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    Reforma administrativa reduzirá déficit primário do governo, dizem especialistas

    Corte de benefícios e redução de faixa salarial para início de carreira são apontados como principais medidas na proposta atual para conter descontrole fiscal

    Reforma é vista como importante para reorganizar gastos do governo, mas tramitação na Câmara não avançou
    Reforma é vista como importante para reorganizar gastos do governo, mas tramitação na Câmara não avançou Marcello Casal Jr./Agência Brasil

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business em São Paulo

    Com a tramitação parada no Congresso desde setembro, quando foi aprovada em comissão especial da Câmara dos Deputados, a reforma administrativa é uma das matérias mais aguardadas por economistas e investidores.

    Apesar de o texto enviado em setembro do ano passado pelo governo já ter sido alterado — sobretudo no que diz respeito a corte de custos de curto prazo —, especialistas ouvidos pelo CNN Brasil Business ainda acreditam que a pauta é imprescindível para que o país fuja do descontrole fiscal causado pela falta de espaço no Orçamento.

    A combinação do corte de benefícios com a redução de faixa salarial para início de carreira seriam as principais medidas na proposta atual que ajudariam a reduzir o déficit primário do governo.

    A reforma administrativa tem como objetivo reduzir o segundo maior gasto que o governo federal possui atualmente em suas despesas obrigatórias: o funcionalismo público.

    O país contabiliza sete anos de déficits primários anuais e a situação foi agravada durante a pandemia, com a necessidade de resgate financeiro da população mais vulnerável. Nesse cenário de endividamento crescente do Estado, a situação das contas públicas se torna cada vez mais urgente.

    Gastos com funcionalismo público

    Segundo dados divulgados pelo governo federal, em 2019, 94,9% do valor arrecadado foi destinado para despesas obrigatórias, sendo o segundo maior gasto o de folha de pagamento de servidores públicos, atrás dos gastos com previdência.

    Dados de 2016 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam que o Brasil possui cerca de 11,5 milhões de funcionários públicos somando os três poderes e as três esferas. A despesa com a folha de pagamentos equivale a 13,4% do Produto Interno Bruto (PIB).

    O ministério da Economia afirma que a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 9,9% do PIB. Entretanto, o número de servidores do Brasil em relação ao total da força de trabalho é menor, 12,5%, ante 21% na OCDE.

    Em 2019, somando os três Poderes e as três esferas, os gastos com o funcionalismo chegaram a R$ 969 bilhões.

    Para Juliana Damasceno, pesquisadora do Ibre-FGV, o orçamento atual é “engessado”, resultado de uma “falta de planejamento e de responsabilidade fiscal”.

    Ela afirma que faltam processos que avaliem o impacto dessas despesas, até para revisá-las, ou um bom acompanhamento de metas para os resultados desses gastos.

    Como a despesa é construída em cima do total obrigatório, os gastos ficam “sem controle”. Em geral, quando a arrecadação supera as despesas, há um superávit, que costuma ser usado para pagamento de juros de dívidas do governo. Quando há déficit, o governo fica sem esses recursos, e pode não conseguir pagar essas dívidas, o eu passa uma perspectiva negativa para investidores internacionais.

    No caso dos funcionários públicos, ela afirma que “a má prática de não avaliar se soma a uma pressão de uma das categorias profissionais mais expressivas, organizadas e de maior volume no Brasil, os servidores públicos, que possuem seus interesses e se opõe a revisões. Não são todos, mas existe uma elite que quer manter seus direitos e não quer abrir mão disso, é um grupo expressivo”.

    Ela avalia que existem hoje “distorções que custam caro”, pensando nas divergências entre o setor privado e público na remuneração para mesmas funções, além das diferenças entre esferas.

    Um estudo de 2018 do Banco Mundial aponta que a distorção salarial entre os setores é maior na esfera federal, e menor na municipal. Outro problema é a criação de áreas de atuação específicas que recebem salários maiores que a média no setor privado e mais benefícios, enquanto outras ficam com salários menores.

    “As distorções custam caro. Em situação de aperto fiscal, faz sentido buscar cortar onde não precisa gastar. Sair do déficit. Com um orçamento escasso, em que precisa gastar melhor, essas distorções e excesso de benefícios fazem sentido?”, questiona Damasceno.

    Luciano Nakabashi, professor da FEA-RP-USP, afirma que existem “distorções na questão do funcionalismo público de uma forma geral. É preciso alinhar um pouco os incentivos pensando em gerar uma eficiência maior e uma justiça maior em termos de benefícios”.

    Ele aponta ainda uma divergência entre os Poderes. “Se entrar na carreira federal hoje padrão, não tem vários benefícios, mas em outros Poderes, principalmente o Judiciário, ainda tem vários. É preciso deixar isso mais igualitário”.

    O professor afirma que é preciso realinhar os incentivos atuais para os servidores, de modo a aumentar a produção, e reduzir burocracia, melhorando o ambiente de trabalho. Ao mesmo tempo, diz que a maior parte dos gastos ainda são com aposentadorias, que incham a folha de pagamentos, e precisão ser revistas novamente em algum momento.

    Segundo Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, o cenário exige uma “reforma administrativa justa, que deveria reduzir privilégios existentes não só no Executivo, mas também no Legislativo e no Judiciário, a começar pelos super salários”.

    Economia com reforma fica limitada com exclusão do Judiciário / Marcello Casal Jr./Agência Brasil

    Pontos fortes

    Para Castello Branco, um ponto positivo da proposta aprovada na comissão especial da Câmara é que ela valerá apenas para novos servidores. Por mais que isso diminua os efeitos econômicos, evita judicializações, e preserva direitos adquiridos.

    Castello Branco também vê como positiva a redução dos salários iniciais nas carreiras, de modo a torná-los mais compatíveis com o mercado, e o alongamento do tempo entre o início e fim das carreiras.

    Damasceno afirma que os benefícios previstos para serem encerrados, como o de férias de mais de 30 dias e aumento de remuneração com efeito retroativo, devem ter um “impacto orçamentário grande. E dá mais isonomia para as funções, mas precisaria ser aplicado ao Judiciário também”.

    Para os especialistas, a combinação do corte de benefícios com a redução de faixa salarial para início de carreira seriam as principais medidas na proposta atual que ajudariam a reduzir o déficit primário do governo.

    Ela diz ser positivo a medida de estabelecer contratos temporários com limite de 10 anos, uma forma de incentivar contratações. Ao mesmo tempo, a possibilidade de reduzir jornadas e salários em momentos de crise ajuda a “acomodar choques”, como o último com a pandemia, respeitando o teto de gastos.

    A medida de implementar métodos de avaliação para os servidores, que seriam feitas pela população e podem resultar no desligamento do funcionário, é vista como positiva por Nakabashi, mas em partes.

    “É preciso tomar cuidado em como é feita essa avaliação, é algo subjetivo, tem que pensar em como seria na prática. O ideal é ter medidas objetivas pensando no que tinha que fazer, o que fez e o resultado. Ter métricas”, diz.

    Segundo ele, “qualquer empregado precisa ser avaliado, até para mandar embora ou beneficiá-lo”.

    O professor considera que o ponto chave da reforma, um alinhamento entre incentivos para que os servidores sejam premiados pelo desempenho ou punidos – e até desligados – ainda é abordado de forma tímida, mas pode ajudar a aumentar a eficiência e a produtividade.

    Judiciário

    Um consenso entre os especialistas consultados é que o principal desafio da reforma é não abarcar os servidores do Judiciário, que incluem classes atualmente com grandes salários e benefícios.

    “A seletividade no tratamento dos servidores não funciona, precisaria de isonomia como princípio básico, até para evitar judicialização”, diz Damasceno.

    Outro ponto de atenção que ela aponta é a revisão de aposentadoria para policiais e de pensão para familiares, que resultará em uma ampliação de gastos. “Isso mostra um tratamento seletivo para uma categoria de base de apoio do presidente”, afirma.

    Para Gil Castello Branco, a restrição da estabilidade dos funcionários apenas para os com carreiras típicas de Estado é um ponto “polêmico”. Segundo ele, “os demais, perderiam a estabilidade e passariam a ser contratados por período definido, ou não”.

    Ele avalia como “preocupante” a possibilidade de desligar servidores caso haja “ineficiência de desempenho”, devido a um “ambiente político tão conturbado como o dos últimos anos”.

    “Da mesma forma, parece-me negativa, por exemplo, a eliminação dos limites atuais para ocupação de cargos comissionados e funções de confiança. Dessa forma será permitida a ocupação, sem restrições, desses postos por pessoas sem vínculos funcionais permanentes com a Administração Pública”, afirma.

    Crianças | escolas | pandemia | aulas
    Para especialista, é negativo que reforma não aborda desigualdades salariais entre classes do funcionalismo / Rovena Rosa/Agência Brasil

    Expectativa para a tramitação

    Gil Castello Branco afirma que a reforma administrativa é de alta complexidade. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) atual, “alterava 27 trechos da Constituição e acrescentava outros 87”. Ele avalia que a tramitação está sendo lenta, “inclusive por parte do próprio presidente da República”.

    A expectativa dele é de que a reforma administrativa não avance em 2022, por ser um ano eleitoral. “Os parlamentares e o Executivo certamente não têm interesse em debater o assunto  que envolve  uma das maiores e mais organizadas categorias profissionais no país –  a dos servidores públicos -, que têm se oposto à reforma”, diz.

    A combinação da pressão dos servidores e do ano eleitoral também faz com que Damasceno não acredite que a reforma será votada em 2022, mas sim de 2023 em diante.

    Para ela, outro indício disse é que o governo “não tem dados muito críveis sobre o impacto dela. Chegou a falar em economia de R$ 300 bilhões, R$ 450 bilhões, agora R$ 800. Mas não sabemos o que está por trás desse número, se viria com revisão de carreira, terceirização, as cifras não são detalhadas. E essa falta em apresentar números prejudica muito o andar da carruagem”.

    O problema, segundo a pesquisadora, é que o Brasil tem urgência em recuperar a capacidade de gerar superávits primários, com um planejamento sustentável, e isso exige cortar gastos com o funcionalismo público.

    Luciano Nakabashi afirma que “o governo não deve fazer mais nada em 2022. Já fez pouco no mandato, não acho que a reforma tem condições de avançar em um ano eleitoral em um governo que fez pouco em termos de reformas”.