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    Reabertura da China beneficia economia global e do Brasil, diz Louis-Vincent Gave, da Gavekal

    Em entrevista à CNN, Louis-Vincent Gave, da casa referência para o mercado Gavekal, defende que país vai acelerar neste ano, mas era de PIB a dois dígitos vai acabar

    Thâmara KaoruJuliana Eliasda CNN

    em São Paulo

    A reabertura total da China, depois de três anos de restrições rígidas da política de “Covid zero” no país, vai beneficiar a economia global e a do Brasil. Essa é a opinião de Louis-Vincent Gave, um dos fundadores e o presidente da Gavekal, casa de pesquisas e gestora sediada em Hong Kong, e uma das principais referências de investidores para China e o mercado asiático.

    Em sua visão, depois da forte desaceleração que registrou em 2022, a China deve ter um crescimento forte neste e, provavelmente, no próximo ano – o que é uma notícia especialmente boa para commodities como metais e petróleo, que devem ver seus preços puxados para cima, e para os exportadores delas, como o Brasil.

    “O grande evento deste ano é o fato de que a economia chinesa vai reacelerar, o que significa que a economia global deve acelerar junto”, disse Gave, em entrevista à CNN. “E isso é indiscutivelmente uma boa notícia para o Brasil.”

    Mesmo em meio a prognósticos que falam em desaceleração ou recessão nas principais economias do mundo em 2023, Gave acredita na aceleração da China.

    “A taxa de crescimento deles deve ser mais próxima de 3% a 4% daqui para frente”, diz.

    Veja a seguir a entrevista completa:

    CNN: A China está reabrindo sua economia depois de três anos sob a política de Covid zero. O que esperar dessa reabertura?

    Louis-Vincent Gave: Reabrir a economia depois de um longo período de Covid é algo que nós já vimos em vários países. É como um filme do James Bond: você já assistiu antes, já sabe a história e já sabe o que vai acontecer, é só o cenário que muda. Vai ter demanda represada, vai ter um monte de gente doente, aí as pessoas começam a faltar no trabalho, e há rupturas nas cadeias de suprimento.

    Esse filme na China não vai ser diferente, exceto por uma coisa: nos outros, as pessoas não estavam insatisfeitas com o governo. Lá, como o lockdown durou muito mais do que em qualquer outro lugar, há muita raiva e muito ressentimento com o governo, que foi o que vimos nos grandes protestos em outubro e a grande razão para a mudança na política.

    O resultado é que o governo chinês não tem outra opção além de fazer uma reabertura que seja um sucesso, e é por isso que está acionando tudo o que pode.

    Qual é o impacto dessa reabertura para o resto do mundo?

    O grande evento deste ano é, sem dúvida, o fato de que a economia chinesa vai reacelerar, e de maneira significativa, o que significa que a economia global deve acelerar junto. Significa mais inflação também. Os países que estão mais próximos, como Japão, Coreia, Indonésia e Tailândia, são os que vão sentir mais.

    Para a Europa também é boa notícia – os chineses vão puxar um boom de turismo, de venda de bens de consumo, de automóveis.

    Para a América Latina, a retomada do mercado imobiliário é boa notícia para os produtores de metais e de energia. O que provavelmente se beneficia menos, porque a China é um pedaço menor de sua economia total, são os Estados Unidos. Mas isso não significa que será ruim para eles, é só que, em comparação aos outros, irão se beneficiar menos.

    Como deve ser essa retomada?

    A primeira coisa, que já estamos vendo, é o governo querendo entregar um crescimento forte, e, na China, historicamente, isso é feito por meio do mercado imobiliário. Então, de repente, as construtoras estão tendo acesso a capital de novo. Não devemos ter um novo superciclo imobiliário, longe disso. As construtoras ainda estão com medo de quebrar e isso demora para passar.

    Mas os projetos já existentes estão sendo retomados, e isso ajuda a explicar por que os preços do cobre ou do minério de ferro já subiram bastante. Só a demanda para terminar esses projetos, pelos próximos seis a 18 meses, será o suficiente para puxar o preço deles para cima. Quer dizer, as perspectivas para essas commodities são boas, então as coisas parecem estar muito bem encaminhadas para os grandes produtores de metais na América Latina em 2023, como o Brasil ou o Chile.

    Como a retomada da China pode afetar o Brasil, especificamente?

    O Brasil é um massivo produtor de commodities a um custo razoavelmente baixo. Para o Brasil interessa, então, um crescimento global forte, e, para isso, é preciso que a China cresça. A economia chinesa vai acelerar, o que é indiscutivelmente uma boa notícia para o Brasil. Mesmo com todos os ventos contrários nos últimos anos, a economia brasileira se manteve até que razoavelmente bem. A China estava crescendo pouco, com a economia fechada e com o mercado imobiliário paralisado. Agora que os ventos estão ficando todos a favor, as perspectivas são bem otimistas para o Brasil.

    Por quanto tempo devem durar esses “ventos favoráveis” da economia chinesa para o Brasil?

    Pelo menos pelos próximos um a dois anos. Já no longo prazo, a resposta para o Brasil dependerá do quanto a economia chinesa e a russa irão se integrar. A Rússia é uma grande fornecedora global de commodities e, historicamente, sempre se voltou essencialmente para o Ocidente. Isso, é claro, mudou drasticamente no último ano com a guerra na Ucrânia.

    As explosões dos gasodutos da Nord Stream [que ligam a Rússia a países da Europa] cristalizaram, de certa maneira, esse fato de que o futuro da Rússia não está mais no Ocidente e, sim, no Oriente. As commodities russas devem começar a ir para a China e a Índia. Isso significa novos concorrentes para o Brasil e, no longo prazo, deve ser um desafio.

    O PIB chinês, divulgado nesta semana, cresceu 3% em 2022, menos da metade que no ano anterior e um dos resultados mais baixos em quase meio século. O que podemos esperar da economia chinesa nos próximos anos?

    É um número bem fraco e pode ser a explicação para a guinada que a China deu de rígidos lockdowns para uma reabertura completa em um período tão curto. Mas este é um retrato de uma China que não existe mais, que é a China que estava fechada e cheia de restrições ao mercado imobiliário. Isso tudo mudou nas últimas seis semanas. Os números daqui dois ou quatro meses vão ser completamente diferentes.

    Passados os efeitos dos anos de pandemia, a China consegue voltar às taxas de crescimento de dois dígitos que tinha no início dos anos 2000, ou devemos esperar um crescimento permanentemente menor para ela no futuro?

    Serão números mais modestos. O crescimento do PIB é, basicamente, o crescimento da população mais o ganho de produtividade. As altas de dois dígitos eram, de um lado, resultado do momento demográfico. O grosso da população tinha entre 20 e 60 anos e estava trabalhando, consumindo, poupando. Foram 15 ou 20 anos de um bônus demográfico tremendo.

    Agora o país está envelhecendo, e bem rápido. Do outro lado, os ganhos de produtividade responderam por uma parte grande daqueles crescimentos enormes, com a China correndo para se equiparar ao resto do mundo, construindo rodovias, ferrovias. Foi um impulso gigante. Agora, os ganhos fáceis de produtividade já foram. Então, estruturalmente, a taxa de crescimento da China deve ficar mais próxima de 3% a 4%. Não é o caso para este e os anos próximos; ela deve crescer bem mais que isso por conta da demanda represada. Mas, estruturalmente, o crescimento chinês vai ser bem mais fraco daqui para frente.

    Muitos falam em desaceleração e mesmo recessão na economia global em 2023, com o avanço da inflação e a escalada dos juros em diversos países. Isso não pode contaminar essa retomada da China neste ano?

    Na verdade, o que acontece é o oposto. Sempre que a economia da China acelera, a economia mundial também acelera. Foi o que aconteceu no começo dos anos 2000, quando o crescimento chinês levou ao boom global. Em 2009, todos estavam falando de uma década perdida e a China liderou uma aceleração, e o mesmo voltou a acontecer em 2015 e 2016.

    Hoje, de fato, muitos estão receosos com uma recessão, mas, enquanto isso, o PIB da China vai passar por uma retomada forte. Com que frequência você vê a China tendo um crescimento forte e o resto do mundo numa recessão? Não é assim que funciona.

    Em 2022, a população chinesa ficou menor, algo que não acontecia há mais de 60 anos. Há uma mudança demográfica em curso no país, e como isso pode mudar a sua dinâmica?

    Trata-se de uma verdadeira mudança cultural. A maioria dos chineses hoje vive em cidades, cheias de gente, em apartamentos pequenos e não conseguem ter famílias grandes. Muitas mulheres também já começam a ganhar mais que os homens e estão mais independentes financeiramente. Cada vez mais as chinesas têm adiado o casamento, a maternidade e isso é uma mudança dramática em relação ao que o país era há 30 ou 40 anos. É uma coisa que não aconteceu na Índia ainda, que é muito mais tradicional em relação às mulheres. Socialmente, a China se parece muito mais com os países ocidentais do que com um país emergente.