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    Reformas pós-2008 não resolveram problema dos bancos “grandes demais para falir”

    Reguladores dos EUA tiveram que tomar medidas que minaram as regras estabelecidas após a crise de 15 anos atrás para garantir que o colapso do SVB não se transformasse em problema bancário mais amplo

    Hanna ZiadyJulia Horowitzda CNN , Londres

    A regulamentação introduzida após a crise financeira de 2008 deveria tornar os resgates bancários uma coisa do passado. Mas seu maior teste até agora revelou alguns sérios problemas.

    No que parece ser um “déjà vu” [expressão para se referir a uma situação que parece já ter vivida antes], os governos tiveram que intervir como credores de último recurso para evitar que a recente turbulência no setor bancário se transformasse em uma crise total.

    Ao canalizar fundos públicos para apoiar instituições privadas em dificuldades, eles revelaram os enormes riscos que as falências de bancos ainda representam para os contribuintes e sistema financeiro em geral.

    “Argumentei durante anos que os maiores bancos do mundo ainda são grandes demais para falir. Essa questão agora não tem mais dúvida”, disse Neel Kashkari, presidente do Federal Reserve Bank de Minneapolis, à emissora CBS no domingo.

    Karin Keller-Sutter, ministra das finanças da Suíça, foi bem clara quando disse que a reestruturação do Credit Suisse em apuros, segundo as diretrizes pós-2008 acordadas internacionalmente, “provavelmente teria desencadeado uma crise financeira internacional”.

    “Cheguei à conclusão nas últimas semanas de que um banco globalmente ativo e sistemicamente importante não pode simplesmente ser liquidado de acordo com o plano ‘grande demais para falir’ ”, falou Keller-Sutter ao jornal suíço Neue Zürcher Zeitung. “Legalmente, isso seria possível. Na prática, porém, o prejuízo econômico seria considerável”.

    Keller-Sutter estava no centro de um resgate do Credit Suisse por seu maior rival UBS, orquestrado pelo governo no início deste mês. As autoridades suíças decidiram que o credor, que vinha lutando há anos, precisava de uma aquisição de emergência depois que a falência repentina do Silicon Valley Bank nos Estados Unidos abalou os investidores bancários em todo o mundo.

    Mas a execução do acordo poderia consumir bilhões de dólares do dinheiro público por meio de empréstimos e garantias.

    Isso levanta questões desconfortáveis ​​sobre se as tão alardeadas reformas regulatórias realmente tornaram o sistema financeiro mais estável e uma ameaça a menos ao erário público.

    Padrões globais para lidar com bancos “grandes demais para falir” foram uma parte fundamental do pacote de regras introduzido após a crise financeira global.

    Eles foram projetados para possibilitar a liquidação de um grande banco sem desestabilizar o sistema financeiro ou expor os contribuintes ao risco de perdas.

    No entanto, quando vários credores tiveram problemas este mês, os reguladores “não usaram os mecanismos que prometeram que funcionariam”, destacou Anat Admati, professor de finanças e economia da Stanford Graduate School of Business. “Grande demais para quebrar ainda é um problema. Nunca foi resolvido.”

    “Ainda um resgate”

    Quando se tratou do Credit Suisse, o governo suíço julgou que um resgate do UBS era a única opção viável, embora isso tenha deixado a economia do país exposta a um único grande credor.

    Ainda que alguns investidores em títulos do Credit Suisse tenham perdido tudo, os contribuintes suíços ainda estão na mira de até 9 bilhões de francos suíços (US$ 9,8 bilhões) de perdas potenciais decorrentes de certos ativos do banco.

    O estado também garantiu explicitamente um limite de 100 bilhões de francos suíços (US$ 109 bilhões) para o UBS, caso seja necessário, embora isso seja reembolsável.

    Da mesma forma, os reguladores dos EUA tiveram que tomar medidas sem precedentes que minaram as regras pós-crise para garantir que o colapso do SVB não se transformasse em uma crise bancária mais ampla.

    Em um movimento extraordinário, a Federal Deposit Insurance Corporation garantiu todos os depósitos do SVB – incluindo aqueles acima do limite usual de US$ 250 mil por pessoa. Esse limite foi consagrado pela Lei Dodd-Frank de 2010.

    O dinheiro para isso virá de um fundo que os bancos pagam, e não dos contribuintes. Mesmo assim, a medida gerou debate sobre se isso equivale a um resgate.

    “Eles dizem que não é um resgate porque a indústria vai pagar. Ainda é um resgate, quem quer que pague”, disse Admati, de Stanford.

    Paralelamente, o Fed lançou um mecanismo de empréstimo de emergência para os bancos após o colapso do SVB e do Signature Bank para evitar mais falências, expondo o banco central a empréstimos arriscados, de acordo com Admati.

    “É uma forma de evitar que [o sistema bancário] quebre, mas não o torna mais saudável”, falou.

    Aaron Klein, um ex-funcionário do Tesouro dos EUA que trabalhou nas reformas Dodd-Frank, está preocupado com o precedente que foi estabelecido.

    “Resgates geram resgates”, disse Klein, agora membro sênior em estudos econômicos na Brookings Institution, à CNN. “É difícil, uma vez que você começa a salvar as pessoas, mudar de rumo.”

    Os bancos são seguros o suficiente?

    Mesmo que as regras existentes tenham sido ignoradas, as recentes falências de bancos levaram alguns legisladores e reguladores a argumentar que a regulamentação bancária precisa ser mais rígida.

    Embora em certas medidas os bancos sejam mais resilientes do que eram antes da crise financeira global, a turbulência recente deu aos reguladores uma pausa.

    Michael Barr, vice-presidente de supervisão do Fed, falou ao comitê bancário do Senado dos EUA na terça-feira que as regras para os bancos precisam ser fortalecidas.

    O governo suíço, por sua vez, anunciou no fim de março uma “avaliação abrangente da estrutura regulatória do big-to-fail”, cujas conclusões serão relatadas ao parlamento.

    E Sam Woods, vice-governador para regulamentação prudencial do Banco da Inglaterra, falou aos legisladores do Reino Unido que pode haver uma dúvida sobre se os bancos são obrigados a ter dinheiro suficiente disponível ou facilmente acessível.

    “Uma característica marcante da corrida do Silicon Valley Bank, embora não tanto da corrida do Credit Suisse, foi a velocidade com que aconteceu”, afirmou na terça-feira. “Acho que temos que olhar para trás, para essas taxas de saída… e perguntar o que aprendemos.”

    Parte disso afeta o cerne do modelo de negócios dos bancos. Os credores são obrigados a reservar apenas uma parte do dinheiro depositado com eles. O restante é emprestado a taxas de juros mais altas ou investido, porque é assim que os grandes bancos obtêm a maior parte de seus lucros.

    Isso significa que qualquer instituição cujos depositantes queiram sacar seu dinheiro ao mesmo tempo estaria em apuros.

    A eliminação total do risco de uma corrida bancária exigiria que os credores mantivessem 100% de todos os depósitos em dinheiro ou reservas nos bancos centrais. Mas os reguladores não veem isso como um resultado desejável.

    “Não queremos operar um regime de falha zero, porque haveria alguns custos significativos em termos de disponibilidade de empréstimos para a economia”, disse Woods. “Essa é uma compensação que é feita em todos os regulamentos.”

    Existem maneiras menos drásticas de tornar os bancos mais seguros. Exigir que os credores se financiem com mais patrimônio e menos dívidas seria uma abordagem, de acordo com John Vickers, que liderou a comissão independente que revisou a regulamentação bancária do Reino Unido após a crise de 2008.

    Eles então “teriam mais capital próprio para absorver as perdas”, disse à CNN.

    Os bancos também devem passar por testes “muito mais rígidos e transparentes” para determinar até que ponto podem suportar perdas em vários cenários adversos, levando em consideração o valor de mercado de seu capital, falou Vickers, hoje professor de economia na Universidade de Oxford.

    “Sem dúvida, houve grandes avanços nas reformas após a crise de 2008/2009, mas, a meu ver, [elas] não foram longe o suficiente.”

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