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    O que CEOs dos EUA podem aprender com trainee para negros do Magazine Luiza

    Em artigo à CNN, ex-assessor de Michael Bloomberg cita programa de diversidade da brasileira e defende mudanças no recrutamento das empresas

    Arick Wierson*, para o CNN Business

    Embora não seja um nome conhecido nos Estados Unidos, a bilionária Luiza Trajano, a mulher mais rica do Brasil, pode muito bem ser reconhecida em breve no país se seu novo modelo radical para enfrentar o racismo estrutural se firmar.

    Trajano fez fortuna com a marca homônima Magazine Luiza (ou Magalu, como é conhecida, MGLU3), uma ampla rede de lojas de departamentos do Brasil com mais de 40 mil funcionários.

    Recentemente, ela anunciou, junto com seu filho, Frederico Trajano, CEO da empresa, uma jogada ousada e altamente polêmica: seu cobiçado programa de trainees, há muito considerado um importante trampolim para o mundo corporativo brasileiro, agora só vai admitir brasileiros negros, em um esforço para derrubar um sistema que muitas vezes impede os brasileiros de herança africana de ascenderem na escada corporativa.

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    O anúncio do Magalu rapidamente reverberou no cenário da mídia brasileira. Foi uma jogada ousada, sem dúvida, mas não sem rebote: houve convocações nas redes sociais para um boicote às lojas da rede.

    Para colocar esse movimento em perspectiva, o impacto do novo edital de contratação do Magalu no Brasil seria como se o Goldman Sachs anunciasse que seu prestigioso novo programa de associados estaria apenas contratando portadores de MBAs não brancos, ou o Google reorganizando seu cobiçado programas de gerente de marketing de produto para aceitar só graduados da faculdades historicamente negras.

    Claro, tal movimento nos Estados Unidos iria imediatamente entrar em conflito com leis estabelecidas há muito tempo decorrentes do Título VII da Lei de Direitos Civis de 1964, que criou a Comissão de Oportunidades Iguais de Trabalho (EEOC na sigla em inglês) para julgar a contratação, demissão e queixas trabalhistas.

    Batalhas judiciais seminais, como Griggs versus Duke Power Co. (1971), McDonnell Douglas Corp. versus Green (1973) e Hazelwood School District versus Estados Unidos (1977), entre muitos outros, serviram para promover a estrutura jurídica por meio da qual as empresas norte-americanas agora lidam com questões de raça e igualdade no local de trabalho.

    Com o tempo, esses processos deram às políticas de oportunidades iguais no trabalho mais força ao definir uma estrutura legal que garante a proteção do emprego. Eles também forçaram as empresas a reescrever ou se livrar de práticas e políticas de emprego injustas.

    No entanto, a ironia cruel dos esforços dos EUA para conter a discriminação no local de trabalho é que, como o Título VII removeu à força a raça da equação de contratação, tornou-se imediatamente muito mais difícil implementar programas para lidar com o racismo sistêmico de maneiras que pudessem ser benéficas, razão pela qual as longas tentativas de promover programas de ação afirmativa fracassaram.

    Embora originalmente tenham sido aprovados para atrapalhar a discriminação no local de trabalho, o recrutamento baseado em raça e as leis de contratação acabaram cooptados por conservadores e foram usados para impedir que a raça seja um fator para a criação de locais de trabalho mais diversificados e inclusivos. Ao mesmo tempo, eles dão origem a uma série de queixas brancas sob o rótulo de “racismo reverso”.

    Não importa como chegamos aqui, o sistema atual claramente não está funcionando: os homens brancos ainda representam a maioria dos cargos executivos. Entre os CEOs das empresas da lista da Fortune 500, apenas 1% são negros. De acordo com um estudo recente da Stanford Graduate School of Business que examina a composição das empresas da Fortune 100, mesmo num nível abaixo essa diferença é imensa.

    Apenas 3% dos que cargos de nível sênior com responsabilidades de lucros e perdas (muitas vezes vistos como trampolins para o cargo principal) são afro-americanos. O país tem um problema de diversidade, e nossas maiores corporações precisam adotar novos modelos ousados sobre como acelerar a justiça social e racial em seus quadros.

    Os CEOs devem começar eliminando o mito fundamental da meritocracia nos Estados Unidos – a noção de que a capacidade de alguém progredir na vida é unicamente uma função da força combinada de seus esforços e habilidades – e abordar o recrutamento corporativo de um novo ângulo.

    Em vez de confiar em um processo de contratação definido por frequentar as escolas certas e estagiar em empresas de destaque, os CEOs poderiam começar a identificar e cultivar talentos muito mais cedo na vida e de acordo com uma nova métrica: determinação.

    Vários programas corporativos, como o Plano de Conquista da Faculdade do Starbucks, incluem medidas para tornar o ensino superior mais acessível para os funcionários, mas não conseguem abordar os vetores sociais, ambientais e econômicos que afetam os jovens desfavorecidos.

    E se crescer em uma família de baixa renda e pai solteiro, em vez de ser visto como um obstáculo para subir na escada social, posicionasse jovens adolescentes de alto potencial para programas de desenvolvimento de talentos patrocinados por empresas que os apoiariam desde o ensino fundamental, até ensino médio e faculdade e enfim para as fileiras corporativas do patrocinador?

    Tal programa executado em escala invariavelmente impulsionaria também jovens brancos desfavorecidos, mas isso seria uma característica, não um desvio, tornando toda a iniciativa menos controversa.

    Quais CEOs terão a combinação necessária de visão para realmente defender a justiça racial e se arriscar pela diversidade significativa da força de trabalho? Talvez, como Luiza Trajano no Brasil, seja um líder corporativo que não esteja sobrecarregado por conselhos avessos ao risco e acionistas míopes que não podem ser encarregados de pensar em nada além do próximo trimestre.

    Talvez precise ser alguém como meu ex-chefe, Mike Bloomberg, que ainda possui a maioria de sua gigantesca empresa de mídia e dados e não está em dívida com praticamente ninguém.

    Ou talvez seja alguém como o CEO da Microsoft Satya Nadella, que é amplamente visto como um dos CEOs mais progressistas no tópico de diversidade e inclusão. Ou talvez seja Jeff Bezos da Amazon, Jamie Dimon do JP Morgan ou Eric Yuan da Zoom. Não faltam candidatos com a força política e a perseverança obstinada necessárias para realizar o que Trajano está fazendo no Brasil.

    Apesar da polêmica em torno da decisão, os Trajanos não vacilaram. “Queremos ver mais negros em posições de liderança no Magalu. Essa diversidade nos fará uma empresa melhor, capaz de entregar um melhor retorno aos nossos acionistas”, Frederico Trajano escreveu em um artigo recente.

    Para Trajano, forçar a diversidade é do interesse estratégico de longo prazo dos acionistas.

    O plano do CEO não é apenas criar um fluxo poderoso de liderança mais diversa em todas as fileiras de sua empresa, mas inspirar outros líderes corporativos a seguir o exemplo e, ao fazê-lo, acelerar a desmarginalização da população negra de maioria do país.

    Em última análise, o que acontece como resultado da crescente pressão política e pública contra o Magalu ainda está para ser visto. Se o Magalu mantiver o curso, pode sinalizar um momento decisivo no Brasil e encorajar outras empresas brasileiras a considerarem políticas semelhantes.

    “Hoje, a composição racial do Brasil é acima de 50% de pretos e pardos – basicamente se parece com o que os Estados Unidos são projetados para parecer em 2050”, observou Frederico Trajano em uma entrevista recente comigo, pelo Zoom.

    “Os CEOs norte-americanos de grandes empresas ficariam bem servidos se observassem o que estamos fazendo aqui no Brasil em muitas frentes, incluindo como garantir que a equipe de liderança de uma empresa espelhe melhor o público que atende”.

    Aqui nos Estados Unidos, os norte-americanos acabaram de eleger a primeira mulher negra, Kamala Harris, filha de imigrantes jamaicanos e indianos, como vice-presidente. Portanto, o momento de uma ação tão ousada por um líder na América corporativa certamente seria adequado.

    Talvez pela primeira vez, em vez de olhar para o leste, para o oeste ou uns para os outros em busca de inspiração, os CEOs norte-americanos deveriam olhar para o sul e ouvir suas dicas sobre justiça racial de uma ousada empresária e seu filho do Brasil.

    NOTA DO EDITOR – Arick Wierson é um produtor de televisão vencedor do Emmy e ex-assessor de mídia sênior do prefeito de Nova York, Michael Bloomberg. Ele auxilia clientes em estratégias de comunicação nos Estados Unidos, África e América Latina. Você pode segui-lo no Twitter @ArickWierson. As opiniões expressas neste texto são dele.

    (Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês)

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