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    Renovação: quem são os novos investidores da bolsa de valores brasileira

    Mesmo com crise, B3 registra seu maior aumento de investidores no período de um mês. Quase 300 mil pessoas físicas entraram na bolsa em março de 2020

    Matheus Prado

    Do CNN Brasil Business, em São Paulo

    É fato que a B3 enfrentou um dos meses mais difíceis da sua história em março. Queda de 30%, volatilidade nas alturas, estrangeiros retirando o seu capital. No entanto, outro movimento tem chamado atenção dos especialistas. Quase 300 mil brasileiros decidiram entrar na bolsa justamente neste período, recorde absoluto para o intervalo de tempo segundo apontam dados da própria B3. 

    “E essa tendência continua em abril”, aponta Felipe Paiva diretor de relacionamento com clientes da B3. Para tentar explicar o fenômeno, ele enumera uma série de fatores como a oportunidade de comprar ações baratas, o fim do porto seguro da renda fixa, já que a taxa de juros nunca esteve tão baixa, o aumento impressionante de informações de qualidade disponíveis na internet e, principalmente, o olhar atento de corretoras e influenciadores para o pequeno investidor.

    Como resultado disso, a B3 está passando por um rejuvenescimento. Jovens entre 16 e 25 anos, homens e mulheres, já ocupavam 10,45% do contingente de pessoas físicas na bolsa em março (eram 9,24% em fevereiro). Em janeiro de 2010, representavam 5,38%. Pessoas entre os 26 e os 35, por sua vez, correspondiam a quase um terço do total de investidores no último mês. É claro que a maior parte do capital presente ali ainda está concentrada entre os homens com 40 anos ou mais, mas há um crescimento pujante de outros grupos.

    Gabriel e Angela
    Angela, 33, e Gabriel, 21, investidores autodidatas (16.abr.2020)
    Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação

    É o caso do estudante Gabriel Fernandes, de 21 anos. “Ninguém na minha família investe, acho que meus pais nem poupança têm. Aprendi o que sei lendo, fazendo cursos e workshops”, diz. Seu primeiro investimento foi de R$ 800 em ações da Paranapanema, com dinheiro que juntou ajudando uma tia que é feirante. Fernandes entende que o fato de morar com os pais faz com que ele seja mais propenso a tomar riscos, mesmo em tempos voláteis como agora, e garante que apenas 10% do seu patrimônio está em renda fixa.  

    Inadvertidamente, se tornou referência para os amigos quando o assunto é investimento. “Acho que democratizou o conhecimento, mas ainda existe um grande limitante, o dinheiro. Aconselho meus amigos e eles investem o que podem. Por vezes R$ 50, R$ 100”, afirma.

    Nessa linha, o jovem salientou a importância de se ir buscar conhecimento e dados em fontes relevantes, algo que todos concordam. Corretoras, veículos de comunicação e influenciadores têm procurado fazer conteúdos educacionais para diferentes tipos de público.   

    Na corretora Toro Investimentos, a tendência tem se materializado. O número de clientes de até 25 anos e o de pessoas que começam investindo menos de 10 mil na bolsa aumentaram 336,87% e 351,87%, respectivamente, entre janeiro de 2019 e março de 2020.

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    João Vitor Francisco, de 23 anos, fez caminho diferente. Começou na renda fixa e lá ficou durante alguns anos. Em 2019, viu que, com os juros baixos, não ia conseguir a rentabilidade que procurava. Foi atrás, então, de um assessor de investimentos para ajudá-lo.

    “Eu sou cego, e o mercado de trabalho fecha muitas portas para pessoas portadoras de deficiência. Para mim, os investimentos são outra forma de gerar renda e não depender exclusivamente de empregadores”, diz. Ele conta que ficou bastante preocupado com os movimentos de março, já que algumas de suas ações perderam mais de 50% de valor de mercado, mas que confia na recuperação papéis que tem –ViaVarejo, Magazine Luiza, JBS, Itaú e Bradesco.

    André Barbosa, sócio-diretor da Toro, avalia o cenário. Para ele, a boa notícia é que os jovens estão começando a vida financeira com juros baixos aqui no Brasil. Então, para alcançar aquilo que buscam, vão precisar investir de forma diferente.

    “Já percebemos essa mudança de perfil”, diz. Paiva, da B3, corrobora o sentimento. Além da facilidade de informação, empresas e corretoras estariam fazendo essa ponte com o pequeno investidor. “Você vê presidentes de companhias listadas na bolsa participando de lives, se aproximando do público”, defende.

    Sidnei e Ayumi
    O pai Sidnei com a filha Ayumi: parte do salário da jovem vai para investimentos (16.abr.2020)
    Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação

    Ayumi Nukui, estudante de enfermagem de 17 anos, é outro exemplo do movimento. Ela abriu uma conta na Rico durante a primeira semana de abril de 2020, em plena crise. O pai, Sidnei, deu o conselho para a filha, que começou a trabalhar agora.

    “Eu estava juntando dinheiro para comprar um celular. Depois que consegui, não tinha planos para as minhas poupanças. Foi então que o meu pai disse para eu separar uma parte do meu salário para investir pensando no longo prazo”, explica Ayumi. 

    O pai replicou então que era bom um momento para entrar na bolsa. “Mostrei para ela ações como a da Cogna, por exemplo, que estão em baixa mas é uma empresa consolidada. No longo prazo deve voltar a crescer”, diz. “Mas é bom que ela esteja começando cedo. Sempre falo que queria ter a minha mentalidade com a idade dela.”

    A própria Rico tem registrado, inclusive, crescimento na abertura de contas de pessoas ainda mais novas: 113,8%, entre 2018 e 2019, para crianças com menos de 15 anos.

    Com apenas 4 meses, o pequeno Benício Bálico não pôde conceder entrevista ao CNN Brasil Business porque ainda não sabe falar, mas seus pais já estão poupando pensando no seu futuro. Douglas e Roberta decidiram separar R$ 200 mensalmente para colocar na conta do filho e investir.

    “Antes da chegada dele, não fazia análise setorial. Agora estou olhando para o futuro, buscando solidez nas empresas e pagamento de dividendos, como no setor bancário”, conta o pai, que vivenciou a queda brusca da B3 no último mês.

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    Sobre a futura relação do filho com os investimentos, Douglas diz ainda não saber como será o processo. “Até aos 10 anos não tem muito o que fazer, depois queremos instruí-lo. Mas com cuidado para ele não achar que tem a vida garantida”, diz. “Se o dinheiro render 6% ao ano, ele terá mais de R$ 50 mil aos 15. Se render 12%, mais de R$ 100 mil. Não quero que ele precise fazer o mesmo esforço que eu, que comecei a trabalhar com essa idade.”

    O movimento é visto como algo natural pelo mercado, transferindo um hábito que já existia no banco, de poupar para as próximas gerações, para a corretora. Estas empresas, cientes disso, vão dando um tapa no discurso. Existe, obviamente, uma grande preocupação com os resultados da Bovespa em março, mas analistas tentam tranquilizar investidores e ajudá-los a olhar para o futuro.

    “Não faz sentido a gente se prender ao financês se não chama atenção do público. O perfil do investidor vem mudando. Temos mais mulheres, jovens, menores de idade. O discurso tem que ser de gente pra gente, ainda mais num momento de dúvidas como esse”, resume Laio Santos, Sócio e Head da Rico Investimentos.

    Roberta, Benício e Douglas
    Roberta, Benício e Douglas. Aos 4 meses, pequeno já tem conta em corretora (16.abr.2020)
    Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação

    Mulheres na B3

    A representatividade do gênero feminino na B3 não mudou muito na última década, se mantendo em cerca de 24% do total de contas de pessoa física. Há, no entanto, uma renovação deste público: 9,3% dos investidores presentes na B3 em março de 2020 eram mulheres de até 35 anos. Elas eram apenas 6,5% em janeiro de 2010.

    Na corretora Easynvest, elas já são 36% da base total de clientes. O crescimento foi, inclusive, maior entre elas no período entre março de 2019 e março de 2020: 54,5% para homens e 60,9% para mulheres. 

    Angela Medeiros, 33, era recém-formada em psicologia em 2018 e, entre um atendimento e outro, passava a maior parte do seu tempo cuidando dos três filhos em casa. Decidiu então, por conta própria, aprender sobre os meandros do mercado financeiro, empolgada com a possibilidade de ganhar dinheiro em casa. “Na prática a gente vê que é muito mais complexo. Fiquei um ano estudando isso. Primeiro assistindo vídeos, depois me aprofundando em análises técnicas.” 

    “Além disso, acabei conhecendo gente nova e minha vida mudou”, conta. Num grupo de traders ficou sabendo de uma vaga de atendimento na Modalmais. E foi! Hoje continua trabalhando na área, como analista de costumer service do Me Poupe!, site da influenciadora Nathalia Arcuri. Segue, também, operando na bolsa, mas confessa que está tendo cautela neste período de turbulência. “Ainda estou esperando uma reação mais forte do mercado para voltar a comprar posições. Por enquanto, estou fazendo mais operações de day trade”, diz. 

    Exatamente o oposto do que faz a servidora pública Livia Medeiros, de 35 anos. Ela mantém as mesmas posições e garante que pouco se estressou durante as quedas vertiginosas do mês de março. Livia afirma que, por ter reservas de emergência em renda fixa, tem mais tranquilidade. Além disso, o fato de ter outra ocupação, faz com que também não acompanhe de perto a rentabilidade dos seus papéis. 

    “Tenho Itaú, Petro, Ambev, Suzano e mais algumas. Agora também estou aumentando minha posição em fundos de índice (ETFs). Como têm uma gestão mais passiva, combinam com o meu perfil”, diz. “Mas não penso em vender nada, só comprar. Bolsa para mim é aposentadoria. Leio os relatórios da corretora e baseio minhas decisões nisso, sempre pensando no longo prazo.”