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    Novo Bolsa Família ficou mais caro, mas beneficia famílias menores, diz pesquisador

    Após mudanças com Bolsonaro e Lula, orçamento quadruplicou, mas, com as novas regras, lares com mais crianças estão recebendo um valor proporcionalmente menor do que aqueles com menos pessoas

    Criança da cidade de Lapa (PR), beneficiária do Bolsa Família, em 2018: regras antigas davam maior peso para famílias com crianças e adolescentes
    Criança da cidade de Lapa (PR), beneficiária do Bolsa Família, em 2018: regras antigas davam maior peso para famílias com crianças e adolescentes Foto: Rafael Zart/ASCOM/MDS (07/08/2018)

    Juliana Eliasda CNN

    São Paulo

    Depois de passar por uma série de mudanças no governo de Jair Bolsonaro e, agora, no terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o Bolsa Família passou a ter um orçamento e valores de benefícios significativamente maiores.

    Ficou, entretanto, menos assertivo no combate à pobreza, na avaliação do economista especializado em políticas sociais Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

    Isto porque, enquanto na configuração original o valor pago a cada família era essencialmente variável e condicionado ao número de crianças e adolescentes na casa, com as novas regras, todas ganham um benefício fixo mínimo igual e já alto, de R$ 600.

    São pagos adicionais a este valor de acordo com o número de dependentes, mas essa parcela variável tem, agora, peso bem menor do que na versão antiga.

    Com isso, o valor das bolsas ficou parecido entre os vários perfis, e as famílias pequenas passaram a ganhar benefícios proporcionalmente maiores do que os lares com mais pessoas, o que tiraria potência do programa em seu objetivo de atacar a pobreza.

    É o oposto, de acordo com Duque, do que acontecia na estreia do programa, lançado em 2003 pelo próprio Lula, no seu primeiro governo. Nele, quanto maior a família, em especial no número de crianças, maiores eram os recursos recebidos.

    “O programa está maior, o que é ótimo, mas também bem menos eficiente”, diz Duque.

    “Uma família que tenha, por exemplo, cinco pessoas está ganhando um benefício per capita menor do que uma que tem três. Temos famílias com características muito diferentes, umas precisando mais que outras, mas ganhando valores parecidos.”

    Disparada nas “famílias de uma pessoa só”

    As distorções, explica ele, ficaram especialmente maiores durante o pouco mais de um ano em que vigorou o Auxílio Brasil, lançado no fim de 2021 pelo governo Bolsonaro e extinguido no começo de 2023 por Lula.

    Com regras e também fiscalização mais frouxas em relação ao tamanho das famílias beneficiadas, o Auxílio Brasil chegou a ver uma explosão no número de inscritos declarados como família unipessoal, ou seja, formadas por uma pessoa só.

    O aumento nos cadastrados com esse perfil, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social, foi de 73% em 2022, comparado a 2021.

    Embora sem ter como comprovar, a intuição dos especialistas é de que pessoas da mesma família passaram a se declarar de maneira separada para receber, cada uma, o benefício de R$ 400, depois ampliado para R$ 600.

    Uma auditoria feita no programa no fim de 2022 pelo Tribunal de Contas da União (TCU) chegou a conclusão parecida: o programa tinha passado a gastar muito mais, mas com menos foco.

    “Para reduzir 1 ponto percentual do hiato de pobreza, o Auxílio Brasil precisa de R$ 1,72 bilhão por mês, enquanto o Bolsa Família necessitaria de apenas R$ 1,43 bilhão, afirmou o TCU em dezembro do ano passado.” É uma diferença de quase R$ 300 milhões por mês, por ponto percentual.

    As distorções, afirma Duque, da FGV, foram parcialmente revertidas pelo novo Bolsa Família em 2023, mas, apesar de alguma queda, a quantidade de famílias de uma pessoa só cadastradas segue acima do nível anterior à pandemia.

    “O novo Bolsa Família recriou as estruturas anteriores [os benefícios variáveis por dependentes], mas agora como adicionais, e manteve o auxílio básico de R$ 600 do Auxílio Brasil”, diz o pesquisador.

    “Mas os benefícios mais progressivos, aqueles que transferem mais a quem precisa, são os benefícios variáveis, que hoje são relativamente bem menores do que o benefício básico [de R$ 600].”

    Novo limite e combate às distorções

    Procurado, o Ministério do Desenvolvimento Social, responsável pelo programa, afirmou que, com o novo Bolsa Família, vem trabalhando para combater as distorções.

    “Os valores variam de acordo com a composição familiar. A tese de que a renda per capita de uma família com menos integrantes é sempre maior que a de uma família com mais integrantes não é verdadeira”, disse a pasta.

    “Iniciamos em 2023 um processo de fortalecimento da capacidade institucional dos municípios, dos estados e do Distrito Federal para o atendimento do Cadastro Único. O processo tem sido essencial para conter o aumento desproporcional de famílias unipessoais, evidenciado especialmente em 2022.”

    Com isso em vista, o governo acrescentou, em agosto, uma nova regra ao programa que limita a 16% a proporção de famílias unipessoais na base de beneficiários, que é a média atual da população brasileira. Essa proporção chegou a 25% dentro do programa em 2022, de acordo com o ministério.

    Perguntado se as regras do programa podem passar por revisões, a pasta respondeu que “as reformulações e os aprimoramentos de regras do Bolsa Família acontecem à medida que novos cenários vão se apresentando”.

    Famílias diferentes, benefícios parecidos

    Uma simulação feita por Duque, da FGV, mostra que, com as novas regras, uma família de três pessoas, sendo um casal e um filho pequeno, ganha pouco menos que outra família com quatro integrantes, sendo uma mãe solteira e três filhos: a primeira ganha R$ 750 e, a segunda, R$ 850.

    A composição no número de adultos e crianças faz diferença no valor final por conta dos adicionais variáveis que são pagos por filho.

    Por outro lado, caso ainda valessem as regras da primeira edição, com a verba atual, o benefício total recebido pela família de três pessoas ficaria menor, de R$ 597, enquanto o da que tem quatro pessoas cresceria para $ 1.003.

    Com isso, o valor per capita da primeira família, de R$ 250, ficaria em R$ 199, enquanto o da segunda subiria de R$ 212 para R$ 251, passando a ser maior que o da outra.

    Mais crianças, mais pobreza

    O pressuposto, explica Duque, é que os esforços da ajuda social devem se concentrar nas crianças e nos jovens, que costuma ser onde a pobreza se concentra e também onde há as maiores necessidades – os dados mostram que há uma correlação alta entre a pobreza e as famílias mais numerosas em crianças.

    O vínculo do Bolsa Família aos jovens em idade escolar era um dos principais pilares da primeira edição do programa e também de seu antecessor, o Bolsa Escola, criado em 2001 pelo governo Fernando Henrique Cardoso.

    A ideia base é dar condições a essas famílias de manter seus jovens nos estudos sem que precisem abandona-los para trabalhar e complementar a renda da casa, realidade extremamente comum entre aqueles que vivem abaixo da linha da pobreza – uma fronteira imaginária estimada, atualmente, em uma renda máxima de cerca de R$ 200 para cada pessoa da casa, para passar o mês.

    Em uma casa com cinco pessoas, por exemplo, isso significa ter pouco mais de R$ 1.000 para sustentar a todos a cada mês. O valor é menor do que um salário mínimo, de R$ 1.302 atualmente.

    Orçamento quadruplicado

    Para o pesquisador da FGV, o problema não é o novo tamanho do Bolsa Família, que teve o orçamento quadruplicado e elevou o benefício médio dos R$ 190 para a faixa dos R$ 700 por domicílio cadastrado. A questão estaria em como ele é distribuído.

    “Com o mesmo orçamento que tem hoje, mas com as regras originais, o Bolsa Família teria um impacto muito maior sobre a pobreza”, afirma o pesquisador da FGV.

    Entre as razões que levaram o Bolsa Família a se tornar referência internacional no combate à pobreza, estavam, entre outros, o fato de que ele era um programa extremamente barato: com menos de R$ 40 bilhões por ano, ou algo como 0,5% do PIB, ele conseguiu reduzir drasticamente a miséria no Brasil nos anos de 2000 e 2010.

    Seu orçamento era de pouco mais de R$ 3 bilhões por mês. Agora, custa perto de R$ 14 bilhões mensais, o que dá quase R$ 170 bilhões em um ano.

    Aumentos e reformulações

    O Bolsa Família, que estava com os valores congelados desde 2018, passou por duas grandes reformas nos últimos anos: em 2021, quando o governo Bolsonaro o refundou como Auxílio Brasil, e depois, no começo de 2023, quando Lula retomou o Bolsa Família, mas com regras misturadas das duas fases anteriores.

    A principal mudança, de lá para cá, está na inversão nos tipos de benefício.

    No Bolsa Família de 2003, ele era, para a grande maioria, totalmente variável: as famílias cadastradas ganhavam benefícios que iam de R$ 41 a R$ 96 para cada criança, adolescente ou gestante, limitado a um máximo de sete.

    Com isso, quanto maior o número de dependentes na casa, maior era a bolsa recebida. O valor médio, em 2021, quando ele foi extinto, estava próximo de R$ 190 por família.

    Bolsa Família original, considerados os valores que estavam valendo em 2021:

    Quem podia receber:

    • famílias na extrema pobreza: renda mensal per capita de até R$ 89 por mês (o equivalente a um total R$ 445 por mês para uma casa com 5 pessoas)
    • famílias abaixo da linha da pobreza: renda mensal per capita de até R$ 178 por mês (total de R$ 890 por mês em uma casa com 5 pessoas)

    O que recebia:

    • Um benefício variável de R$ 41 por gestante ou criança de até 15 anos, limitado ao máximo de cinco (até R$ 205)
    • Um benefício variável de R$ 48 por adolescente 16 ou 17 anos, limitado ao máximo de dois (até R$ 96)
    • Um benefício fixo de superação da extrema pobreza de até R$ 89, pago apenas às famílias na extrema pobreza, independentemente do número de pessoas

    No Auxílio Brasil, todas as famílias passaram a ganhar um benefício fixo, primeiro de R$ 400, depois ampliado temporariamente para R$ 600, independentemente do número de integrantes.

    Ele continuou sendo destinado apenas às famílias na extrema pobreza ou abaixo da linha da pobreza e com ao menos uma gestante ou um filho de até 21 anos.

    A versão do governo Bolsonaro também previa o pagamento de bônus adicionais para casos específicos, como jovens com bom desempenho em competições esportivas e científicas, agricultores familiares e crianças sem acesso a vaga em creche, entre outros.

    Finalmente, no novo Bolsa Família, que foi lançado por Lula em março e substituiu o Auxílio Brasil, o benefício mínimo de R$ 600 do antecessor foi mantido e transformado em permanente.

    Os antigos benefícios variáveis, por sua vez, deixaram de ser o pagamento principal, como era na primeira versão, para serem complementares ao pagamento básico fixo de R$ 600.

    Bolsa Família atual

    Quem pode receber:

    • famílias abaixo da linha da pobreza: renda mensal per capita de até R$ 218 por mês (total de R$ 1.090 por mês em uma casa com 5 pessoas)

    Os principais pagamentos que recebe:

    • Um benefício fixo mínimo de R$ 600 (sendo R$ 142 por integrante, mais um benefício complementar que garanta o mínimo de R$ 600 quando necessário)
    • Um benefício variável R$ 150 por criança de zero a 7 anos incompletos
    • Um benefício variável de R$ 50 por gestante e crianças e adolescentes de 7 a 18 anos

    “A retomada do programa, em março de 2023, tem com um dos pilares justamente o resgate do conceito de família, os valores recebidos variam conforme a composição familiar”, disse o Ministério do Desenvolvimento Social.

    “Os benefícios foram pensados para melhor atender cada família de acordo com suas necessidades específicas, com foco na primeira infância.”

    Em todas as versões, é exigido que as famílias, as gestantes e as crianças estejam com os exames pré-natal, a carteira de vacinação e a presença escolar em dia.

    Veja também: Fazenda revisa projeção de crescimento do PIB para 3,2% em 2023