Nova York planeja cobrar até US$ 23 de motoristas que vão ao centro; outras cidades podem fazer o mesmo
Taxas serão aplicadas durante o horário de pico e devem entrar em vigor ainda neste ano; valor equivale a cerca de R$ 112
A administração do presidente Joe Biden deve permitir que a cidade de Nova York avance com um programa histórico que cobrará pedágio de veículos que entram em Lower Manhattan, após o término de um período de debate público, nesta segunda-feira (12).
O pedágio é formalmente conhecido como Central Business District Tolling Program (Programa de Pedágio do Central Business District) — mas é comumente chamado de “preço de congestionamento”.
Na prática, funciona como qualquer outro pedágio, mas como cobra especificamente das pessoas que dirigem na área de tráfego intenso abaixo da rua 60, em Manhattan, seria o primeiro programa desse tipo nos Estados Unidos.
As propostas variam de cobrar dos veículos US$ 9 a US$ 23 [R$ 43,74 a R$ 111,78] durante o horário de pico, e deve entrar em vigor na próxima primavera [outono no Brasil].
O plano foi adiado por anos, mas atingiu um marco no mês passado, quando a Federal Highway Administration assinou a liberação de uma avaliação ambiental. O público teve até segunda-feira para revisar o relatório, e o governo federal deve aprová-lo logo depois.
A partir daí, a Autoridade de Transporte Metropolitano de Nova York (MTA, na sigla em inglês) pode finalizar as taxas de pedágio, bem como descontos e isenções para determinados motoristas.
A cidade de Nova York ainda está se recuperando do impacto devastador da pandemia de Covid-19. Os defensores dos preços de congestionamento dizem que é uma parte crucial da recuperação da cidade e uma maneira de reimaginá-la para o futuro.
“Este programa é fundamental para o sucesso de longo prazo da cidade de Nova York”, disse a governadora Kathy Hochul, no mês passado.
O plano também marcaria o ponto culminante de mais de meio século de esforços para implementar a tarifação do congestionamento na cidade de Nova York.
Apesar do apoio de vários prefeitos e governadores, os proprietários de carros e caminhões nos bairros periféricos e nos subúrbios ajudaram a derrotar as propostas.
Em 2007, o prefeito Michael Bloomberg chamou o congestionamento de “o elefante na sala” ao propor um programa de pedágio, que os legisladores estaduais descartaram.
Uma década depois, o governador Andrew Cuomo — que por muito tempo resistiu ao preço do congestionamento — disse que era “uma ideia cuja hora chegou” e declarou estado de emergência no metrô após atrasos crescentes e um descarrilamento que deixou dezenas de feridos.
Dois anos depois, o estado deu ao MTA a aprovação para projetar um programa de tarifação de congestionamento.
Em última análise, foi a necessidade de melhorar o transporte público da cidade de Nova York que se tornou o grito de guerra para o preço do congestionamento.
Pior engarrafamento nos Estados Unidos
Todos os dias, 700.000 carros, táxis e caminhões chegam a Lower Manhattan, uma das áreas mais movimentadas do mundo, com alguns dos piores engarrafamentos dos Estados Unidos.
O carro viaja a apenas 7,1 mp/h [11,4 km/h] em média na zona de preços de congestionamento, e é uma tendência de queda.
A velocidade dos ônibus públicos também caiu 28% desde 2010. Os nova-iorquinos perdem em média 117 horas por ano parados no trânsito, o que lhes custa quase US$ 2 mil [R$ 9,7 mil] em perda de produtividade e outros custos, de acordo com uma estimativa.
O pedágio é projetado para reduzir o número de veículos que entram na zona de congestionamento em pelo menos 10% todos os dias e reduzir o número de milhas que os carros viajam dentro da zona em 5%.
O congestionamento também traz custos físicos e sociais: mais acidentes, emissões de carbono e poluição acontecem à medida que carros buzinando ocupam espaço que poderia ser otimizado para pedestres e refeições ao ar livre.
Os proponentes também observam que isso melhorará o transporte público, uma parte essencial da vida de Nova York. Cerca de 75% das viagens ao centro da cidade são feitas por transporte público.
Mas o número de passageiros no transporte público é 25% a 30% menor em comparação com os níveis pré-pandêmicos, de acordo com o MTA.
O MTA diz que as taxas de congestionamento gerarão uma fonte crítica de receita para financiar US$ 15 bilhões [R$ 72,9 bilhões] em investimentos futuros para modernizar o sistema de transporte público de 100 anos da cidade.
As melhorias, como novos vagões de metrô e sinais elétricos, são cruciais para atrair novos passageiros e melhorar a velocidade e a acessibilidade — especialmente para moradores de baixa renda e minorias, que têm menos probabilidade de possuir carros, dizem os defensores do plano.
A cidade de Nova York é “dependente do transporte público”, disse Kate Slevin, vice-presidente executiva da Regional Plan Association, um grupo de planejamento e políticas urbanas.
“Contamos com essa receita para pagar as atualizações e os investimentos necessários que garantem um serviço de trânsito confiável e bom.”
Melhorar o transporte público também é fundamental para a recuperação econômica pós-pandemia da cidade de Nova York: se os deslocamentos para o trabalho não forem confiáveis, é menos provável que as pessoas visitem o escritório e façam compras nas lojas ao redor de seus locais de trabalho.
Os defensores da taxa de congestionamento esperam que o programa crie mais espaço para comodidades como calçadas mais largas, ciclovias, praças, bancos, árvores e banheiros públicos.
“Há 100 anos decidimos que o automóvel era o caminho a seguir, então estreitamos as calçadas e construímos rodovias”, disse Sam Schwartz, ex-comissário de trânsito da cidade de Nova York e fundador de uma empresa de consultoria de mesmo nome. “Mas o futuro da cidade de Nova York é que o pedestre seja rei e rainha. Tudo deve ser subserviente ao pedestre.”
Benefícios, críticas e medidas de mitigação
Embora nenhuma outra cidade dos Estados Unidos tenha implementado a tarifação do congestionamento, Estocolmo, Londres e Cingapura já a adotam há anos.
Essas cidades relataram benefícios como diminuição da poluição por dióxido de carbono, velocidades médias mais altas e redução de congestionamentos.
Apenas um ano depois que Londres adicionou sua taxa, em 2003, o congestionamento do tráfego caiu 30% e as velocidades médias aumentaram na mesma porcentagem.
Em Estocolmo, um estudo constatou que a taxa de visitas de crianças com asma aguda ao médico caiu cerca de 50% em comparação com as taxas anteriores ao lançamento do programa, em 2007.
Alguns grupos se opõem ferozmente às cobranças de congestionamento na cidade de Nova York, no entanto. Os motoristas de táxi e aplicativos, em grande parte uma força de trabalho imigrante e de baixa renda, temem que isso prejudique os seus trabalhos, que já lutam para sobreviver.
O MTA disse que o preço do congestionamento pode reduzir a demanda por táxis em até 17% na zona.
Os passageiros e legisladores dos bairros periféricos da cidade de Nova York e de Nova Jersey dizem que o programa prejudica os motoristas que não têm uma maneira viável de chegar ao centro de Manhattan a não ser de carro, e que isso afetaria desproporcionalmente os motoristas de baixa renda. (Mas, de uma região de 28 milhões de pessoas, apenas cerca de 16.100 pessoas de baixa renda se deslocam para o trabalho de carro em Lower Manhattan, de acordo com o MTA.)
Outros críticos dizem que poderia desviar mais tráfego e poluição de caminhões a diesel em Manhattan para áreas de baixa renda, como o Bronx, que tem as maiores taxas de hospitalização por asma na cidade.
No entanto, o MTA e outras agências têm planos para mitigar muitos desses efeitos adversos.
Táxis e veículos de aluguel serão cobrados apenas uma vez por dia. Os motoristas que ganham menos de US$ 50 mil [R$ 243 mil] por ano ou estão inscritos em certos programas de ajuda do governo receberão descontos de 25% após as primeiras 10 viagens todos os meses.
Caminhões e outros veículos terão descontos de 50% durante a noite.
Além disso, o MTA prometeu US$ 10 milhões [R$ 48,6 milhões] para instalar unidades de filtragem de ar em escolas perto de rodovias, US$ 20 milhões [R$ 97,2 milhões] para um programa de combate à asma e outros investimentos para melhorar a qualidade do ar e o meio ambiente em áreas onde mais tráfego poderia ser desviado.
As apostas do programa da cidade de Nova York são altas e os líderes de outras cidades estão observando os resultados de perto.
Se for bem-sucedido, o preço do congestionamento pode ser um modelo para outras cidades dos EUA, que estão tentando se recuperar da pandemia e enfrentam desafios semelhantes de mudança climática e infraestrutura pública envelhecida.
“É bom ver que o programa da cidade de Nova York está avançando”, disse o Conselho Editorial do Los Angeles Times no mês passado. “Los Angeles deve assistir, aprender e seguir em frente.”