Um ano de guerra na Ucrânia: veja como conflito afetou a economia do Brasil e do mundo
Além das mortes e de toda a destruição de território, o conflito impactou a economia global
No dia 24 de fevereiro de 2022, as tropas russas invadiram a Ucrânia, dando início a uma guerra que já deixou pelo menos 8.006 civis mortos e 13.287 feridos, de acordo com o último levantamento divulgado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH).
Após um ano de guerra, o quadro é de incerteza. Pelas projeções da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o conflito deve consumir US$ 2,8 trilhões até o fim de 2023.
Além das mortes e de toda a destruição de território, o conflito impactou a economia global, com consequências para países como China, Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos e Brasil, apenas para citar alguns exemplos.
A estrutura do comércio internacional, que ainda se recuperava dos efeitos da pandemia de Covid-19, também foi novamente abalada com o início da guerra, ampliando e piorando ainda mais o cenário econômico já complicado.
“Acho que o impacto inicial foi na questão energética e os efeitos que isso teve para os países europeus, mas também os efeitos dos embargos com relação à Rússia, que tiveram impactos na área agrícola”, destaca a professora de Relações Internacionais da ESPM, Denilde Holzhacker.
Mas Holzhacker destaca que os impactos foram sentidos pelos dois lados da guerra. “A Rússia também sofreu com os embargos e precisou buscar novos clientes, novos parceiros comerciais ou alocar os parceiros comerciais que ela já tinha e que se mantiveram com o país.”
Enquanto isso, no Brasil, o aumento do preço das commodities, principalmente do trigo e do milho, fez com que a balança comercial se elevasse.
Confira os principais impactos econômicos do conflito até o momento:
Petróleo
Logo no primeiro mês de guerra entre Rússia e Ucrânia, os primeiros efeitos foram sentidos no Brasil e no mundo pela alta do petróleo.
Medidas como as sanções dos Estados Unidos e da União Europeia (UE) contra o petróleo exportado pela Rússia fizeram com que o preço atingisse seu nível mais alto desde 2008, negociados a US$ 129,78 o barril.
Consequentemente, no dia 10 de março, a Petrobras realizou o seu primeiro aumento significante nas commodities, de 18,8% na gasolina, 16,1% do gás de cozinha e 24,9% no diesel.
No dia 14 de março o valor do barril Brent, que era de US$ 95 no dia 21 de fevereiro, passou para US$ 106.
Segundo especialistas, a volatilidade que a guerra trouxe ao petróleo é um dos principais fatores que explicam, por exemplo, o aumento dos preços dos combustíveis no Brasil e no mundo.
“Assim que a guerra foi declarada, o petróleo saltou muito, e isso alterou completamente os preços. A Rússia é a grande fornecedora de petróleo. O país era a grande impulsionadora de todo o parque industrial europeu com seu gás natural”, explica o professor de Relações Internacionais da ESPM Leonardo Trevisan.
Em dezembro, as principais economias desenvolvidas do mundo impuseram um teto de preço às exportações marítimas russas, como mais uma medida para tentar frear a guerra via aperto econômico.
Em resposta as sanções ocidentais, a Rússia anunciou no início deste mês uma redução na produção de petróleo bruto em meio milhão de barris por dia em março. O corte equivale a cerca de 5% da produção de petróleo do país.
Segundo Leonardo Trevisan, a medida tem como objetivo fazer com que o preço do petróleo suba. Porém, o professor ressalta que, do ponto de vista da economia, as pressões ocidentais não estão funcionando.
“Os grandes produtores de petróleo, estou falando de Arábia Saudita e de Emirados Árabes, em momento nenhum eles deixaram a Opep e em momento nenhum eles deixaram de negociar com os russos, muito pelo contrário. Quem teve que recuar foram os americanos”, explica.
Na última atualização dos preços, o petróleo WTI para abril fechou em baixa de 3,16%, a US$ 73,95 o barril. Ainda, a commodity cedeu às preocupações sobre a demanda em meio a expectativas de recessão nas principais economias devido aos apertos monetários.
Alimentos
Assim como o aumento dos preços dos combustíveis, uma das categorias mais impactados pela guerra foram os alimentos.
A Rússia é uma importante produtora e exportadora mundial de trigo. Já a Ucrânia é uma grande produtora e exportadora de milho, entretanto, por conta dos conflitos, parte das lavouras do país não foram semeadas.
O Brasil entrou neste cenário mundial na tentativa de suprir algumas demandas do mercado de grãos, principalmente para os países da África, abastecidos pelos grãos vindos do Mar Negro – por onde os grãos ucranianos são escoados.
Apenas na plantação de trigo, o país chegou a dobrar sua produção em 4 safras, saindo de pouco mais de 5 milhões de toneladas para uma produção estimada na safra 2022/23 de 10,6 milhões de toneladas.
“O Brasil alimenta por ano mais de 1 bilhão de pessoas e, mesmo no meio dos conflitos, com altos custos de produção e elevada inflação no país, nós continuamos alimentando o mundo inteiro. E fomos um dos possíveis parceiros para alguns países que não conseguiram mais comprar da Ucrânia e da Rússia”, explica o assessor técnico da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Lucas Martins.
Consequentemente, os custos de produção no país atingiram patamares nunca vistos em safras anteriores. “Foi muito esforço dos produtores para plantar a safra mais cara da história. Quando falamos de uma safra de grãos de 2022/23 a CNA defende que é a safra mais cara da história”, disse o especialista.
Em março, a escalada inflacionária nos preços alcançou seu ápice. O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) — que mede a inflação oficial do país –, acelerou para 1,62% no mês. Maior resultado para o mês de março desde 1994, antes da implantação do Plano Real.
O indicador entrou em um período de queda apenas após a aprovação do projeto que estabeleceu um teto para o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre bens essenciais, registrando deflação de 0,68% em julho.
Atualmente, o índice acumula alta de 5,77% em 12 meses, abaixo dos 5,79% observados nos 12 meses imediatamente anteriores.
A avaliação do especialista da CNA é de um cenário mais estável. “Agora é um momento de compra muito bom para o produtor, mas é importante lembrar que os produtores tiveram insumos, não faltaram produtos, eles conseguiram colocar as culturas no solo, mas foi mais mais difícil, os custos de produção atrapalharam bastante.”
No âmbito internacional, o Índice de Preços de Alimentos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) teve seu maior nível desde 1990, alcançando uma média de 159,3 pontos naquele em março, alta de 17,9 pontos (12,6%) ante fevereiro.
As consequências do conflito nas exportações de alimentos afetaram, principalmente, os países mais vulneráveis que dependem da importação dos grãos ucranianos, majoritariamente mais baratos.
Com o bloqueio dos portos ucranianos pela frota russa do Mar Negro, em julho do ano passado, a ONU precisou intervir e negociar uma ponderação no conflito, evitando um ciclo de alta de preço de comida básica nesses países.
Na época, Rússia e Ucrânia enviaram seus ministros da Defesa e da Infraestrutura, respectivamente, a Istambul (na Turquia) para a cerimônia de assinatura, que também contou com a presença de António Guterres, secretário-geral da ONU, e do presidente turco, Tayyip Erdogan.
“O que a ONU fez foi negociar essa saída, temendo uma revolução de consequências inimagináveis. Todos os países do norte da África estariam com uma situação bastante dramática. Países pobres dependentes desse trigo estavam tendo que pagar o trigo o dobro do preço, eles não aguentam”, explica o professor Leonardo Trevisan.
Porém, o drama em relação aos alimentos ainda está longe de acabar. Neste mês, a Associação de Grãos da Ucrânia (UGA) alertou para uma possível escassez de alimentos no Oriente Médio e na África devido ao aumento no atraso da inspeção de navios contendo grãos.
A UGA ainda afirmou que o Mar Negro não é “o mar interno da Rússia” e que a Rússia está deliberadamente atrasando as inspeções para desestabilizar a segurança alimentar mundial, “transformando comida em uma arma”.
Fertilizantes
A crise dos alimentos está diretamente relacionada ao uso dos fertilizantes, visto que metade da população mundial obtém seus alimentos graças ao uso destes produtos.
Antes mesmo da guerra na Ucrânia, os preços dos fertilizantes já estavam altos por conta do aumento da cotação do gás natural.
Quando a guerra eclodiu uma das principais preocupações nacionais em relação ao conflito era em relação a importação destes produtos. O Brasil importava 85% dos fertilizantes que utilizava, sendo que 23% correspondiam a importações vindas da Rússia.
Segundo o assessor técnico da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Lucas Martins, no início da guerra, o mercado brasileiro e também internacional tinha uma grande preocupação para saber se todo o volume que eles importavam continuaria sendo exportado.
“Se a gente não tivesse essas exportações o Brasil teria que recorrer a outros parceiros para buscar esses produtos”, explica. “Porém, isso não aconteceu. A Rússia e a Ucrânia continuaram exportando alguns fertilizantes e tivemos bastante produto no mercado brasileiros”.
Entretanto, os impactos da guerra sugiram nos preços dos produtos agrícolas. Fertilizantes como o KCL, uma das matérias primas principais para colocar as culturas brasileiras no solo, subiram quase 40% do seu valor.
“É importante lembrar que os preções subiram muito. O Brasil buscou outras alternativas, a gente foi buscar no Canadá e no Marrocos, que também são outros grandes exportadores de fertilizantes”, afirmou.
Atualmente, após um ano do início do conflito, os preços já estão em queda e em patamares abaixo do que foi visto em fevereiro do ano passado.
“O mercado hoje de fertilizantes é estável, muito melhor do que a gente encontrava há um ano atrás, e o Brasil está em uma situação boa porque nós já tivemos todas as compras da safra de verão, que está sendo colhida agora”, disse.
Para o especialista, o grande movimento neste período será para as safras do hemisfério norte, como na Europa e Estados Unidos. “O mercado de fertilizantes mundial vai começar a subir um pouco mais, só que o Brasil não pega mais esse movimento”.
Energia
A União Europeia obtém cerca de 40% do gás natural importado da Rússia, grande parte dele canalizado através da Ucrânia. Portanto, o desenvolvimento europeu depende diretamente do fornecimento russo.
No ano passo, em retaliação às sanções da UE, a Rússia reduziu drasticamente as exportações de gás para a Europa. Com isso, muitas nações foram obrigadas a buscar alternativas energéticas para não ter desabastecimento, o que resultou em um aumento significativo nos preços do gás natural.
No final de dezembro, os preços do gás na Europa atingiram novos recordes, conforme a confiança nas entregas russas diminuía e a controvérsia pairava sobre o gasoduto Nord Stream 2, que poderia transportar gás da Rússia diretamente para a Alemanha.
Neste contexto, os Estados Unidos se tornou um grande exportador mundial de gás natural liquefeito (GNL) e de gás liquefeito de petróleo (GLP). O país chegou a exportar 7,7 milhões de toneladas no mês, de acordo com dados de rastreamento de navios da ICIS LNG Edge, ultrapassando por pouco os produtores rivais Catar e Austrália pela primeira vez.
“O presidente norte-americano Joe Biden se viu em um cenário favorável para cumprir uma das suas principais promessas de campanha quando se elegeu presidente: salvar os empregos da Pensilvânia, estado que produz o gás de xisto, uma das coisas mais poluentes do mundo”, relembra Leonardo Trevisan, da ESPM.
Segundo ele, o grande problema é que o gás de xisto é um gás caro, diferentemente do gás natural. Porém, com o boicote dos europeus ao gás russo, eles não tiveram outra alternativa que não pagar o preço que compensasse a exploração de gás americano. “A crise energética foi pagar mais caro por algo que poderia ser pago mais barato, mas que tinha consequências geopolíticas, que era a aproximação via gás barato russo”
Com isso, os preços do gás natural na Europa caíram quase 5%, atingindo 49 euros (US$ 52) por megawatt-hora, seu nível mais baixo desde setembro de 2021 e uma fração do recorde histórico de 320 euros atingido em agosto do ano passado. A queda dos preços reduzirá ainda mais o risco de recessão na Europa.
Além dos fornecedores alternativos ao gás russo, outro fator que contribuiu para a queda dos preços foi o clima excepcionalmente quente neste inverno, bem como aos intensos esforços da região para economizar gás.
Em nota, o economista do banco Berenberg, Salomon Fiedler, disse que espera que a Europa evite uma crise de energia no próximo inverno, se – sob temperaturas médias – mantiver seus atuais níveis de importação de fornecedores não russos; consumo de gás permanece 20% abaixo da média; e a produção doméstica de gás permanece a mesma.
Inflação
O impacto econômico imediato da guerra nos preços de alimentos e insumos ligados a área energética se desdobrou em um aumento da inflação nos países ocidentais.
Segundo o professor Leonardo Trevisan, da ESPM, na dinâmica que a economia global reage com a guerra na Ucrânia, os juros se assemelham à vacinas em contextos de epidemias.
“Os juros são a vacina. Ao ter uma escalada da inflação é obrigatório que você suba os juros para conter os preços, mas isso esfria a economia. Quer dizer, salários, renda e emprego… significa a palavra recessão”, explica.
Como consequência da crise energética que se seguiu à invasão russa na Ucrânia, o Banco Central Europeu (BCE) vem aumentando os juros a um ritmo recorde para combater o surto de inflação na zona do euro.
Em julho do ano passado, o órgão aumento a taxa básica de juros na zona do euro pela primeira vez em mais de uma década. A alta de 0,5 ponto percentual, levou a taxa a zero.
No final de 2022, no mês de novembro, a taxa de juros foi elevada pela terceira vez consecutiva em 0,75 ponto percentual.
O cenário não foi muito diferente no Reino Unido, que elevou, pela oitava vez, as taxas de juros em 0,75 ponto percentual, representando o maior aumento em 33 anos.
No início de fevereiro deste ano, o BCE aumentou novamente as taxas de juros e indicou pelos menos mais uma alta da mesma magnitude no próximo mês.
Já nos Estados Unidos, foram sete aumentos seguidos realizados pelo Federal Reserve (Fed – o banco central do país) no último ano. No início do mês, o banco central norte-americano anunciou um aumento na taxa do país em 0,25%, que passam para a faixa de 4,5% a 4,75%.
Assim como o resto do mundo, o Banco Central brasileiro realizou em 2022 uma sequência de 12 altas, iniciadas em março de 2021, quando a Selic estava em 2% ao ano.
Em agosto, a taxa chegou a 13,75%, e o Copom manteve a Selic neste patamar em suas quatro últimas reuniões. A expectativa é de que apenas no segundo semestre de 2023 a instituição inicie um ciclo de queda na Selic.
Atualmente, o Brasil ocupa o 1° lugar no ranking de taxas de juros reais – descontada a inflação – projetada para os próximos 12 meses. Já considerando apenas a taxa nominal de juros, o país ocupa a segunda colocação no ranking.
*Sob supervisão de Ana Carolina Nunes