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    Diversidade é aposta das empresas para retomada competitiva no pós-pandemia

    Empresas com políticas de inclusão e afirmação do coletivo LGBT têm mais condições de oferecer soluções criativas e produtivas para superar a crise da Covid-19

    Logo do banco Citi durante evento do Orgulho LGBTQI+ em Londres, no Reino Unido
    Logo do banco Citi durante evento do Orgulho LGBTQI+ em Londres, no Reino Unido Foto: @sebastiano_piazzi/Unsplash

    Luís Lima,

    do CNN Brasil Business, em São Paulo

    Ter um time de colaboradores plural e diverso, em um ambiente participativo e inclusivo, será um diferencial competitivo na retomada de empresas no pós-pandemia. Dar voz ao coletivo LGBTQI+, não só em junho, mês do Orgulho, é estratégico, já que diversifica e enriquece o debate sobre saídas possíveis para o atual momento. Além disso, segundo consultores na área de diversidade, garante a inclusão de pessoas historicamente marginalizadas, e que também foram afetadas pela crise da Covid-19.

    “Empresas devem cuidar da inclusão no país. Se ela inclui, garante uma melhor circulação da economia. Quem estava excluído, passa a participar no emprego de um círculo econômico mais próspero.  A inclusão dos LGBTs, entre outros grupos, reduz a desigualdade e colabora para uma retomada de melhor qualidade”, diz Fábio Mariano, professor do mestrado em comportamento do consumidor da ESPM.

    Companhias que se comprometem com práticas inclusivas, tanto internamente, como em campanhas publicitárias, são também potencialmente mais produtivas e lucrativas, atestam diversos estudos. Um dos mais conhecidos e recentes, da consultoria americana Mckinsey, mostra que a chance de ser lucrativa é 33% maior para as que têm um time executivo diverso em termos de gênero.

    Em um contexto de instabilidade econômica de dimensões ainda incalculáveis causada pela pandemia do novo coronavírus, apostar na diversidade pode, inclusive, catalisar o processo de retorno dos negócios, já que coloca os funcionários no centro da mudança.

    Segundo Ricardo Sales, sócio-fundador da consultoria Mais Diversidade, a crise depura: separa quem estava no ‘oba oba’ e quem tem práticas consistentes. “No pós-pandemia, o mundo será mais complexo, e as respostas não virão de grupos de trabalho homogêneos”, diz  “É óbvio que um grupo de trabalho diverso será mais criativo. Se tenho cabeças diferentes, a sociedade melhor representada, haverá mais chance de inovar, um clima respeitoso, engajado. E clima está associado a lucro”, acrescenta.

    No Brasil, o potencial de compra dos LGBT foi estimado em quase R$ 420 bilhões, ou cerca de 10% da riqueza produzida no país, segundo dados da consultoria norte-americana Out Leadership, de 2015. Para além do “pink money” — ou dinheiro rosa, em tradução livre, como é chamado o capital financeiro nas mãos de LGBTs —, o foco das empresas deve ser a consistência das práticas adotadas.

    Em uma sociedade cada vez mais atenta e disposta a “cancelar”, ou seja, desautorizar companhias oportunistas que fazem ativismo de fachada, outro valor a ser levado em conta é a coerência: não adianta fazer propaganda com casais LGBTs, se os funcionários LGBTs da mesma empresa não são respeitados, por exemplo. A ausência de políticas e práticas coordenadas, no entanto, não deve ser usada de álibi que isentem as companhias a darem o primeiro passo.

    “São raríssimas as empresas que estariam ‘imaculadas’ para fazer ações sobre diversidade. Mas as empresas não têm de ser perfeitas. A sombra do oportunismo assombra gestores, inclusive os homofóbicos”, pondera Mariano.

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    Efeito Covid-19

    De acordo com os consultores, a pandemia afetou a área de diversidade das empresas, assim como em outros setores considerados não essenciais, sobretudo em março, após o susto com a declaração de emergência global. Nenhuma delas, no entanto, descontinuou projetos ou ações que tinham planejado para a área, mas deixou de priorizar ou aumentar aportes, para se dedicar à proteger o capital de giro e políticas de manutenção do emprego.

    “Muitas empresas entendem que a aposta na diversidade é uma forma de atravessar este momento difícil valorizando as pessoas (…) E um dos impactos imediatos é na produtividade”, afirma Reinaldo Bulgarelli, secretário executivo do Fórum de empresas e direitos LGBTI+, grupo que reúne 84 companhias — nenhuma com presidentes assumidamente LGBTs, curiosamente.

    O argumento econômico, de que investir em diversidade pode aumentar lucros e produtividade, sempre foi a “bala de prata” que ajuda a sensibilizar executivos sobre o tema. Em tempos de crise, a abordagem ganha relevância, mas não pode ser o única e exclusiva, já que, para ser uma empresa genuinamente diversa, ela deve estar, de fato, engajada em uma transformação social ampla. Este processo não se limita à performance financeira, e diz mais respeito ao bem-estar dos funcionários.

    “Isso traz impactos na hora de pensar produtos, serviços, contratações, marketing, além da relação com clientes e fornecedores”, defende Bulgarelli.

    De olho no potencial desse público, algumas empresas nascem com o foco neste nicho, como o Pride Bank, banco digital anunciado no ano passado e que tem como diferencial o destino do lucro: 5% a causas sociais ligadas à comunidade LGBT. Outro destaque é o de que os clientes, chamados “Priders”, podem usar o nome social no cartão.

    Engajamento ‘múltiplo’

    Práticas pioneiras e políticas de inclusão mais sofisticadas ainda são vistas com maior frequência em multinacionais de grandes cidades, que “importam” o debate lá de fora, dizem os consultores. Mais à margem, empresas nacionais de médio e pequeno porte têm o compromisso de estarem mais atentas às questões de sexualidade e gênero, que avançaram significativamente no Brasil nos últimos anos, com a aprovação de direitos, como a união homoafetiva e a criminalização da LGBTfobia.

    “É importante que a discussão não fique restrita aos escritórios centrais das empresas. Não tenho interesse em trabalhar esses temas apenas na ‘Faria Lima’ (centro financeiro de São Paulo). A empresa, muitas vezes, está pulsando nas fábricas, na ponta. Temos que estar lá”, diz Sales.

    Nas grandes empresas, tem sido cada vez mais comum a instalação de grupos de discussão de direitos LGBTs, onde ganham espaço discussões sobre gênero e sexualidade. Nos últimos dois anos, um tópico bastante discutido em reuniões é o da interseccionalidade, que relaciona o debate com outras esferas, como a racial, social e geracional.

    “Se falarmos de gênero, não de uma maneira interseccional, estaremos fadados a ficar em uma conversa que em muitos casos será elitista, e será sobre ‘mulheres brancas na liderança’. É uma conversa importante, porém incompleta. A grande discussão de gênero envolve mulheres, negras, com deficiência…”, enumera Sales.

    Segunda pesquisa recente do LinkedIN, metade dos brasileiros LGBT já assumiram a colegas de trabalho sua orientação ou identidade de gênero, mas um em cada quatro, nunca contou a ninguém. O principal motivo dessa decisão para 22% dos participantes é o medo de sofrer represálias. De acordo com o levantamento, 35% dos entrevistados LGBT também afirmaram ter sofrido algum tipo de discriminação, velada ou direta. O estudo, de 2019, considerou a opinião 1.088 profissionais de todo o país.

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    No Brasil, empresas como Skol, Itaú, Accor, Natura e Boticário são destacadas como cases de sucesso na área da diversidade. No caso da Skol, o estereótipo anacrônico, reforçado por diversas propagandas que objetificavam mulheres, foi afastado a partir de um árduo processo de desconstrução. Uma das ações foi o mea culpa de seu passado machista, com a campanha “Redondo é sair do seu passado”, em um esforço de promover a diversidade e o empoderamento.

    Outra ação relevante da Ambev, proprietária da Skol, foi um “tuitaço”, no ano passado, em que a empresa doou R$ 1 à Casa 1, centro de assistência LGBT de São Paulo, a cada post com a hashtag #OrgulhoDaMinhaHistoria. 

    No mercado publicitário, causou furor uma propaganda em rede nacional de O Boticário, de 2015, que trazia casais gay e lésbico — alvo de processo no Conar, ameaça de boicote de conservadores e vencedora de prêmio publicitário. A concorrente Natura foi alvo de pressão semelhante, quando lançou no ano passado uma linha de maquiagem com beijo gay, com o mote “No amor cabem todas as cores”. Ambas as empresas reafirmaram suas posições, mesmo diante da enxurrada de críticas.

    Em outra frente estratégia, o Itaú não lançou produtos ou campanhas voltadas aos LGBTs, mas possui diversas ações de afirmação do coletivo, como editais para incentivar projetos de valorização da diversidade sexual e de gênero, além de políticas internas de respeito e articulação. Menos associadas à causa na opinião pública, mas com ações afirmativas relevantes, as multinacionais IBM e Dow têm canais de diálogo, treinamento e contratação focados no coletivo LGBT.

    Sem volta pro ‘armário’ 

    De perfil consevador, o governo do presidente Jair Bolsonaro não provocou uma “volta ao armário” de marcas e empresas do setor privado, acreditam os consultores. Pelo contrário: muitas reforçaram seus coletivos e sentiram uma necessidade ainda maior de afinar o discurso em defesa de minorias sexuais e de gêneros, que deixaram de ser consideradas em políticas públicas. “As companhias mais engajadas não retrocederam. Tínhamos esse medo em 2018, ano de eleição, mas não aconteceu”, disse Bulgarelli.

    Ainda que mais protegida, a esfera privada não está imune, e um dos setores também expostos às políticas do governo federal é o turismo. Ricardo Gomes, presidente da Câmara de Comércio e Turismo LGBT do Brasil, diz que foi assinado um acordo para a promoção do turismo LGBT seis meses antes da posse do atual presidente, mas que, na prática, “é como se não existisse”.

    À época em que Bolsonaro disse que o Brasil não poderia ser o país do “turismo gay”, em abril de 2019, Gomes emitiu uma carta, ressaltando o potencial econômico do segmento no mundo: US$ 218,7 bilhões em 2018, segundo dados da pesquisa LGBT Travel Market, promovido anualmente pela Consultoria Out Now/WTM. No Brasil, o potencial é dimensionado em US$ 26 bilhões.

    “Para além de questões de sexualidade e gênero, estamos falando de dinheiro, da rentabilidade do turismo LGBT”, diz Gomes. Entre outros setores com ampla participação de LGBTs, o presidente da Câmara de Comércio e Turismo LGBT cita entretenimento e cultura, e moda, com destaque para produtos de maior valor agregado.

    Já do outro lado, o “cancelamento” também parte de consumidores conservadores, também cada vez mais “fora do armário”. “Quando olhamos para pink money, olhamos só o público LGBT, e esquecemos da força e coragem que as empresas têm que ter para levar ações pró-diversidade adiante”, diz Mariano, da ESPM.

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