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    Clássicos da música brasileira lançados em 1972 completam 50 anos este ano

    Discos de Tim Maia, Elis Regina, Erasmo Carlos, Paulinho da Viola, Gilberto Gil e Rita Lee transformaram o ano de 1972 um período mágico para nossa música

    Divulgação

    Alexandre Matiascolaboração para a CNN

    Há 50 anos, a música brasileira vivia um de seus anos mais intensos. 1972 marcava não apenas a maturidade de toda uma geração de artistas que surgiu e se encontrou como artista a partir do acontecimento da bossa nova, como assistia ao início de uma fase de ouro da indústria fonográfica no país, quando milhões de discos eram vendidos mesmo se eles não tivessem apelo comercial.

    Assim, o ano de 1972 foi palco para o desabrochar de carreiras que já tinham sido estabelecidas, permitindo a seus autores dar passos ousados rumo a direções impensáveis.

    Cinco discos acabam sintetizando esse ano miraculoso: a principal unanimidade da discografia de Caetano Veloso (“Transa”); o disco em que Milton Nascimento revelou uma geração brilhante de conterrâneos (“Clube da Esquina”); o registro que mostrou que os Novos Baianos eram muito mais do que uma banda de rock (“Acabou Chorare”); a consolidação de Elis Regina como a maior intérprete brasileira (“Elis”); e o disco que viu a volta de Gilberto Gil ao Brasil, depois do exílio em Londres (“Expresso 2222”).

    Esses são apenas os exemplos mais populares. O ano ainda assistiu a voos mágicos de Erasmo Carlos, Jorge Ben, Paulinho da Viola, Tim Maia e Tom Zé, aos espetaculares discos de estreia de Jards Macalé, Toni Tornado, Quinteto Violado e Lô Borges, a obras-primas do rock nacional como o estranho disco único do Módulo 1000 e o último disco dos Mutantes com Rita Lee – embora creditado como sendo um disco solo da cantora paulistana. Além do compacto em que Tom Jobim apresentou “Águas de Março” para o mundo.

    Neste especial, que começa nesta sexta-feira (14) e vai até domingo (16), separamos 20 discos – embora haja muitos outros – que mostram como nossa música viveu um momento único em sua história há exatamente meio século.

    Caetano Veloso – Transa

    Segundo disco que o baiano gravou em seu exílio londrino, “Transa” é indiscutivelmente a grande obra prima de Caetano Veloso. Primeiro disco que o cantor e compositor gravou em formato de grupo, com uma banda regida por Jards Macalé (diretor musical do disco) e com uma formação que incluía o baixista Moacyr Albuquerque, o percussionista Áureo de Souza e o baterista Tutty Moreno, além dos violões de Caetano e Jards.

    E enquanto os músicos criavam arranjos entre o samba, o rock, o funk e o jazz (com um tempero inédito de um certo gênero jamaicano chamado reggae, que começava a despontar no Reino Unido), o autor do disco compunha canções enfileirando pedaços de outras músicas, sample humano de um conhecimento musical enciclopédico.

    Assim, “You Don’t Know Me”, que abre o disco, cita “Maria Moita” de Carlos Lyra, “Reza” de Edu Lobo, “Hora do Adeus” de Luiz Gonzaga e “Saudosismo”, do próprio Caetano. Na faixa seguinte, “Triste Bahia”, um poema do século 17 do também baiano Gregório de Matos, citando cantos de capoeira, “Eu Já Vivo Enjoado”, de Mestre Pastinha, “Capoeira do Arnaldo” de Paulo Vanzolini e o Hino a Nossa Senhora da Purificação.

    “It’s a Long Way”, que acena aos Beatles em seu título, enfileira citações literais de “Sôdade, Meu Bem, Sôdade” de Zé do Norte, “Água com Areia” de Jair Amorim e Jacobina, o afrossamba “Consolação” e “A Lenda do Abaeté” de Dorival Caymmi. O disco ainda conta com a participação de Gal Costa e o primeiro registro fonográfica de uma jovem Angela Maria Diniz Gonçalves, que tocava gaita na última música do disco e logo se lançaria como cantora e compositora como Angela Ro Ro.

    Assim, acompanhado por uma banda injustamente não-creditada à época (que deu origem ao hoje clássico – e superado – cisma entre Jards e Caetano), o tropicalista costura a história de um Brasil baiano que contrasta com os sentimentos do disco anterior, em que o cantor soava triste, introspectivo e sorumbático, devido às condições que fora obrigado a morar em outro país.

    Imaginando um país com mais horizontes que as trevas daquele início de década, ele plantava a semente não apenas de uma ideia de Brasil como de sua própria carreira solo, que ganhava novos ares a partir deste disco lançado naquele janeiro de 1972, há 50 anos.

    Elis Regina – Elis

    Quando a cantora gaúcha entrou nos anos 1970, sua principal preocupação era não soar datada, buscando arranjos modernos e ousados para canções de compositores novatos, uma das características de sua carreira. Fez isso em dois discos dirigidos pelo jornalista Nelson Motta (os magníficos “Em Pleno Verão”, de 1970, e “Ela”, do ano seguinte), entrando na década com uma autoridade artística à altura de sua voz e de seu domínio de palco.

    Mas 1972 marcou o fim de seu casamento com Ronaldo Bôscoli e a entrada do músico César Camargo Mariano, seu futuro marido, em sua vida. Mariano, que até então era tecladista de Wilson Simonal, pegou Elis do ponto solto por Motta e transformou-a num diamante perfeito justamente neste que é conhecido como “o disco da cadeira”, devido à foto de sua capa.

    Para gravar o disco, César reuniu a banda que tornou-se uma das armas secretas da cantora, batizada internamente de “quarteto fantástico” e que, além do tecladista, contava com o baixista Luizão Maia, o guitarrista Hélio Delmiro e o baterista Paulo Braga.

    Com esta formação, Elis gravou seus maiores clássicos – do imortal “Elis & Tom”, de 1974, à sua histórica apresentação no festival de Montreux, lançado após sua morte, em 1982 -, mas talvez este Elis seja sua pedra fundamental.

    O repertório escolhido pela cantora ao lado do diretor artístico Roberto Menescal não apenas é composto de um conjunto de canções novíssimas que se tornaram clássicos da música brasileira, como estas têm algumas de suas versões definitivas justamente neste disco de 1972.

    Não é pouca coisa: o recém-lançado clássico instantâneo “Águas de Março” de Tom Jobim, um dos maiores momentos de Chico Buarque com Francis Hime (“Atrás da Porta”), a perfurante “Bala com Bala” de Aldir Blanc e João Bosco, duas de Milton Nascimento com Ronaldo Bastos (apenas “Nada Será como Antes” e “Cais”), o ápice do Pessoal do Ceará (o hino “Mucuripe”, de Belchior e Fagner) e duas joias de Zé Rodrix (a imortal “Casa no Campo”, parceria com Tavito, e a injustiçada “Olhos Abertos”, com Guarabyra).

    Acha pouco? Elis ainda abre com a jazzy “20 Anos Blue”, de Vítor Martins e Sueli Costa, “Me Deixa Em Paz”, de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro, e duas pérolas de um passado distante – o samba-canção “Vida de Bailarina” (de 1953) e a valsa “Boa Noite Amor” (de 1936!), para conectá-la com uma de suas principais inspirações, a rainha do rádio Angela Maria. Um disco irrepreensível, de ponta a ponta, que consagraria Elis como um dos maiores nomes de nossa música – aos 27 anos.

    Erasmo Carlos – Sonhos e Memórias: 1941-1972

    Ao atravessar os 30 anos de idade, o antigo “Tremendão” da Jovem Guarda entrava nos anos 1970 em plena transformação. Passado o frenesi do programa de TV que fazia com Roberto Carlos e Wanderlea, ele começava uma desconstrução de sua personalidade que o trazia de volta às suas raízes.

    Por dois anos consecutivos, lançou discos introspectivos e mágicos, que cada vez mais misturavam gêneros musicais como se seu compositor buscasse a essência da própria musicalidade.

    E se em “Erasmo Carlos e os Tremendões”, de 1970, e no clássico “Carlos”, Erasmo do ano seguinte, ele afiava ao mesmo tempo sua voz, seu texto e suas ideias musicais, e em 1972 chegaria ao ápice de sua carreira. “Sonhos e Memórias” traz em seu título o ano de nascimento de Erasmo e o ano vigente, deixando claro que o disco era ao mesmo tempo o encerramento de um ciclo e um balanço de sua carreira – e, principalmente, sua vida – até ali.

    Como os discos anteriores, o clima é mais tranquilo e pensativo, mesmo nos momentos mais dançantes. Mas diferente dos álbuns que o antecederam, em que Erasmo começou a trabalhar com nomes da Tropicália, como o guitarrista Lanny Gordin, o produtor Manoel Barembein e o arranjador Rogério Duprat, em “Sonhos e Memórias” ele volta-se para músicos, que cresceram com ele, como Roberto Simonal, do Renato e Seus Blue Caps, e o tecladista Lafayette, além de cobras como Alex Malheiros, Ivan “Mamão” Conti e José Roberto Bertrami, que mais tarde tocariam juntos como o grupo Azymuth.

    Na capa e contracapa, Erasmo elencava ídolos, ícones e inspirações, como seu próprio Sgt. Pepper’s, misturando Elvis Presley, Caetano Veloso, Batman, Carmen Miranda, Caetano Veloso, Santos Dumont, Jesus Cristo, Roberto Carlos, Jimi Hendrix, John Lennon, Marilyn Monroe, Bob Dylan e outros tantos.

    E nos pouco mais de 40 minutos do disco, ele nos carrega por uma viagem nostálgica de canções perfeitas e infelizmente desconhecidas do grande público, como “Grilos”, “Minha Gente”, “Largo Da 2ª Feira”, “Sorriso Dela”, “Vida Antiga”, “Mané João”, “Meu Mar” e “Sábado Morto”, que tornam esse um dos discos mais bonitos e maduros da música brasileira.

    Gilberto Gil – Expresso 2222

    De alguma forma, o quinto disco de Gilberto Gil é um parente torto do disco que seu compadre Caetano Veloso lançou no começo de 1972 – mas com uma crucial diferença: enquanto o “Transa” de Caetano, gravado em Londres, reflete sobre a saudade do Brasil de um prisma roqueiro a partir do Reino Unido, o disco de Gil traz esta mesma reflexão a partir do próprio Brasil, onde foi gravado.

    Isso faz com que a espinha dorsal dos discos se erijam de formas completamente diferentes. Caetano reinventa o rock com base na música baiana, enquanto Gil traz o rock não apenas para a Bahia, mas para todo o nordeste brasileiro.

    E enquanto Caetano saúda diferentes compositores, intérpretes e referências ao seu estado, Gil reverencia outras paragens, especificamente forró, xote e frevo em regravações de pérolas do maranhense João do Vale (“O Canto da Ema”), do baiano Gordurinha (“Chiclete com Banana”, eternizada pelo paraibano Jackson do Pandeiro), do alagoano Sebastião Clarindo Biano (“Pipoca Moderna”, que Gil gravou com a Banda de Pífanos de Caruaru, que apesar do nome pernambucana, também é alagoana) e do pernambucano Onildo Almeida (com a formidável “Sai do Sereno”, cantado por uma Gal Costa em seu auge).

    Gil mata as saudades da terrinha de forma magistral, contrapondo uma banda formada pelo mago tropicalista da guitarra Lanny Gordin, o baixista Bruce Henry, o baterista Tutty Moreno e o pianista Antônio Perna com instrumentos de percussão nordestina, como zabumba, agogô, pífano, triângulo e sanfona.

    A matriz rock do conjunto o torna autor da melhor canção do gênero já feita no país, a imbatível “Back in Bahia”, mas também o deixou à vontade para registrar alguns de seus melhores momentos em disco, como a irresistível “Ele e Eu”, o doce sermão de “O Sonho Acabou”, a onírica “Oriente” e a faixa-título, estas três últimas com seu autor mostrando, sozinho com o violão, que é um músico tão soberbo quanto é cantor e compositor.

    Jards Macalé – Jards Macalé

    Depois de abandonar o futebol (que lhe rendeu o apelido que virou sobrenome) para dedicar-se à música, o sambista tijucano Jards Macalé acabou misturando-se com aqueles novos baianos que começaram a aparecer no Rio de Janeiro no final dos anos 1960 – tanto que dirigiu os primeiros discos de Maria Bethânia, shows de Gal Costa e teve composições gravadas pelas duas, por Clara Nunes, Nara Leão e Elizeth Cardoso.

    Entrou nos anos 1970 disposto a gravar seu primeiro disco solo, mas antes foi interceptado por Caetano Veloso que lhe deu a direção musical de seu clássico “Transa”, gravado em Londres, em que também tocou violão, sendo eternizado pelo autor do álbum que o chama – “Bora Macal!” – antes de seu solo em “Nine Out Of Ten”. De volta ao Brasil, Jards convocou o Hendrix da Tropicália Lanny Gordin para assumir guitarras e baixos de seu primeiro disco, e para a bateria o mesmo Tutty Moreno, com quem havia acabado de gravar “Transa” de Caetano.

    No repertório, Macalé reuniu um time de letristas que figura no panteão da canção brasileira – José Carlos Capinam, Torquato Neto, Duda Machado e Waly Salomão – além de escolher uma incrível parceria entre Luiz Melodia e Gilberto Gil.

    O tom de jam session estabelecido por Jards em “Transa” havia sido mantido, tornando o trio de músicos cúmplices o suficiente para tornar canções tortas como “Let’s Play That” e “Farinha do Desprezo”, clássicos instantâneos como “Mal Secreto” e “Vapor Barato”, e o rock de “Farrapo Humano”, em músicas da mesma cepa, mesmo bebendo em fontes tão diferentes quanto o folk, o samba, o jazz, a bossa nova, a música nordestina e o tropicalismo.

    Gravado às pressas (mesmo que “78 Rotações”, que canta “grave um disco devagar”), o disco não tem a urgência que sua gravação parece sugerir. Pelo contrário, mesmo o tempo todo jogando o ritmo para cima (à exceção das melancólicas “Movimento dos Barcos” e “Hotel das Estrelas”), cria um ambiente sonoro tranquilo, informal e atento, deixando seu ouvinte à vontade mesmo quando ele é magistralmente entortado.

    Jorge Ben – Ben

    Quando estava prestes a completar 10 anos de carreira fonográfica, o sambista carioca já havia percorrido diferentes paragens da música brasileira e entrara nos anos 1970 reforçando a importância de sua música. Nascido na mesma Tijuca que viu florir uma geração única em nossa cultura (a de Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Tim Maia), ele estreou em disco fazendo história, com o clássico “Samba Esquema Novo”, de 1963, mostrando uma canção que por si só já valeria sua entrada no panteão de nossa cultura, a “Mas Que Nada”, que tornou-se uma das músicas brasileiras mais conhecidas do mundo.

    Em seus anos 1960 flertou com a bossa nova, o samba jazz, a jovem guarda e a tropicália, sem nunca largar seu violão e as referências à cultura afrobrasileira. Mas a partir do final daquela década inicia uma sequência de álbuns que o consagraria como um dos maiores nomes da música brasileira.

    E por mais que o disco homônimo de 1969 (que lançou um de seus maiores clássicos, “País Tropical”), “Força Bruta” (de 1970) e “Negro é Lindo” (do ano seguinte) fossem degraus cada vez mais ousados em sua carreira, foi com o disco de 1972, batizado apenas com seu sobrenome, que Jorge mostrou que havia atingido um novo patamar.

    A começar pela imagem da capa, que mostrava o artista ao mesmo tempo sério e à vontade encarando a câmera todo de branco em uma poltrona branca, com um cabelo black power e óculos estilosos. Pelo decorrer do álbum, seu violão dá, como sempre, a tônica das onze faixas, entre elas clássicos imbatíveis como “Fio Maravilha” e “Taj Mahal” (que anos mais tarde seria plagiada pelo inglês Rod Stewart) e favoritas do público como “Morre o Burro Fica o Homem”, “Domingo 23”, “Caramba”, “Moça”, “Que Nega é Essa?” e “Paz e Arrroz”.

    E até músicas mais desconhecidas, como “O Circo Chegou” e “As Rosas Eram Todas Amarelas”, abriam o início de sua psicodelia, que se tornaria mais explícita em discos seguintes, como “Tábua de Esmeraldas” (de 1974) e “Solta o Pavão” (de 1975). Se havia alguma dúvida sobre a importância de Jorge Ben para a história do Brasil, ela se dissiparia com este clássico de 1972.