
Olhando em retrospectiva para a trajetória de Faustão, o apresentador inovou, principalmente, na forma direta com que se comunica com o público, sem travas na língua, com jeito irreverente e simples, aponta Edianez Parente.
“Ele não se comunicava necessariamente com o auditório, diferentemente do Silvio Santos, que sempre falou com as ‘colegas’. Faustão já é direto com a audiência mesmo”, diz ela. “A principal marca dele é o ao vivo. E isso é uma diferença em relação a outros programas de auditório.”
Essa marca da agilidade foi arquitetada por ele. “O Boni [José Bonifácio de Oliveira Sobrinho] me perguntou: o que você gostaria de fazer? Eu gostaria de fazer um programa que tivesse a rapidez e a agilidade do rádio, e principalmente uma integração de todos os departamentos, os setores. Eu tinha essa ideia sabendo que eles queriam o horário de domingo, que era o horário que a Globo tinha problema de audiência há muitos anos. Eu queria fazer um programa já naquela época com toda essa flexibilidade, essa agilidade, a rapidez do rádio integrando esporte, jornalismo, dramaturgia, show, tudo, responsabilidade social, prestação de serviço público. Na hora, ele aprovou”, contou o apresentador em depoimento ao “Memória Globo”.
Fora das redes sociais, Fausto Silva ocupava a liderança de audiência aos domingos, com Record e SBT oscilando no segundo lugar. Mas, para Edianez, isso diz mais respeito à Globo do que ao apresentador. “É a força da emissora. Faustão estava dependendo mais da Globo para o programa dele do que dele mesmo, porque o que vinha dando audiência ao programa, o que recheia o programa são os quadros ‘Dança dos Famosos’, ‘Show dos Famosos’. São formatos internacionais adquiridos pela Globo”, analisa.
Tanto que o programa agora sob o comando de Tiago Leifert tem mantido a audiência dos domingos com Faustão. Em um domingo, o programa com Leifert atingiu média de 16,2 pontos de audiência em São Paulo; Faustão havia marcado 15,7 pontos no último dia em que apresentou o Domingão, em 6 de junho, segundo informações divulgadas pelo Twitter.
Ex-repórter e com passagens como apresentador por TV Gazeta, Record e Bandeirantes, Faustão chegou à Globo em 1989, num posto que seria ocupado por Gugu Liberato. Gugu preencheria uma lacuna deixada pela morte de Chacrinha, em 1988, na linha de programa popular. Mas, a pedido de Silvio Santos, Gugu foi para o SBT e a Globo convidou Faustão, que na época apresentava ‘Perdidos na Noite’, na Band.
Entre os anos 1990 e início dos anos 2000, Gugu e Fausto Silva protagonizaram a guerra pela audiência na TV aberta, um vale-tudo que muitas vezes criava situações vexatórias – ou cringe, para usar uma expressão atual –, como o sushi erótico do ‘Domingão do Faustão’, em 1997 e a ‘Banheira do Gugu’. Um anacronismo dessa guerra, que sobreviveu até os dias de hoje, são as bailarinas do Faustão. Em contrapartida, a atração fez sucesso com quadros como ‘Caminhão do Faustão’, ‘Olimpíadas do Faustão’, ‘Se Vira nos 30’ e até as ‘Videocassetadas’.
Os sucessores
Com a saída de Faustão da Globo, Tiago Leifert assumiu o comando do programa dominical, que passou a se chamar “Super Dança dos Famosos”, até Luciano Huck estrear seu projeto no horário, dia 5 de setembro de 2021.
Segundo Clarice Greco, pesquisadora de TV, a extinção do “Domingão do Faustão” não representou necessariamente o fim de uma era.
“Ainda há o Silvio Santos, que é um pilar importante dessa geração de apresentadores, mas acredito que, justamente pela relevância da memória construção da e consolidada, o ‘Domingão do Faustão’ será sempre um marco da TV, assim como Chacrinha”, afirma.