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    Piso de crescimento e mecanismo “anticrise”: o que muda com nova regra fiscal

    Projeto para controlar despesas do governo prevê aumento mínimo acima da inflação, metas para as contas públicas e dispositivo que obriga governo a poupar em anos de bonança

    Juliana Eliasda CNN

    em São Paulo

    A proposta para a nova regra de controle das despesas públicas apresentada nesta quarta-feira (30) pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad faz mudanças substanciais em relação às normas atualmente vigentes, ditadas pela emenda constitucional do teto de gastos (EC 95/2016), em vigência no país desde 2017.

    Como no teto de gastos, o objetivo da nova proposta do governo Lula é também criar limites para o crescimento das despesas do governo de maneira a evitar, em última instância, o aumento descontrolado da dívida pública.

    O modelo apresentado por Haddad, porém, propõe isso de maneira mais complexa que no teto, com a adição de “sub-regras” que também pautarão o avanço das despesas, mas também de maneira mais flexível, com margens de tolerância nas metas estipuladas.

    Entre as principais diferenças, a nova regra passa a prever crescimento real para os gastos públicos, ou seja, acima da inflação, o que havia sido congelado pelo teto de gastos.

    Ela também troca os indicadores usados como referência para aumentar a despesa: enquanto no teto antigo quem ditava o ritmo de crescimento dos gastos era a inflação, agora isso deve ser feito pela arrecadação.

    Veja a seguir os principais pontos de como funciona o atual teto de gastos e do que já se sabe de como deverá ser a nova regra fiscal:

    Como é

    A regra fiscal vigente atualmente é a do teto de gastos, que foi estipulada em 2016 pela emenda constitucional 95. Ela passou a valer a partir de 2017.

    O “teto”

    O “teto” a que se refere o nome é o limite máximo a que os gastos do governo podem chegar a cada ano.

    No teto de gastos, esse limite é definido pela inflação: o total a ser gasto pelo governo e os órgãos ligados a ele só pode aumentar, a cada ano, o equivalente à inflação do ano anterior.

    Com o tempo, a tendência era que os gastos públicos, uma vez congelados em termos reais, ficassem menores em relação ao PIB, que, no geral, continua crescendo.

    Praticamente todas as despesas federais estão na conta. O importante é que a soma de todas elas respeite o limite de crescimento da inflação.

    É possível que alguma rubrica cresça mais, como os gastos com aposentadorias, por exemplo, mas, para isso, é necessário que haja corte em algum outro lugar para que todos possam continuar cabendo juntos sob o mesmo teto.

    A mesma lógica continua na regra nova, mas com mecanismos de reajustes diferentes e, no geral, mais folgados para o aumento anual dos gastos.

    Saúde e educação

    As únicas pastas que ganharam regras próprias de reajuste na emenda do teto foram as da Saúde e da Educação.

    Diferentemente das demais, que podem ser aumentadas ou reduzidas conforme a necessidade (desde que, no conjunto, respeitando o teto), estas duas devem necessariamente ter o reajuste da inflação do ano anterior, no mínimo.

    Regra constitucional

    O teto de gastos foi feito por meio de uma emenda constitucional, ou seja, as regras dele foram incluídas diretamente na Constituição.

    Isso significa que, tanto para aprová-lo, quanto para eventualmente alterá-lo, é necessário mudar a Constituição novamente. Isso só pode ser feito por meio de PECs – propostas de emendas à Constituição -, que exigem um número muito maior de votos no Congresso.

    Data para acabar

    O teto de gastos foi concebido como uma regra provisória, prevista para durar por 20 anos, ou seja, até 2036, podendo passar por uma revisão no décimo ano (2026).

    Após o início da pandemia, porém, uma margem cada vez mais apertada para as despesas levou o governo Bolsonaro a fazer diversas mudanças na regra ou criar exceções por meio de PECs que permitiram à sua gestão gastar mais.

    Como deve ficar

    O “novo teto”

    A regra nova também tem um teto próprio, ou seja, um valor máximo a que os gastos federais poderão chegar a cada ano, mas o mecanismo de reajuste é diferente.

    Em vez da inflação, o limite de gasto passa a acompanhar a receita, ou seja, a arrecadação do governo com impostos, royalties e dividendos, por exemplo.

    Os gastos públicos poderão crescer até o limite de 70% do crescimento da arrecadação no ano anterior, já acima da inflação.

    Para isso, será considerado o crescimento da arrecadação verificado em 12 meses até junho do ano anterior, e não no ano completo. Isto porque o Orçamento para o ano seguinte deve ser sempre apresentado até agosto pelo governo.

    • Por exemplo: se a arrecadação do governo crescer 3% além da inflação em 2023, nos 12 meses até junho, os gastos de 2024 poderão crescer a inflação do período mais 70% desses 3%, ou seja, mais 2,1%.

    Piso de crescimento e mecanismo “anticrise”

    E se a arrecadação cair, os gastos deverão ser cortados junto com ela no ano seguinte? Não, os gastos nunca ficarão menores do que nos anos anteriores.

    Por outro lado, também não poderão crescer indefinidamente caso a receita dispare.

    Entre as “sub-regras” criadas pelo novo marco, estão um limite mínimo e um limite máximo para o crescimento anual das despesas públicas, que serão de 0,6% e 2,5%, respectivamente, já acima da inflação.

    Esta é uma das principais diferenças em relação à regra antiga: as despesas terão sempre um crescimento real garantido, de pelo menos 0,6%, enquanto o teto de gastos proibia qualquer aumento acima da inflação.

    • Por exemplo: se a arrecadação federal cair 1% nos 12 meses até junho de 2023, os gastos previstos para 2024 serão reajustados pela inflação mais o piso de 0,6%.
    • Se, por outro lado, a arrecadação crescer 5% mais que a inflação, os gastos poderiam, em teoria, ser aumentados em até 70% disso, ou seja, em 3,5% além da inflação. A regra, porém, limita esse crescimento real ao máximo de 2,5%.

    Isso significa que sobrará um pouco mais de dinheiro do que foi arrecadado e que não será gasto, permitindo ao governo guardar recursos nos momentos de bonança.

    São os chamados “mecanismos anticíclicos”, ou seja, mecanismos que ajudam as políticas públicas a irem na contramão dos ciclos econômicos: eles obrigam o governo a poupar um pouco nos momentos de crescimento forte, quando PIB e arrecadação crescem muito, e dão maior flexibilidade para gastar um pouco mais nas crises, quando PIB e arrecadação caem.

    Meta para saldo e margem de tolerância

    Outra sub-regra do novo marco é a volta das metas de resultado primário, que eram usadas antes do teto de gastos, mas agora com ajustes.

    O resultado primário é o saldo das contas públicas entre tudo o que governo arrecada e tudo o que gasta, desconsiderados os gastos com juros da dívida, que têm fontes próprias de pagamento.

    Por ora, essas metas já foram traçadas até 2026 por Haddad. Para 2023, por exemplo, a meta para o resultado primário do governo será de um déficit de -0,5% do PIB.

    A diferença é que essa meta de saldo fiscal, agora, passa a ter uma banda de tolerância, que será de 0,25 ponto para cima ou para baixo. Ou seja, em 2023, o governo deverá manter o déficit entre -0,75% e -0,25% do PIB.

    Caso o governo falhe na meta e entregue um resultado abaixo do limite mínimo, ele recebe uma punição para o ano seguinte: em vez de um aumento nos gastos de 70% da arrecadação, ele só poderá fazer um reajuste de no máximo 50%.

    • Por exemplo, se a receita crescer 3%, em vez de 70% disso – 2,1% -, os gastos só poderão se reajustados em até 50% desse valor, em 1,5%.

    Por outro lado, caso o resultado saia melhor do que o esperado e supere a banda máxima, os recursos excedentes deverão ser direcionados para investimentos nos anos seguintes.

    Saúde e educação

    O entendimento do economista Murilo Viana, especialista em contas públicas, é que, com a revogação do teto de gastos, devem voltar a valer as regras antigas para os orçamentos da saúde e educação, que eram antes previstos pela Constituição e tinham sido alterados pela PEC do teto.

    Antes, o orçamento das duas pastas devia cumprir uma porcentagem mínima da arrecadação, o que significa que variam sempre na mesma proporção que a receita, e não limitados aos 70% que a nova regra estipula para todo o resto.

    “Se a arrecadação crescer 10%, os gastos com saúde e educação crescem 10% também”, diz Viana.

    “Mas este é um dos pontos que não estão claros e que teremos que aguardar a redação final do texto para ver como fica”, disse ele.

    Lei simples

    Outra importante diferença da regra que está sendo proposta é o fato de que deve ser apresentada por projeto de lei complementar simples, e não como emenda à Constituição, como foi o teto de gastos.

    No entendimento de boa parte dos economistas e legisladores, este é o mecanismo mais adequado para um conjunto de regras econômicos, como são outros marcos legais setoriais, que não precisam ser inscritos à Constituição para se regulamentar.

    Sem prazo para acabar

    Diferentemente do teto de gastos, que era previsto para durar por 20 anos, não há, a princípio, um prazo final estipulado para o novo marco fiscal.

    A regra que passará a ser a responsável por disciplinar a expansão dos gastos públicos deve se tornar permanente.