Parecer da AGU deve se tornar pressão contra Marina e Ibama por petróleo na Foz do Amazonas
De acordo com interlocutores da AGU, os técnicos da Consultoria-Geral da União não pretendem "reinventar a roda" e devem observar essencialmente os precedentes do STF
A Advocacia-Geral da União (AGU) deverá concluir, nos próximos dias, um parecer com sua análise jurídica sobre o caso da exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
Alvo de discórdia entre o Ibama e políticos da região Norte, o licenciamento ambiental para pesquisas exploratórias da Petrobras foi negado por causa da exigência de uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), que poderia levar anos e abrangeria toda a Margem Equatorial — onde estão localizadas cinco bacias marítimas, entre as quais a Foz do Amazonas.
Segundo fontes do governo ouvidas pela CNN, a tendência da AGU é opinar que esses estudos não são obrigatórios e indispensáveis para o caso. Isso não encerra as discussões em torno do licenciamento, mas deve se transformar em mais um fator de pressão contra a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o Ibama.
De acordo com interlocutores da AGU, os técnicos da Consultoria-Geral da União não pretendem “reinventar a roda” e devem observar essencialmente os precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF).
E a jurisprudência do STF, segundo essas fontes, indicaria que a AAAS não pode funcionar como obstáculo para a análise da viabilidade ambiental da exploração de petróleo.
A ironia da história é que a reta final de elaboração do parecer da AGU coincide com a Cúpula da Amazônia, que reúne representantes de 15 países para discutir o futuro do bioma.
A Declaração de Belém, documento final a ser firmado pelos presidentes de países amazônicos e cuja minuta foi obtida pela CNN na semana passada, não contempla uma única menção à exploração de petróleo.
Fontes do governo afirmaram à CNN não ter a expectativa de que o parecer da AGU resolva completamente as divergências sobre o licenciamento ambiental, pois o documento não tem efeito vinculante.
O Ibama, em tese, pode insistir em suas posições iniciais. Trata-se, muito mais, de um fato político novo e que aumenta a força no embate de quem defende a exploração na Foz do Amazonas.
Um caminho aventado para solucionar o impasse é o acionamento da Câmara de Mediação e Conciliação da Administração Pública Federal (CCAF). Essa câmara também funciona no âmbito da AGU, mas suas decisões têm efeito vinculante em processos administrativos do governo.
Os casos levados à CCAF costumam tramitar durante seis meses, aproximadamente, até uma mediação final. Já houve casos célebres, como um acordo entre bancos e poupadores em torno da correção de aplicações em planos econômicos dos anos 1980 e 1990.
O que chegou à AGU
A AGU foi acionada pelo Ministério de Minas e Energia, por meio de ofício encaminhado em julho, no qual a pasta chefiada por Alexandre Silveira pede ao órgão que fixe entendimento das normas em vigência.
A análise em curso tem como fundamento o disposto no artigo 4º, inciso X, da Lei Complementar nº 73/93, que estabelece como competência da AGU “fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal”.
No ofício encaminhado à AGU, o Ministério de Minas e Energia faz referência ao bloco FZA-M-59, localizado em águas profundas, cerca de 2.800 metros de lâmina d’água, a 175 quilômetros da foz do Rio Amazonas.
A pasta de Silveira alega que uma portaria interministerial de 2012, antes do leilão que ofereceu esse bloco, permite a realização do licenciamento ambiental sem AAAS.
Jurisprudência do STF
Em junho, o Supremo concluiu o julgamento pelo plenário virtual de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) proposta pela Rede Sustentabilidade, em 2021.
A ação pedia o reconhecimento da obrigatoriedade da AAAS para a concessão de áreas para exploração e produção de hidrocarbonetos como condição prévia indispensável para realização das atividades de exploração em determinada região.
O relator, ministro Nunes Marques, afirmou que “a AAAS não constitui instrumento apto a atestar a viabilidade ambiental de empreendimento” e que “essa tarefa seria atribuída com exclusividade ao procedimento de licenciamento ambiental, em cujo bojo se implementa análise específica e minuciosa das atividades a ser desenvolvidas”.
No final de junho, o STF emitiu extrato do julgamento afirmando que “o Tribunal, por unanimidade, confirmando o indeferimento da providência de urgência, julgou improcedente o pedido formulado na inicial, nos termos do voto do Relator”.
O que diz o Ibama
Para o Ibama, a decisão recente do STF de desconsiderar a AAAS não deverá ter interferência no processo de liberação da licença para exploração de petróleo na Margem Equatorial.
“Informamos que o acórdão do Supremo decidiu que eventual conclusão da AAAS pela aptidão de determinada área não vincula o licenciamento ambiental, ou seja, a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) é um instrumento de planejamento e não se confunde com a licença que cada perfuração precisa”, informou o Ibama, por meio de sua assessoria, em julho.
De acordo com a autarquia ambiental, a equipe de licenciamento entende que não dá para licenciar um poço isoladamente quando se tem na mesma região mais de 300 lotes de exploração.
Lula e Marina
Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse, em entrevista para rádios do Norte, que o Amapá pode “continuar sonhando” com a exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
Em participação nas reuniões prévias da Cúpula da Amazônia, em Belém, Marina Silva afirmou que o Ibama “não facilita, nem dificulta” o licenciamento.
Para a ministra, é uma questão estritamente técnica. Ela ressaltou que mais de duas mil licenças ambientais já foram dadas à Petrobras e nenhuma delas foi concedida com base ideológica — negativas, portanto, também não são influenciadas por ideologia.
Marina prometeu que o Ibama continuará conduzindo todo o processo “com isenção”.