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    Pandemia renova ideias de emprego e renda universais

    “Grandes mudanças políticas geralmente ocorrem após grandes eventos de turbulência”, disse Daniel Nettle, um cientista comportamental

    Os pedidos iniciais de auxílio-desemprego aumentaram em 16 mil
    Os pedidos iniciais de auxílio-desemprego aumentaram em 16 mil Foto: Reuters/Robert Galbraith

    Julia Horowitz, do CNN Business, em Londres

    Christine Jardine, uma política escocesa que representa Edimburgo no parlamento do Reino Unido, não era fã da renda básica universal antes da pandemia.

    “Ela era considerada por alguns setores uma espécie de ideia socialista”, disse Jardine, membro do partido centrista Liberal Democrata.

    No entanto, pouco tempo depois de o governo fechar escolas, lojas, restaurantes e bares em março avisando com pouca antecedência, ela começou a reconsiderar sua posição.

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    “A Covid-19 foi uma virada de jogo”, comentou a parlamentar. “Vimos então a sugestão de uma renda básica universal sob uma ótica completamente diferente”. Em sua opinião, a ideia de enviar dinheiro regularmente para todos os cidadãos residentes no país, sem restrições, agora parece mais “pragmática” do que absurda.

    Jardine não é a única a mudar de ideia. À medida que a crise econômica desencadeada pelo coronavírus se arrasta, está crescendo na Europa o apoio a políticas progressistas antes vistas como uma fantasia das políticas de esquerda.

    Na Alemanha, milhões de pessoas se inscreveram para participar de um estudo sobre renda básica universal que distribuirá aos participantes 1.200 euros (US$ 1.423) por mês, enquanto no Reino Unido mais de 100 parlamentares (incluindo Jardine) estão pressionando o governo para iniciar testes semelhantes.

    A Áustria, por sua vez, lançou um programa piloto pioneiro que garantirá empregos remunerados aos residentes que lutam contra o desemprego prolongado em Marienthal, uma antiga cidade industrial a cerca de 60 quilômetros de Viena.

    Se o aumento na popularidade e a pesquisa se traduzirão em uma onda de ações é uma questão em aberto. Mas algumas pessoas, como Jardine, veem motivos para otimismo.

    O catalisador da crise

    Ao longo da história, tempos de crise produziram grandes mudanças no papel que os governos desempenham em nossas vidas. Da Grande Depressão surgiu o plano do ex-presidente Franklin Delano Roosevelt de distribuir cheques de seguridade social nos Estados Unidos, por exemplo, enquanto as bases do sistema de saúde universal da Grã-Bretanha foram lançadas durante a Segunda Guerra Mundial.

    Os especialistas veem a pandemia do coronavírus como um evento causador de mudanças de proporções mundiais que pode resultar em uma espécie de movimentação de placas tectônicas semelhante.

    “Grandes mudanças políticas geralmente ocorrem após grandes eventos de turbulência”, disse Daniel Nettle, um cientista comportamental da Universidade de Newcastle.

    A renda básica universal, em sua forma mais pura, significa dar dinheiro a todos, independentemente de quanto ganhem, para que possam ter maior liberdade para mudar de emprego, estudar para novas funções, prestar cuidados a outros ou buscar atividades criativas.

    O interesse pelo conceito aumentou nos últimos anos, impulsionado pela preocupação de que a automação e a crise climática levariam a um deslocamento em massa de trabalhadores.

    A insegurança no emprego causada pela pandemia, no entanto, parece ter gerado novos níveis de apoio à política. Um estudo conduzido pela Universidade de Oxford em março descobriu que 71% dos europeus agora são a favor da introdução de uma renda básica universal.

    “Para uma ideia que muitas vezes foi rejeitada como extremamente irrealista e utópica, este é um número impressionante”, escreveram os pesquisadores Timothy Garton Ash e Antonia Zimmermann em seu relatório.

    Para Nettle (que também fez sua própria pesquisa sobre o tema), o fato da pandemia ter auxiliado a normalizar as transferências de dinheiro do governo também ajuda.

    De acordo com dados compilados por economistas do banco suíço UBS, cerca de 39 milhões de pessoas no Reino Unido, Alemanha, França, Espanha e Itália estavam sendo pagas pelos governos para trabalhar meio período, ou mesmo não trabalhar, desde o início de maio.

    Embora os números tenham diminuído, milhões ainda estão recebendo esse tipo de auxílio, e uma nova onda de restrições na Europa desencadeou uma extensão dos benefícios.

    O Reino Unido, por exemplo, estendeu seu programa de licença (que paga até 80% dos salários perdidos, com limite de 2.500 libras, cerca de US$ 3.321 por mês) até março.

    O golpe na economia causado pela pandemia também colocou os legisladores numa corrida por soluções rápidas, disse Yannick Vanderborght, professor da Universidade Saint-Louis, em Bruxelas, especializado em renda básica universal. A ampla distribuição dos auxílios, portanto, tem maior apelo, uma vez que, teoricamente, pode ser implementada mais rapidamente do que medidas mais direcionadas.

    “O problema é que precisamos de apoio econômico urgente” para grandes grupos de trabalhadores, disse Vanderborght.

    Começam os projetos piloto

    À medida que cresce o entusiasmo por tais políticas, os pesquisadores estão tomando novas medidas para estudar sua eficácia.

    O estudo sobre renda básica universal na Alemanha, realizado pelo Instituto Alemão de Pesquisa Econômica em Berlim (DIW) em parceria com a organização sem fins lucrativos Mein Grundeinkommen, está agora classificando milhões de candidatos. Financiado por cerca de 150 mil doadores particulares, ele pretende começa a distribuir o dinheiro para 120 pessoas a partir da primavera de 2021.

    O estudo vai durar três anos, e também fará o acompanhamento de 1.380 pessoas que não recebem o dinheiro extra para comparação.

    Os participantes deverão preencher questionários regulares durante o estudo. As perguntas vão desde quantas horas estão trabalhando até consultas sobre bem-estar mental, valores e confiança nas instituições, de acordo com Jürgen Schupp, pesquisador sênior do DIW que está gerenciando o projeto. Aqueles que receberem 1.200 euros por mês terão de revelar como estão usando o dinheiro.

    Ao contrário de um experimento realizado na Finlândia entre 2017 e 2018, que teve como alvo pessoas desempregadas, o projeto alemão pretende distribuir dinheiro para uma amostra representativa da população, independentemente do status de emprego.

    Não há garantia, é claro, de que o estudo mostre que a renda básica universal tem amplos benefícios, embora tenha gerado muita atenção dos defensores do conceito.

    “Queremos converter esse engajamento em conhecimento científico básico”, contou Schupp.

    Enquanto isso, o piloto de garantia de emprego na Áustria começou em outubro, e também vai durar três anos.

    O programa, que é financiado por uma divisão regional do Serviço Público de Emprego da Áustria, visa fornecer empregos pagos e de longo prazo a cerca de 150 moradores da cidade de Marienthal (tema de um estudo seminal sobre os efeitos do desemprego de longo prazo na década de 1930) que estão desempregados há pelo menos um ano.

    Aqueles que optarem por participar se matricularão em um treinamento de dois meses antes de iniciar um trabalho que corresponda às suas habilidades, que pode ser desde jardinagem até cuidados infantis e reformas de casas.

    “O objetivo principal é promover inclusão social, o significado e uma fonte de renda para os participantes”, disse Maximilian Kasy, professor da Universidade de Oxford, que participou do delineamento do estudo. Os participantes também deverão preencher avaliações regulares sobre sua rotina diária, saúde pessoal e envolvimento na comunidade local.

    Sven Hergovich, diretor administrativo do Serviço de Emprego, lançou um programa de garantia de emprego para Marienthal antes da pandemia. Mas a crise trabalhista desencadeada pela Covid-19 tornou o programa ainda mais essencial, disse ele.

    “É hora de encontrar novas maneiras [de combater] o desemprego de longo prazo”, pontuou Hergovich.

    Algo vai mudar?

    À medida que os pesquisadores coletam dados dos programas piloto, o ímpeto político para uma revisão das redes de proteção social está aumentando.

    Em setembro, o partido Liberal Democrata do Reino Unido (o partido da escocesa Jardine) votou para que a renda básica universal faça parte de sua plataforma, juntando-se a membros da ala esquerda do Partido Trabalhista que pedem mais estudos. Uma petição exigindo que a Alemanha implementasse uma renda básica universal foi debatida por um comitê de legisladores nacionais no fim do mês passado.

    No entanto, especialistas observam que a coalizão frágil entre defensores da renda básica universal ainda contém grandes divisões.

    Há uma enorme dissidência, por exemplo, sobre se tais programas devem decorrer de gastos deficitários ou impostos mais altos sobre os ricos, bem como se os pagamentos só devem ser feitos para os necessitados — o que significaria que eles não seriam verdadeiramente universais.

    Jardine, por exemplo, acha que a renda básica universal deve substituir o atual sistema de bem-estar social do Reino Unido, ao mesmo tempo em que forneceria a pessoas como cuidadores e trabalhadores da economia informal infusões regulares de dinheiro. Mas ela não está convencida de que os pagamentos devem ser feitos para aqueles acima de um certo limite de renda.

    “Quando temos de transformar um interesse em um programa, começamos a ver algumas inconsistências”, notou Tim Vlandas, professor de política social comparativa da Universidade de Oxford.

    E essas ideias ainda possuem muitos adversários. O governo conservador de Boris Johnson no Reino Unido afirma que a renda básica universal seria muito cara e reduziria o incentivo ao trabalho, ao mesmo tempo em que não alcança aqueles que mais precisam de ajuda. O governo de coalizão da chanceler Angela Merkel também expressou preocupações de que isso poderia levar a um declínio nas taxas de emprego.

    Os críticos também levantam temores sobre as ramificações econômicas mais amplas dessas políticas. Alguns temem, por exemplo, que fornecer uma renda básica universal possa levar a um aumento da inflação.

    Jardine, por sua vez, reconhece a difícil batalha de convencer seus colegas de que a renda básica universal é o caminho a ser seguido. Mas, em sua opinião, a pandemia apresenta uma oportunidade.

    “Os governos mudam – e mudam de ideia”, finalizou.

    (Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).

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