Regra fiscal pode desestimular cumprimento da meta em ano eleitoral, diz economista
Novo marco de controle das contas públicas obriga governo a gastar menos caso não economize o mínimo exigido, mas punição só é aplicada no orçamento do ano seguinte
Na maneira como ficou desenhada, a proposta do governo para a nova regra fiscal que deverá controlar os gastos públicos pode acabar deixando brechas para que os governantes não respeitem as metas de economia estipuladas no último ano de mandato, quando ocorrem as eleições, e acabem gastando mais do que o previsto.
A consideração é do economista especializado em contas públicas Murilo Viana. Isso pode acontecer, na visão dele, porque as punições previstas para o governo caso descumpra as metas de gastos no ano corrente ficam apenas para o ano seguinte.
“Imagina como não pode ficar isso em final de mandato?”, questionou Viana. “Em fim de mandato todo mundo que gastar mais, mas a conta não vai ficar para ele, fica para quem pegar o governo no ano seguinte. O novo presidente vai se ver obrigado a fazer um ajuste por causa do aumento de gastos do anterior.”
Com vai funcionar
A regra apresentada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estipula um limite de crescimento para os gastos públicos e, em paralelo, também uma meta de resultado primário que deve ser cumprida pelo governo.
Os gastos poderão crescer até 70% do quanto cresceu a arrecadação no ano anterior, já considerados aumentos acima da inflação.
Se, por exemplo, a receita com impostos crescer 3% em 2023, o governo poderá aumentar os gastos em até 70% disso em 2024, ou seja, em 2,1%.
Já a meta para o resultado primário deve ser definida ano a ano. Ela é estipulada em proporção ao PIB e prevê sempre uma banda de tolerância, que será de 0,25 ponto para mais ou para menos.
O resultado primário é o saldo das contas públicas entre tudo o que governo arrecada e tudo o que gasta, desconsiderados os gastos com juros da dívida, que têm fontes próprias de financiamento.
Uma meta de superávit, ou seja, de saldo positivo, é uma maneira de obrigar o governo a economizar dinheiro, gastando menos do que arrecada e tendo uma sobra de recursos naquele ano.
Já uma meta de déficit, negativa, impõe um limite para o tanto que o governo poderá gastar além do que arrecadou e, portanto, em quanto poderá se endividar.
Para 2025, por exemplo, Haddad deixou estipulada uma meta de superávit que deverá ser o equivalente a 0,5% do PIB. Com as bandas de tolerância, isso significa que a economia a ser feita pelo governo naquele ano deve ser de pelo menos 0,25% e, no máximo, 0,75% do PIB.
Caso o governo entregue um saldo em conta maior do que 0,75% do PIB, todo o valor excedente a essa banda superior deverá ser destinado para investimentos.
Se, por outro lado, ele entregar um saldo menor do que o 0,25% mínimo exigido, a regra prevê uma punição: em vez de poder aumentar os gastos, no ano seguinte, em até 70% do aumento das receitas, essa taxa de reajuste não poderá passar de 50%.
Se, por exemplo, a receita cresceu 3%, em vez de 70% disso – 2,1% -, os gastos do ano subsequente só poderão ser reajustados em até 50% desse aumento, ou seja, em 1,5%.
É este aperto extra nas contas, de acordo com Murilo Viana, que, no caso de um último ano de mandato, vai ficar apenas para o governo sucessor lidar, no ano seguinte.
Como o resultado primário é a diferença entre o que o governo gasta e o que arrecada, há dois caminhos principais que podem leva-lo a ter um saldo menor do que o exigido: isso acontecerá caso a arrecadação cresça menos do que o planejado ou caso ele gaste mais do que o valor arrecadado dá conta de cobrir.
A arrecadação considera as receitas do governo com impostos, royalties e dividendos, por exemplo.
Nova regra fiscal
Haddad, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e seus principais secretário apresentaram ao público, na quinta-feira (30), as suas propostas para a base da nova regra fiscal.
Ela deve substituir o atual teto de gastos e tem o objetivo de disciplinar o aumento dos gastos do governo e, em última instância, um aumento descontrolado da dívida pública.
O projeto completo e os detalhes de como funcionará, de acordo com os ministros, deverão ser redigidos pela equipe econômica nos próximos dias, para que possam começar a tramitar e ser votados no Congresso Nacional.