Novo xerife de Wall Street agrada ala progressista do governo Biden
A escolha de Gary Gensler para a SEC envia um sinal claro de que o novo presidente americano planeja assumir uma postura mais dura com o mercado de capitais
Um novo xerife está chegando a Wall Street – e, para variar, ele não é um rosto amigável.
Em uma vitória para a senadora democrata Elizabeth Warren e os progressistas, o presidente eleito Joe Biden anunciou na segunda-feira (18) que Gary Gensler irá liderar a SEC, sigla Securities and Exchange Commission, ou seja, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA.
Gensler fez poucos amigos e muitos inimigos durante seu tempo como regulador no governo de Barack Obama. Como presidente da Comissão de Negociação de Contratos Futuros de Commodities (Commodity Futures Trading Commission, ou CFTC), Gensler ajudou a redigir a lei de reforma financeira Dodd-Frank, à qual o setor financeiro se opôs veementemente. Mesmo com as críticas, Gensler passou a implementar a reforma muito mais rapidamente do que outros reguladores.
Embora Gensler seja um ex-banqueiro do Goldman Sachs, sua nomeação envia um sinal claro de que Biden planeja assumir uma postura mais dura em Wall Street — mais do que o presidente Trump e talvez até mais que o próprio Obama.
“Gensler foi o regulador mais duro do governo Obama. Essa agora será a norma no governo Biden”, disse o ex-deputado democrata Barney Frank ao CNN Business.
Coautor da lei de reforma financeira de 2010, Frank considerou a nomeação de Gensler um “sinal muito bom”.
“Isso vai relaxar as pessoas que podem estar preocupadas que a aplicação de nosso projeto de lei não seja forte o suficiente”, disse Frank, atualmente diretor do Signature Bank.
Ex-banqueiro do Goldman
A senadora Warren, uma crítica ferrenha dos grandes bancos, também parece muito satisfeita com a escolha de Gensler.
“Ele é um regulador tenaz que enfrentou os titãs do setor para controlar o comportamento arriscado deles”, disse a democrata de Massachusetts em um tuíte na segunda-feira. “Ele será um excelente presidente da SEC durante esta crise econômica.”
Biden não apenas escolheu Gensler para liderar a SEC, como também anunciou no mesmo dia a indicação do aliado de Warren, Rohit Chopra, para liderar a Agência de Proteção Financeira ao Consumidor (Consumer Financial Protection Bureau, ou CFPB).
Biden disparou um alerta precoce em Wall Street em novembro, quando chamou Gensler para liderar uma equipe de revisão da agência que trabalhava para moldar o Federal Reserve, a SEC e o FDIC, o fundo garantidor de créditos do país.
Dennis Kelleher, um forte defensor da reforma de Wall Street que também trabalhou na equipe de revisão da agência Biden, elogiou a escolha de Gensler.
“Gary é um especialista profundamente experiente em mercados de títulos”, disse Kelleher, CEO da Better Markets, em uma entrevista. “Ele será um líder inteligente, estratégico e ousado que devolverá a SEC ao padrão ouro de proteção ao investidor.”
Antes de ingressar no governo, Gensler trabalhou por quase duas décadas na Goldman Sachs, onde foi sócio de fusões e aquisições, liderou o grupo de mídia do banco e codirigiu a equipe de finanças.
“Ele é a única exceção à regra dos ex-Wall Streeters que entregam resultados para Wall Street, não para a Main Street”, disse Kelleher, referindo-se às empresas menores e fora da bolsa.
O ex-congressista Frank disse que o fato não é coincidência.
“Gary Gensler foi eficaz em parte porque conhecia o negócio muito bem desde o tempo em que trabalhou no Goldman”, opinou. “Isso deveria ser uma refutação aos amigos de esquerda que acham que ninguém deveria ter trabalhado no setor [antes de assumir essa posição].”
Bloqueio dos juízes de Trump?
Nem a American Bankers Association nem o Bank Policy Institute responderam aos pedidos de comentários sobre a indicação de Gensler.
Stephen Cohen, advogado de defesa na firma Sidley Austin, disse que Wall Street está se preparando para uma fiscalização muito mais dura à frente.
“O setor reconhece sua reputação. Ele vai querer demonstrar que a SEC é dura com Wall Street, que é não apenas um regulador de mercado, mas um policial do mercado”, disse ele.
Cohen, um ex-funcionário da SEC que trabalhou com Gensler durante o governo Obama, chamou Gensler de “extremamente inteligente e confiante”, mas advertiu que ele pode enfrentar obstáculos legais pela frente.
“Os tribunais estão muito mais conservadores do que há quatro anos”, afirmou Cohen, aludindo à nomeação de Trump de muitos juízes pró-empresas. “Haverá mais contestações a uma aplicação agressiva e à regulamentação.”
O indicado de Biden também era conhecido como um chefe exigente – tão exigente que a equipe acabou formando um sindicato próprio.
Quando ele assumiu a CFTC, havia pedidos para fundir a agência com a SEC. Gensler não apenas lutou contra esses esforços como também pressionou com sucesso para expandir a jurisdição da agência.
Se confirmado, espera-se que Gensler traga um forte foco na proteção do investidor. Além disso, ele também terá de abordar o aumento de negócios com criptomoedas e o agravamento da crise climática.
Os ativistas do clima querem que Gensler estabeleça regras obrigatórias para todo o setor sobre a divulgação de metas climáticas. Essa é uma medida que provavelmente seria contestada por partes da América Corporativa, especialmente a indústria de combustíveis fósseis.
“O senhor Gensler assumirá seu novo cargo com um mandato claro e expectativa clara para agir na crise climática”, escreveu Mindy Lubber, CEO da Ceres, organização sem fins lucrativos de sustentabilidade, em um comunicado.
Mais resistente do que Trump
Claramente, Gensler representa uma mudança brusca da era Trump.
Em 2017, Trump escolheu Jay Clayton, um advogado de elite com uma longa história de defesa de grandes bancos, para liderar a SEC. Sob Clayton, que renunciou no mês passado, a SEC obteve pedidos de mais de US$ 14 bilhões (cerca de R$ 74 bilhões) em multas e devolveu um recorde de US$ 3,5 bilhões (cerca de R$ 18,6 bilhões) aos investidores prejudicados, de acordo com a agência.
No entanto, Clayton também presidiu um esforço de “modernização” que, segundo os críticos, costuma ser contra a proteção do investidor.
A SEC liderada por Clayton aprovou, por exemplo, regras que tornavam mais difícil para os acionistas apresentar propostas nas assembleias anuais e obter aconselhamento independente de consultores externos.
No mês passado, o próprio Investor Advocate (defensor do investidor) da SEC criticou as “ações recentes preocupantes” da comissão e apelou à agência para “abandonar seletivamente sua postura desregulamentadora, erguendo barreiras mais altas para o exercício da supervisão independente dos acionistas sobre a gestão das empresas de capital aberto”.
“Embora isso normalmente tenha sido caracterizado como esforços para ‘modernizar’ ou ‘agilizar’ as regulamentações, muitas vezes teve o efeito de diminuir a proteção ao investidor”, escreveu Rick Fleming, o Investor Advocate da SEC, em um relatório.
Sob Obama, a SEC foi criticada por não ser forte o suficiente após a crise financeira de 2008.
“O histórico da SEC foi muito decepcionante”, disse Kelleher, CEO da Better Markets.
Mary Schapiro, a primeira presidente da SEC do governo Obama, escolheu Robert Khuzami, um ex-promotor federal que mais tarde se tornou o conselheiro geral do Deutsche Bank para as Américas, para liderar a divisão de fiscalização da agência. A segunda presidente da SEC sob Obama foi Mary Jo White, uma ex-promotora federal que mais tarde se tornou advogada de defesa de Wall Street.
Kelleher expressou esperança de que Gensler não repita as “falhas fatais” da SEC da era Obama, contratando advogados de Wall Street para cargos importantes na agência.
“Isso vai ser o grande sinal”, opinou.
(Texto traduzido, clique aqui para ler o original em inglês)