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    Primeiro Orçamento da nova regra fiscal deve descumprir meta, dizem economistas

    O governo tem até 31 de agosto para apresentar proposta orçamentária de 2024, e conta com a Câmara para aprovar marco fiscal antes disso

    Juliana Eliasda CNN

    São Paulo

    O primeiro Orçamento a ser feito sob o novo marco fiscal, e também o primeiro elaborado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, já deve descumprir uma parte dos limites de gastos definidos pelo novo marco e estar sujeito às punições que ele prevê, de acordo com economistas consultados pela CNN.

    O governo tem até 31 de agosto para entregar o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) do ano que vem, o projeto que estima as receitas e define quanto e com o que o governo poderá gastar em 2024.

    O texto pode ser alterado no Congresso e deve ser aprovado pelos parlamentares antes de 31 de dezembro.

    O marco fiscal, que aguarda aprovação no Congresso ainda neste mês, cria dois pilares de limitação às despesas do governo:

    • teto de gasto — ou seja, um limite para o crescimento das despesas do ano;
    • meta de resultado primário — que determinará, a cada ano, em quanto o governo poderá gastar mais do que arrecadar e, portanto, aumentar seu endividamento, ou em quanto deverá gastar a menos e economizar.

    Poucos especialistas estão calculando que o teto de gasto não será cumprido. É unânime entre eles, entretanto, que a meta fiscal traçada para 2024, de zerar o déficit nas contas, será estourada.

    A meta definida para 2024 pelo próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no começo deste ano, é de um déficit de 0% do PIB, ou seja, as principais despesas e receitas do ano que vem deverão ser exatamente do mesmo tamanho.

    O novo marco fiscal prevê uma banda de tolerância para essa meta, que é de 0,25 ponto para mais ou para menos. O resultado das contas públicas, portanto, poderá ficar entre -0,25% e 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano.

    “Se levar em consideração o que foi anunciado até o momento pelo governo, de fato vai ser difícil ver o cumprimento da meta de déficit primário zero no ano que vem, mesmo já considerando os intervalos de tolerância”, diz a diretora do Instituto Fiscal Independente (IFI), Vilma Pinto.

    Pela projeção do IFI, as despesas do governo para 2024 devem crescer dentro do limite máximo de 2,5% estipulado e, portanto, ficarão dentro do teto de gastos. As contas da entidade, entretanto, apontam para um déficit de -0,8% do PIB, bem distante da tolerância mínima de -0,25%.

    Para a XP, com os atuais níveis de gastos e receitas esperados para o ano que vem, o rombo pode ser ainda maior, de -1% do PIB. É o equivalente a uma conta de R$ 107,4 bilhões no vermelho.

    “Diante desse cenário, o governo teria que fazer um contingenciamento que poderia chegar à ordem dos R$ 53 bilhões”, diz  economista da XP, Tiago Sbardelotto.

    “Com isso, ele conseguiria melhorar esse déficit para -0,5%, mas, ainda assim, fora da meta de até -0,25%.”

    Os contingenciamentos são congelamentos de verbas que o governo é obrigado a fazer regularmente, ao longo do ano, para garantir o cumprimento da meta fiscal caso veja que o andamento dos gastos e da arrecadação de impostos estão caminhando piores do que o previsto.

    A proposta original para o marco fiscal apresentado pelo governo tornava esse congelamento de verbas opcional, mesmo em um cenário em que a meta não estivesse sendo cumprida.

    Os parlamentares, entretanto, retomaram a obrigatoriedade dos contingenciamentos nas alterações que fizeram durante a tramitação do texto no Congresso.

    Risco de furo no teto

    “O mercado já tem uma expectativa de déficit para o próximo ano na casa dos R$ 80 bilhões, que é cerca de 0,7% do PIB”, diz a economista-chefe do Inter, Rafaela Vitória.

    Isto acontece, explica ela, porque o governo tem uma série de promessas de ampliação de gastos para o ano que vem, e vem tentando fechar a conta por meio de medidas de aumento de arrecadação que ainda são incertas, já que, em boa parte, dependem de aprovação do Congresso.

    Voltar a dar aumentos para o salário mínimo acima da inflação e ampliar a isenção do Imposto de Renda (IR) são alguns dos programas que já encomendam mais gastos e menos arrecadação para 2024. A ampliação dos investimentos com infraestrutura, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado nesta sexta-feira (11), acrescenta mais alguns bilhões ao rombo.

    O fim do antigo teto de gastos, com o novo marco fiscal, também muda as regras para o reajuste dos orçamentos da Saúde e da Educação, o que deve permitir que eles voltem a crescer mais.

    O governo terá, ainda, que lidar com a pressão dos servidores federais por reajuste nos salários no ano que vem.

    Com essa lista, Vitória avalia que há o risco, inclusive, de que mesmo o teto de gasto não seja cumprido.

    Pela nova regra fiscal, as despesas anuais deverão ser reajustadas pela inflação do ano anterior, como era o teto de gastos original, mais um aumento real que deverá ser de, no mínimo, 0,6% a, no máximo, 2,5%.

    Dentro dessa banda, a expansão não poderá ser maior do que 70% do crescimento das receitas no ano anterior, sempre consideradas as variações já acima da inflação.

    “Se considerar o aumento do salário mínimo, mais os gastos com investimento, esse crescimento já está mais ou menos em 3% [acima da inflação]”, disse Vitória, do Inter. “Como as despesas com saúde e educação também podem aumentar, isso poderia ir até a 4%.”

    Ajuste “forçado”

    O especialista em contas públicas e economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto, também vê como distante a possibilidade de que a meta de déficit zero para o ano que vem seja cumprida.

    A estimativa da Warren é de um déficit de -0,9% do PIB no ano que vem.

    Salto destaca, entretanto, que a própria legislação fiscal já prevê contrapartidas automáticas para isso e que levam o governo a fazer, depois, uma espécie de “ajuste fiscal forçado”.

    “Essa é uma inovação do arcabouço”, diz ele. “O rompimento da meta de primário, desde que fique comprovado que todo o contingenciamento possível foi feito, é permitido, mas ela produz efeitos fiscais relevantes, ao limitar no ano seguinte a despesa via acionamento de gatilhos.”

    Pelas novas regras, caso descumpra a meta fiscal em um ano, o governo fica automaticamente proibido, no ano seguinte, de fazer determinadas expansões de despesa, como criar cargos, aumentar programas sociais ou conceder novas isenções tributárias.

    Caso não cumpra a meta novamente em um segundo ano consecutivo – em 2025, neste caso – a lista de travas se amplia, proibindo também reajustes para servidores e realização de concursos para novas contratações.

    Além disso, o teto de gasto também fica menor. Caso o governo entregue um resultado pior do que o limite mínimo tolerado para o ano, o limite para o crescimento dos gastos do ano seguinte cai de 70% do aumento das receitas para 50%.

    Na prática, ao estourar o limite de déficit que traçou para 2024, Lula e Haddad serão obrigados a se encaixar a um Orçamento ainda mais apertado em 2025.

    “Claro que seria muito melhor a geração de um resultado primário em linha com a meta estipulada”, afirmou Salto.

    “Mas, nesse contexto, se o arcabouço for cumprido [com o acionamento dos gatilhos], mesmo que a meta de primário não seja, a tendência é uma melhora gradual do resultado primário e um crescimento da dívida/PIB a taxas decrescentes.”