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    O Brexit finalmente chegou ao fim, mas deixa o Reino Unido mais pobre

    As empresas britânicas estão respirando aliviadas por manterem o comércio livre de tarifas com um mercado de 450 milhões de consumidores

    Premiê britânico, Boris Johnson, durante visita a centro médico em Londres: grande apoiador do Brexit
    Premiê britânico, Boris Johnson, durante visita a centro médico em Londres: grande apoiador do Brexit Foto: Jeremy Selwyn -24.jul-2020/ Reuters

    Hanna Ziady e Julia Horowitz,

    do CNN Business, em Londres

    Finalmente, o Reino Unido e a União Europeia chegaram a um acordo comercial. Com isso, encerraram mais de quatro anos de incerteza sobre como o país conduziria os negócios com seu maior mercado de exportação após o Brexit.

    As empresas britânicas estão respirando aliviadas por manterem o comércio livre de tarifas com um mercado de 450 milhões de consumidores que compra mais de 40% das exportações do Reino Unido e é responsável por mais da metade de suas importações. O país deixou a União Europeia em 31 de janeiro, mas continuou a contar com os privilégios comerciais de antes, mantidos sob acordos de transição.

    O acordo poupa o Reino Unido de algumas consequências mais sérias do Brexit enquanto o país luta contra uma pandemia paralisante, e deve dar um impulso de curto prazo para a economia. Porém, o acordo comercial ainda deixará o país mais pobre, em um momento em que enfrenta uma crise de desemprego e a pior recessão em mais de 300 anos.

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    “O Reino Unido optou por deixar a União Europeia e o mercado comum europeu, renunciando aos benefícios e vantagens dos Estados-membros”, disse a repórteres o negociador-chefe da UE, Michel Barnier. “Nosso acordo não reproduz esses direitos e benefícios e, portanto, mesmo assim ainda haverá mudanças reais nos próximos dias a partir de agora”.

    O novo relacionamento deve levar a uma perda de produção de longo prazo de cerca de 4% em comparação com o restante da União Europeia, de acordo com o UK Office for Budget Responsibility, que realiza previsões econômicas para o governo.

    Sair do mercado comum e da área alfandegária da UE significa custos mais altos para as empresas do Reino Unido, o que pode levar a preços mais altos ao consumidor e a ainda mais desemprego, bem como a perspectivas de exportação reduzidas, dizem os economistas.

    Outra desvantagem: o acordo parece cobrir principalmente o comércio de bens, onde o Reino Unido tem um déficit com seus vizinhos da UE, e exclui setores de serviços essenciais, como o financeiro, onde atualmente desfruta de um superávit.

    “A boa notícia é que um ‘sem acordo’ amargo foi evitado”, afirmou Malcolm Barr, do banco JPMorgan, em uma nota de pesquisa na quinta-feira (24), antes de o acordo ser finalizado.

    “Em nossa opinião, a má notícia para os britânicos é que a UE parece ter garantido um acordo que lhe permite reter quase todas as vantagens que derivam de sua relação comercial com o Reino Unido, ao mesmo tempo em que lhe dá a capacidade de usar estruturas regulatórias para escolher a dedo entre setores onde o Reino Unido já havia desfrutado de vantagens nas relações comerciais”.

    Abaixo, alguns dos principais desafios que a economia do Reino Unido enfrentará quando a transição do Brexit terminar no dia 1º de janeiro.

    Barreiras comerciais

    As empresas britânicas estão perdendo o acesso irrestrito à União Europeia. Embora um acordo signifique que os exportadores foram poupados da aplicação de tarifas caras sobre seus produtos, as novas declarações de importação e exportação por si só custarão às empresas britânicas £ 7,5 bilhões (US$ 10,3 bilhões) por ano, de acordo com a autoridade de receitas do Reino Unido.

    Os custos aumentarão rapidamente se os novos controles alfandegários atrasarem as mercadorias na fronteira e afetarem as cadeias de abastecimento, forçando as fábricas a interromper a produção.

    Os portos do Reino Unido já estão travados, em parte como resultado do estoque acumulado antes do Brexit, com grupos da indústria representando varejistas e produtores de alimentos alertando que, quando o período de transição terminar, a pressão só irá aumentar.

    Mesmo antes da França fechar abruptamente as fronteiras após um alerta de funcionários do Reino Unido sobre uma nova cepa mais infecciosa do coronavírus, a montadora Honda foi forçada a interromper a produção de uma grande fábrica na Inglaterra por três dias em dezembro porque não conseguiu as peças de que precisava.

    Embora o governo vá realizar gradualmente os controles de fronteira nos próximos meses para evitar a suspensão de suprimentos vitais, caminhoneiros e empresas de transporte estão entre os que alertam sobre as terríveis consequências.

    Rod McKenzie, chefe de políticas e relações públicas da Road Haulage Association, uma associação do setor de transporte e logística, disse ao CNN Business no início deste mês que interrupções na cadeia de abastecimento podem significar que as fábricas não conseguirão trabalhar. Também pode haver “falta de produtos nas gôndolas dos supermercados”, ele acrescentou.

    Essa situação pode ser agravada pelos atrasos desta semana. Embora a França tenha reaberto os portos e o tráfego ferroviário do Eurotúnel, milhares de caminhões permaneceram presos na manhã de quarta-feira (23), com os motoristas esperando o resultado negativo para os testes de Covid-19 para poderem seguir viagem.

    Bandeiras da UE e do Reino Unido lado a lado
    As disputas sobre o Brexit ultrapassaram quatro anos de duração
    Foto: REUTERS/Simon Dawson

    Supermercados como Tesco e Sainsbury’s estavam sofrendo para manter suas prateleiras abastecidas com frutas e vegetais frescos, e a Toyota fechou suas fábricas no Reino Unido e na França antes do Natal.

    “O tempo está passando muito rápido para as empresas”, disse Jonathan Geldart, diretor-geral do Institute of Directors, um grupo de lobby, em um comunicado na quinta-feira (24). “Digerir o que as mudanças significam na prática e se adaptar, no meio de uma pandemia e na época de festas, enquanto as interrupções nas fronteiras continuam, é uma grande demanda”.

    Escassez de funcionários

    O novo sistema de imigração da Grã-Bretanha, que entra em vigor em janeiro, visa reduzir o número de trabalhadores não qualificados que vêm para o Reino Unido e acabar com o que o governo descreve como “dependência do país de mão de obra barata e pouco qualificada”.

    A imigração foi uma questão fundamental no referendo do Brexit em 2016. Como membro da UE, a Grã-Bretanha fazia parte de um bloco que permitia a livre circulação de pessoas. Isso significa que as empresas conseguiam empregar facilmente cidadãos da UE em setores como agricultura, assistência social e no Serviço Nacional de Saúde.

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    O número de trabalhadores da UE que vêm para o Reino Unido caiu drasticamente desde 2016, e os empregadores estão preocupados com a escassez de mão de obra, embora a imigração de países não pertencentes à UE esteja aumentando.

    As propriedades locais precisam de 70 a 80 mil trabalhadores sazonais por ano para ter uma colheita bem-sucedida, de acordo com o Sindicato Nacional dos Produtores do Reino Unido (NFU, na sigla em inglês). O sindicato está fazendo um lobby para que o governo lance um programa de trabalho sazonal, sem o qual alguns produtores alertam que, na pior das hipóteses, as safras podem ser abandonadas nos campos e apodrecer.

    “Trabalhadores de fora do Reino Unido são absolutamente vitais para o sucesso de nosso setor de horticultura”, disse na semana passada o vice-presidente do NFU, Tom Bradshaw, ao CNN Business. “Estamos em um momento crítico de recrutamento para muitos produtores. Como a livre circulação termina em 31 de dezembro, [os produtores] ainda não sabem onde contratarão trabalhadores experientes”.

    Perda de investimento

    Anos de incerteza sobre os termos futuros do comércio com a UE já prejudicaram a economia do Reino Unido. O crescimento do PIB nos três anos após o referendo do Brexit em junho de 2016 caiu para 1,6% com a estagnação do investimento empresarial, de acordo com analistas do banco de investimentos Berenberg.

    Uma maior clareza sobre o futuro relacionamento da Grã-Bretanha com a União Europeia pode ser útil. Uma pesquisa realizada pela EY em abril constatou que 24% dos investidores consideram o Brexit um fator de risco, ante 38% no ano passado. De acordo com a EY, houve um ligeiro aumento no número de projetos de investimento estrangeiro direto na Grã-Bretanha em 2019, encerrando três anos de declínio.

    “Um acordo [irá] desbloquear um investimento significativo no Reino Unido e ajudar na recuperação, assim que o atual choque do coronavírus começar a desaparecer”, disseram economistas do Berenberg a seus clientes na quinta-feira (24).

    Mas ainda há o risco de que as empresas estrangeiras, incluindo montadoras japonesas como Nissan e Honda, não vejam mais o Reino Unido como uma plataforma de lançamento para a Europa.

    Isso pode já estar acontecendo. O investimento chinês em toda a Europa aumentou desde o referendo do Brexit, mas diminuiu no Reino Unido, disse a EY. Os bancos globais estão transferindo algumas de suas operações de Londres para cidades da União Europeia.

    Complicações com serviços financeiros

    As preocupações de que Londres perderia rapidamente seu status de capital financeira da Europa para cidades como Frankfurt ou Paris após a votação do Brexit em 2016 se mostraram exageradas.

    O Reino Unido continua sendo o maior exportador líquido de serviços financeiros do mundo, com um superávit comercial de £ 60,3 bilhões (US$ 81,6 bilhões) em 2019, ultrapassando seus rivais, incluindo Estados Unidos, Suíça e Cingapura, de acordo com um relatório do grupo de lobby TheCityUK.

    Ainda assim, as empresas de serviços financeiros internacionais migraram £ 1,2 trilhão (US$ 1,6 trilhão) em ativos e realocaram 7,5 mil empregos da Grã-Bretanha para a União Europeia desde o referendo de 2016, de acordo com dados públicos monitorados pela EY. Dublin, Luxemburgo, Frankfurt e Paris foram os principais beneficiários.

    A União Europeia e o Reino Unido ainda não fecharam um acordo que dará aos bancos e gestores de ativos britânicos acesso a mercados europeus. É pouco provável que os reguladores da UE deixem Londres ficar com seus benefícios do mercado comum sem manter suas obrigações.

    “Embora um acordo seja bem-vindo, os serviços financeiros e profissionais estão cientes da necessidade de ambos os lados continuarem a desenvolver o relacionamento sobre serviços nos próximos anos”, disse Miles Celic, CEO do TheCityUK, em um comunicado na quinta-feira (24).

    Alguns países externos recebem direitos preferenciais de acesso ao mercado da União Europeia, um padrão conhecido como “equivalência”. Esse nível de acesso ao mercado é pior em relação ao que o Reino Unido desfruta atualmente, mas é o melhor que o país pode esperar fora da União Europeia.

    Os grandes bancos afirmam estar preparados para o Brexit e que os novos termos comerciais com a União Europeia não interromperão suas operações enquanto as negociações sobre equivalência continuarem.

    (Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês).