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    Recuo do PIB dos EUA reforça apostas em Fed menos agressivo, dizem analistas

    País entrou em recessão técnica, e economia ainda deve sentir efeitos de altas de juros realizadas pelo banco central norte-americano

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business

    em São Paulo

    A segunda queda consecutiva do Produto Interno Bruto (PIB) trimestral dos Estados Unidos, caracterizando a chamada recessão técnica, tende a reforçar a visão que o Federal Reserve será menos agressivo no ciclo de alta de juros do país, segundo especialistas.

    Entre abril e junho, a economia norte-americana recuou 0,9% na comparação com o mesmo período de 2021, segundo dados divulgados nesta quinta-feira (28). Apesar de uma recessão oficial não ter sido declarada, o mercado aposta cada vez mais que a economia do país deve contrair, em especial em 2023, o que tende a mudar a postura do Federal Reserve no combate à inflação.

    Com isso, o PIB trimestral acabou tendo uma repercussão positiva no mercado, mesmo vindo abaixo do esperado, já que quanto maiores os juros, pior é o cenário de investimentos.

    Desempenho no trimestre

    O resultado trimestral reflete uma combinação de leituras abaixo do esperado tanto de consumo pessoal quanto de investimentos, indicando um impacto da inflação – a maior em mais de 40 anos – na economia, afirmam economistas da Genial Investimentos em relatório.

    “O recuo no segundo trimestre refletiu, principalmente, os resultados negativos no investimento privado doméstico, nos gastos dos governos federal e local e no consumo de bens, com destaque para o consumo de bens não duráveis. Por outro lado, os gastos com serviços e as exportações avançaram no segundo trimestre”, diz o texto, destacando que as importações desaceleram, ajudando a balança comercial do país.

    Em geral, o mercado avaliou que o PIB veio pior que o esperado, segundo o economista-chefe da Inv Rodrigo Natali. A expectativa do mercado não era de recuo, mas sim de crescimento de 0,5%.

    “Está tendo um discurso grande de tentar mudar a definição do que é recessão, mas pela forma tradicional, os Estados Unidos estão em recessão já”, ressalta Natali.

    Na visão dele, a economia do país tem sido segurada por dados fortes de consumo e emprego, mas o primeiro tem desacelerado trimestre a trimestre, e pode ter um resultado negativo do próximo trimestre.

    “O consenso geral é realmente que o número foi pior, teve uma queima grande de estoque, mas muita gente ainda está otimista pelo lado de consumo e emprego. Mas o cenário eventualmente vai bater no emprego, e a economia já está sentindo talvez a alta dos próprios juros mais longos, que sobem há seis meses. A do Fed é mais recente”, afirma.

    Já Raone Costa, economista-chefe da Alphatree Capital, considera que mesmo ficando aquém das expectativas, o resultado não foi tão surpreendente porque indicadores de prévia do PIB já haviam sinalizado uma queda, mas com o mercado duvidando que ela realmente ocorreria.

    “A parte de consumo ainda está crescendo, mesmo que menos que antes, e toda a parte de preços segue muito forte. A surpresa na verdade foi que o crescimento real da economia foi um pouco menor, mas a exposição total em termos de dinheiro foi parecido com o esperado. Estoques e investimentos residenciais que puxaram para baixo”, avalia.

    Mesmo com dois recuos trimestrais seguidos, ele afirma que a atividade econômica do país não dá indícios de uma “queda prolongada e disseminada”, parte da definição oficial de recessão no país, com um mercado de trabalho forte.

    O cenário é de “sinais ambíguos” sobre a economia dos Estados Unidos, na visão do economista-chefe da Suno Gustavo Sung. De um lado, os números de consumo e emprego seguem positivos, mas os investimentos já começam a cair.

    “Mesmo com a queda no PIB, a forte criação de empregos, o desemprego próximo do pleno emprego e o aumento do consumo pelas famílias demonstram que a economia dos EUA não estaria numa espiral recessiva, mas sim numa correção de rota após a crise da Covid-19”, diz em relatório.

    Perspectivas

    Mesmo com uma queda no PIB e uma recessão técnica, a economista-chefe da Rico Rachel de Sá não espera que a economia norte-americana entre em um período de forte contração e crise, como a de 2008. Os motivos, segundo ela, são a robustez do mercado de trabalho, níveis de poupança positivos e uma situação financeira melhor do que em 2008.

    “Assim, não esperamos que o cenário de recessão técnica perdure, projetando crescimento de 1,6% para a economia americana neste ano”, afirma.

    Já a equipe da Genail avalia que “este resultado corrobora com a nossa avaliação que a economia americana deva entrar em recessão para combater o elevado nível de preços, que pode ser agravada por choques negativos decorrentes da crise na Europa e pela política de tolerância zero Covid-19 na China”.

    Débora Nogueira, economista-chefe da Tenax Capital, considera que a “rocha da economia”, o consumo de serviços, ainda dá sinais positivos, e por isso não espera uma nova contração no terceiro trimestre.

    “Os demais componentes da demanda estão desacelerando com mais velocidade, notadamente investimento e consumo de bens. Dessa vez, tivemos contribuição positiva em exportações líquidas, mas a evolução do cenário global sugere que esse pilar também vai ruir”, ressalta.

    “O PIB geralmente é muito revisado, então conclusões firmes precisam de uma gama maior de indicadores. Há algumas informações aqui que confirmam desaceleração da demanda, notadamente em consumo de bens e investimentos, mas isso não alivia o cenário para política monetária, afinal seguimos observando indicadores do mercado de trabalho fortes, e esses são mais confiáveis quando pensamos no estado da economia em tempo real”, diz.

    Natali afirma que o mercado viu o resultado com bons olhos, mesmo ele tendo sido abaixo do esperado, já que a leitura dos investidores é que “vão ser necessários juros menores para combater a inflação. Mas é difícil chegar nessa conclusão ainda dado que a inflação ainda está muito acima do nível normal e esperado. O Powell disse que acha que a inflação vai a 2,5% no próximo ano, mas dados de inflação continuam vindo ou no consenso ou pior”.

    “O mercado está comemorando que a economia está pior, mas não necessariamente isso quer dizer que a inflação vai cair, pode estar se aproximando cada vez mais de uma estagflação, dado que estamos vendo apenas números recordes, que não víamos a 20, 40 anos”, diz.

    A economista da Rico avalia que qualquer desaceleração na economia dos Estados Unidos tende a impactar todo o mundo, inclusive o Brasil. Há, ainda, uma alta probabilidade de uma recessão global, aumentando a volatilidade no mercado e a “chance de contágio” no Brasil.

    Mesmo assim, Rachel de Sá espera que a economia brasileira cresça 2,2% em 2022, “puxada especialmente pela retomada do setor de serviços ainda na esteira do fim da pandemia, pela melhora do mercado de trabalho e impulsionada pelo preço de commodities”.

    A tendência é que, caso o Fed realmente reavalie o ciclo de alta e faça elevações menores, o dólar se enfraqueça, permitindo uma valorização tanto do real quanto do Ibovespa.

    “Este resultado é um indicativo de que alguns setores da economia norte-americana já estão desacelerando, o que pode aliviar a inflação e diminuir o ritmo de aperto monetário do Fed”, diz Sung.

    Morgado, da Nexgen Capital, ressalta que Powell “não descartou nova alta de 0,75 p.p., mas deu a entender que isso seria atípico, indicando que novas altas devem ter uma magnitude menor, até para esperar que elas tenham um impacto na economia, e já vimos isso no segundo trimestre”.

    Com isso, o PIB “dá uma perspectiva de que talvez o Fed não possa aumentar de forma muito acelerada os juros lá na frente, já que a economia entrou em recessão técnica”.