Chappell Roan sente o peso de se tornar celebridade: entenda os efeitos da fama
Drag queen norte-americana reclamou de assédio e invasão de privacidade e pediu distanciamento aos fãs
A ascensão de Chappell Roan ao estrelato pop aconteceu devagar e, de repente, explodiu de uma vez.
Ela começou cantando covers no YouTube há mais de 10 anos, usando seu nome verdadeiro, antes de conseguir um contrato com uma gravadora logo após o ensino médio. Seu single de estreia, “Pink Pony Club”, foi lançado em 2020, no início da pandemia de Covid-19. Seu álbum saiu quase um ano atrás, recebendo críticas positivas e conquistando uma base de fãs pequena, mas dedicada.
Nos últimos seis meses, no entanto, sua fama se tornou estratosférica. Uma apresentação no Tiny Desk da NPR e uma performance marcante no Coachella apresentaram Chappell Roan a novos públicos, ao mesmo tempo em que suas músicas “Good Luck, Babe!” e “HOT TO GO!” começaram a aparecer em centenas de milhares de vídeos no TikTok. Seu verão grandioso culminou no que pode ter sido o maior show da história do Lollapalooza em Chicago — com até 110.000 pessoas em sua plateia.
A fama repentina pesou sobre Roan, mas seu desconforto se tornou insustentável no início desta semana. Ela compartilhou dois vídeos no TikTok nos quais criticou fãs invasivos que a seguiram, “perseguiram” sua família e exigiram fotos ou abraços em público, apesar da resistência de Roan.
“Eu não me importo que abuso e assédio, perseguição, seja lá o que for, sejam coisas normais de se fazer com pessoas que são famosas ou um pouco famosas”, ela disse em um dos vídeos. “É estranho como as pessoas acham que conhecem alguém porque veem essa pessoa online e ouvem a arte que ela faz. Eu tenho o direito de dizer não a comportamentos estranhos, ok?”
Em uma longa postagem no Instagram na sexta-feira (23), ela reafirmou seus comentários, reiterando que está “desligada” quando não está se apresentando e que não deve nada às pessoas que a abordam em seu tempo livre. E embora ela ame fazer música e sinta o apoio dos fãs respeitosos, ela disse que não aceitará nenhum tipo de assédio só porque escolheu esse caminho.
“Eu sinto mais amor do que jamais senti na vida”, escreveu ela. “Mas também sinto a maior insegurança que já senti na vida.”
Parte do motivo pelo qual os fãs amam Chappell Roan — e talvez pelo qual algumas pessoas tenham ido a extremos perturbadores para invadir sua privacidade — é a autenticidade que ela projeta, disse Sally Theran, professora de psicologia no Wellesley College, em Massachusetts, que estuda relações parasociais entre celebridades e fãs jovens.
“Uma coisa que acho muito atraente nela é que ela é muito transparente sobre quem ela é, e ela não se conforma da mesma forma que talvez celebridades do passado, e faz o que quer”, disse Theran. “Acho que isso é muito atraente em uma época em que tudo parece incrivelmente fabricado.”
A abertura e confiança de Roan, pelo menos online, podem levar alguns fãs a acharem que a conhecem e que ela quer conhecê-los também. Mas há um mal-entendido fundamental por parte dos fãs que acreditam que a persona online de Roan é seu verdadeiro eu.
“Acho que é isso que ela está tentando dizer: ‘Estou fazendo isso como uma atuação. Isso não significa que você me conhece ou que eu conheço você’”, disse Theran. “Mas há essa desconexão, onde as pessoas realmente acham que a entendem e provavelmente que ela quer entendê-las.”
As fronteiras entre fãs e celebridades são menos definidas em uma era em que as redes sociais transformam pessoas em estrelas e momentos pessoais e francos se tornam virais. Os sinais de alerta que Roan levantou mostram que há uma quebra na expectativa de quanto os fãs esperam que as celebridades se doem — e que o custo de ser franco online muitas vezes é maior do que artistas como Roan estão dispostos a pagar pela fama.
O que os fãs esperam das celebridades está mudando
Chappell Roan tem usado o TikTok ao longo dos anos, muito antes de se tornar uma presença constante nas paradas da Billboard, para compartilhar clipes francos e engraçados dirigidos a seus críticos ou mostrar como é se hospedar em um motel barato enquanto está em turnê. Sua presença nas redes sociais é semelhante ao que ela projeta no palco — franqueza ousada e confiança — o que a aproxima dos fãs.
Mas compartilhar partes de sua vida online, mesmo peças menores e humorísticas de antes da fama, estabeleceu um precedente entre alguns fãs que esperam o mesmo acesso a Roan fora da internet.
“O advento das redes sociais exacerbou nosso acesso às celebridades, nosso senso de posse, nossa sensação de que elas quase nos devem algo”, disse Theran. “Há algo implícito no acordo social com as redes sociais que talvez elas realmente nos devam algo — afinal, elas estão ganhando dinheiro conosco.”
Ela é uma das poucas grandes estrelas pop a desafiar essa ideia de que deve algo a mais aos seus fãs além do que já oferece. Muitos de seus fãs a apoiaram, lembrando uns aos outros de respeitar a pessoa por trás da persona que eles amam.
Esse tipo de franqueza nem sempre é bem recebido, no entanto, como outras estrelas da era digital descobriram ao tentar estabelecer limites com os fãs, disse Lucy Bennett, professora da Universidade de Cardiff, no País de Gales, que estuda o fandom musical.
“O equilíbrio de poder entre artistas e fãs às vezes é uma negociação complicada entre ambas as partes — especialmente se o artista faz algo decepcionante ou vergonhoso que pode causar uma resposta negativa nos fãs, e vice-versa”, disse Bennett.
Doja Cat, outra artista que cresceu no TikTok quando sua música “Say So” se tornou mega viral, já entrou em confronto com fãs online que a criticaram quando ela mudou seu visual ou som. Em julho de 2023, quando uma conta no Threads pediu para que ela dissesse que amava seus fãs, ela respondeu: “Eu não amo porque eu nem conheço vocês”. Ela perdeu mais de 180.000 seguidores no Instagram em um mês.
“Minha teoria é que, se alguém nunca me conheceu na vida real, então, subconscientemente, eu não sou real para essa pessoa”, disse Doja em uma entrevista de 2023 à Harper’s Bazaar. “Então, quando as pessoas se envolvem com alguém que nem conhecem na internet, elas meio que tomam posse dessa pessoa. Elas acham que essa pessoa pertence a elas de certa forma.”
Relações parasociais com celebridades são mais fáceis de formar no TikTok
Os vídeos de Chapell Roan no TikTok reacenderam o debate sobre “relações parasociais” entre fãs e celebridades. Esse termo foi amplamente discutido quando fãs do comediante John Mulaney expressaram choque e desaprovação ao descobrirem sobre seu divórcio de sua primeira esposa, dado que ele frequentemente a mencionava em seu show. Mas a notícia revelou o quão pouco eles realmente sabiam sobre ele fora do palco.
Mas as relações parasociais com celebridades são geralmente inocentes, disse Theran — são relacionamentos unilaterais nos quais um fã admira uma celebridade ou talvez até considere o que faria em uma situação desafiadora. No entanto, a maioria dos fãs entende que seu relacionamento é imaginário e não recíproco.
A prevalência das redes sociais provavelmente facilitou a formação de relações parasociais entre fãs e seus ídolos, disse Theran.
A conexão emocional entre um fã e seu ídolo é “amplificada” em plataformas como o TikTok, onde os fãs podem obter mais insights tentadores não apenas sobre as músicas que amam, mas também sobre as atitudes e personalidades dos músicos, disse Bennett.
Os fãs também podem se comunicar diretamente com os músicos em aplicativos como o TikTok, disse Bennett. Artistas como Megan Thee Stallion e Nicki Minaj frequentemente fazem lives no Instagram e TikTok, respondendo a comentários de fãs e compartilhando seus pensamentos sem filtro em uma transmissão ao vivo.
“Os TikToks podem fornecer uma visão visual importante sobre nossa percepção de quem é o músico e criar conexões mais profundas, levando a bases de fãs ativas e fortes”, disse Bennett.
Os vídeos de Chappell Roan mostram que não conhecemos as celebridades tão bem quanto pensamos
O comportamento descrito por Roan em seus vídeos — “perseguir” sua família e segui-la em público — é “muito atípico” de fãs, disse Theran.
Mas uma das irritações que ela discutiu — seus fãs acharem que a conhecem porque ouvem sua música e acompanham sua vida online — é mais comum e não é necessariamente errado, disse Theran. Isso não é uma característica de uma relação parasocial, mas sim o resultado de ouvir e amar um artista, ela explicou.
“Sempre haverá, não importa quem você seja, pessoas — que são realmente a minoria — mas sempre haverá pessoas que levam isso a extremos”, disse Theran. “Eu me sinto triste por ela e por sua base de fãs. O que ela descreve não é representativo.”
Chappell Roan é uma das poucas grandes estrelas pop contemporâneas que ainda parece acessível — Taylor Swift e Beyoncé, duas das maiores estrelas do mundo, raramente interagem diretamente com os fãs, comunicando-se principalmente por meio de declarações públicas ou posts nas redes sociais cuidadosamente elaborados.
Até mesmo artistas nascidos no TikTok como Olivia Rodrigo, cuja música também se tornou super popular no aplicativo, criaram distância entre si e seus fãs ao compartilhar pouco sobre suas vidas pessoais.
“Manter uma certa distância ou ter uma presença nas redes sociais muito controlada — isso te protege um pouco da possibilidade de ter uma base de fãs tóxica,” disse Theran. “Eles simplesmente não sentem que têm acesso a você da mesma forma. Eles não te percebem como tão autêntica quanto alguém como Chappell Roan.”
Ainda assim, “Chappell Roan” é, antes de tudo, uma persona — Roan já descreveu seu trabalho como um “projeto drag” anteriormente. E ela deixou claro várias vezes que está atuando, mantendo sua carreira separada de sua vida pessoal para proteger sua saúde mental.
“No final das contas, é só um trabalho,” disse ela em uma aparição no podcast “Q with Tom Power” em 2023. “E eu não planejo fazer isso para sempre. Então eu preciso ter uma identidade fora disso e me proteger para quando, sabe, daqui a 20 anos, eu não esteja exausta da vida.”
Os TikToks recentes de Roan apenas reiteram o quão tensa e delicada é a relação entre fãs e celebridades, para ambos os lados.
“A gente acha que conhece as celebridades, mas na verdade não conhece,” disse Theran. “O que conhecemos é a imagem que elas estão projetando. Projetamos tanto nas pessoas. Presumimos, e falhamos em reconhecer que o que elas estão projetando não é, de fato, o verdadeiro eu delas.”
Ela encerrou um dos TikToks em que criticou fãs invasivos com um lembrete franco de que ela é uma estranha para quase todos os seus admiradores: “Eu sou uma desconhecida qualquer. VOCÊ é uma desconhecida qualquer. Apenas pense sobre isso por um segundo, ok?”
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